O mal
agrava-se
Os padres vindos para celebrar o
onomástico ficavam felizes por visitá-lo, um a um. Reconheceu a todos e para
todos teve uma palavra boa e afectuosa. Os médicos diagnosticaram que,
dificilmente, restava alguma esperança e o especialista observou: “Em
conclusão, morre curado!” Queria dizer que a inflamação intestinal tinha
passado, mas que o coração estava a falhar. Estávamos todos preocupados, e às
três da tarde, chegou o momento de administrar os Santos Sacramentos ao doente
grave, que conservou a plena lucidez durante todo o dia. Reuniu-se toda a
comunidade, Irmãos e Padres, todos estavam presentes. Entrámos no quarto do
enfermo. Disse-lhe que queríamos administrar-lhe os últimos Sacramentos. Com
breves palavras exortei-o a cumprir a vontade de Deus.
Os últimos
sacramentos
Antes de começar o sagrado acto
disse-lhe: “Quer, talvez, pedir perdão diante de todos?” Então ele disse estas
simples palavras, que lhe saíam do coração: “Sim, comprometi a Obra com as
minhas culpas e imprudência. Mas não tenho medo; o Coração de Jesus é tão bom
…” Era a humildade, a humildade mais profunda unida a uma confiança inabalável,
esta confiança que nunca o abandonou, não somente durante a enfermidade, mas
que o foi animando durante toda a sua vida. Se a Congregação existe, pode
existir e existirá, não é senão pela confiança no divino Coração. Este é o
testamento do Fundador para as futuras gerações. Deu-se início à liturgia, mas
antes convidei a todos os meus confrades a pedir perdão de todas as faltas
tanto na vida religiosa como contra a sua pessoa. Ele deu-nos a sua bênção
paterna. A liturgia chegava ao seu fim. O Assistente administrou a Unção
sagrada e depois a indulgência plenária in articulo mortis, acompanhada do acto
de aceitação humilde e confiante da vontade de Deus.
Visita dos
familiares
Um pouco mais tarde chegaram os seus
familiares, foram levados à presença do doente e causaram-lhe uma alegria
visível. Aproximaram-se dele com sincero respeito e chamaram-lhe singelamente
“nosso santo tio”. Junto dele velava o Pe. Kanters, holandês mas que sempre
tinha vivido na França, e que por muito tempo tinha sido pároco na diocese de
Tournay e portanto prático nos cuidados pastorais. Entregou à sobrinha do Pe.
Dehon um copo e ela deu-o a beber a seu tio. Esta foi uma alegria, era o último
acto da família para com o seu parente, o último descendente de uma família
distinta.
Uma
lembrança: o onomástico de uma alma vítima
Terminado o rito sagrado voltou-se para
mim e disse-me: “Clara Baume”. Eu não entendia, porque nada sabia deste nome e
desta pessoa. Isto é uma prova que mostra com que discrição e com que santo
temor ele tratava a correspondência de alma a alma e as relações com todos os
religiosos da Congregação. Um padre que estava ao corrente disse-me: “É uma
alma vítima, que vive na França meridional e se chama Clara. O Fundador queria
dizer que felicitasse em seu nome esta pessoa no dia do seu onomástico”. Fi-lo
imediatamente. Esta grande alma tinha sido atormentada na sua juventude. De
pais abastados, juntamente com a sua irmã Berta, viu-se com falta de dinheiro
devido a grandes revezes do seu património e por fim conheceu os apertos da
pobreza.
Na sua juventude, uma monja lhe disse:
“Só há uma pessoa que pode ajudar e encontra-se na Holanda”. Com a permissão
dos seus superiores o Pe. André Prèvot, que percebia destas coisas, aceitou a
direcção desta alma e guiou-a pela vida do sacrifício, escrevendo sempre nas
suas cartas: “Querida alma”. Depois da sua morte, O Pe. Fundador assumiu a sua
direcção, e morto este, eu quis continuar com esta herança, até que a nova
chamada para bispo de Luxemburgo me separou dela. Estas almas vítimas, que
vivem desconhecidas no mundo, que não são nem nomeadas, têm sido o segredo que
assegura o êxito dos Sacerdotes do Coração de Jesus. São a reserva ou o capital
de reserva da florescente Congregação. Na Casa Geral existia a correspondência
com Clara Baum.
O Pe. Holandês, Gerardo Frey, insistiu
comigo para que lhe cedesse esses documentos preciosos para escrever a vida do
Pe. André. Apesar das minhas graves dúvidas, confiei-lhos. Nem se sentiu na
obrigação de informar-me onde foram parar.
(Das
Memórias de D. Philippe, Vice Geral do Pe. Dehon e seu sucessor)
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