quarta-feira, 3 de julho de 2024

S. Tomé cantado por Camões


Festa de São Tomé, Apóstolo
No seu livro Os Lusíadas, no Canto X, 108-119, Camões canta a vida, presença, pregação, milagres, morte e glorificação do Apóstolo São Tomé nas terras da Índia.
 
Olha que de Narsinga o senhorio
Tem as relíquias santas e benditas
Do corpo de Tomé, barão sagrado,
Que a Jesu Cristo teve a mão no lado.
 
Aqui a cidade foi, que se chamava
Meliapor, fermosa, grande e rica;
Os Ídolos antigos adorava,
Como inda agora faz a gente inica.
Longe do mar naquele tempo estava,
Quando a Fé, que no mundo se pubrica,
Tomé vinha pregando, e já passara
Províncias mil do mundo, que insinara.
 
Chegado aqui, pregando e junto dando
A doentes saúde, a mortos vida,
Acaso traz um dia o mar, vagando,
Um lenho de grandeza desmedida.
Deseja o Rei, que andava edificando,
Fazer dele madeira; e não duvida
Poder tirá-lo a terra, com possantes
Forças de homens, de engenhos, de aliphantes.
 
Era tão grande o peso do madeiro,
Que, só pera abalar-se, nada abasta;
Mas o núncio de Cristo verdadeiro
Menos trabalho em tal negócio gasta:
Ata o cordão, que traz, por derradeiro,
No tronco, e facilmente o leva e arrasta
Pera onde faça um sumptuoso templo,
Que ficasse aos futuros por exemplo.
 
Sabia bem que, se com fé formada
Mandar a um monte surdo que se mova,
Que obedecerá logo à voz sagrada,
Que assi lho insinou Cristo, e ele o prova.
A gente ficou disto alvoraçada;
Os Bramenes o tem por cousa nova;
Vendo os milagres, vendo a santidade,
Hão medo de perder autoridade.
 
São estes sacerdotes dos Gentios,
Em que mais penetrado tinha enveja;
Busca maneiras mil, buscam desvios,
Com que Tomé não se ouça, ou morto seja.
O principal, que ao peito traz os fios,
Um caso horrendo faz, que o mundo veja
Que inimiga não há, tão dura e fera,
Como a virtude falsa, da sincera.
 
Um filho próprio mata, e logo acusa
De homecidio Tomé, que era inocente;
Dá falsas testemunhas, como se usa:
Condenaram-lhe a morte brevemente.
O Santo, que não vê milhor escusa
Que apelar pera o Padre omnipotente,
Quer, diante do rei e dos senhores
Que se faça um milagre dos maiores.
 
O corpo morto manda ser trazido,
Que resucite e seja perguntado
Quem foi o matador, e será crido
Por testemunho, o seu, mais aprovado.
Viram todos o moço vivo, erguido,
Em nome de Jesu crucificado;
Dá graças a Tomé, que lhe deu vida,
E descobre seu pai ser homicida.
 
Este milagre fez tamanho espanto,
Que o Rei se banha logo na água santa,
E muitos após ele; um beija o manto,
Outro louvor do Deus de Tomé canta.
Os Bramenes se encheram de ódio tanto,
Com seu veneno os morde enveja tanta.
Que, persuadindo a isso o povo rudo,
Determinam matá-lo, em fim de tudo.
 
Um dia que pregando ao povo estava,
Fingiram entre a gente um arruído.
Já Cristo neste tempo lhe ordenava
Que, padecendo, fosse o Céu subido.
A multidão das pedras, que voava,
No Santo dá, já a tudo oferecido;
Um dos maus, por fartar-se mais depressa,
Com crua lança o peito lhe atravessa.
 
Choraram-te, Tomé, o Ganges e o Indo;
Chorou-te toda a terra que pisaste;
Mais te choram a almas que vestindo
Se iam da santa Fé que lhe insinaste;
Mas os anjos do Céu, cantando e rindo,
Te recebem na Glória, que ganhaste.
Pedimos-te que a Deus ajuda peças,
Com que os teus Lusitanos favoreças.
 
E vós outros que os nomes usurpais
De mandados de Deus, como Tomé,
Dizei: se sois mandados, como estais
Sem irdes a pregar a Santa Fé?
Olha que, se sois sal e vos danais
Na pátria, onde profeta ninguém é,
Com que se salgarão, em nossos dias,
(Infiéis deixo) tantas heresias?
 
Ver também:
O primeiro dia da semana
Meu criador e meu salvador
Domingo de pascoela
Misericórdia para todos
Gémeo de quem
A lança e o esquadro
Apóstolo do Coração de Jesus
Gémeo de Tomé
Crer e ver sem olhar
Meu Senhor e meu Deus
Tomé Dídimo
Confissão de Tomé
Por que acreditar
São Tomé
Tomé
 

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