Calçada portuguesa do Rossio
“Nós
revemos muitas vezes o centro da cidade de Lisboa, com a sua bela Praça do Rossio, com calçada ondulada, cujo
reflexo provoca enjoo de mar (aux pavés ondules, dont le reflet donne le
mal de mer) ”. (cf Para além dos Pirenéus, 1900).
“Uma
volta de trem permite-nos admirar a
praça do Rossio com o pavimento ondulado…”
(cf. Mil léguas na América do Sul, 1906)
Rossio no templo do Pe. Dehon
A propósito deste"mal de mer" só conheço uma vez em que o Pe. Dehon diz claramente ter
enjoado. Foi a caminho de Marselha, regressando de Roma para férias como
seminarista: “Antes de chegar a Bastia eu
tinha pago o meu tributo ao mar com o enjoo.” (NHV 5/110)
Há outro caso em que sugere um mal-estar
provocado pelo mar – depois de escalar Lisboa a
caminho do Brasil, lê Os Lusíadas e conclui: “Tudo isto é belo de ler quando se tem o estômago calmo., pois no dia
3, depois de Lisboa houve uma enorme agitação. As mesas esvaziam-se…” (Mil
léguas na América do Sul)
Ainda noutra passagem refere que ao viajar de
camelo, na sua primeira viagem pelo Médio Oriente, sentiu uma espécie de enjoo: “Os nossos
camelos, ao sinal que lhes é dado com um golpe de varinha no joelho, deitam-se.
Nós trepamos para as selas colocadas sobre as suas bossas, eles levantam-se e
metem-se a caminho gravemente e pesadamente; eis-nos, colocados durante
meio-dia, balançando como num navio, a ponto de experimentar uma espécie de
enjoo. Será este o nosso meio de transporte durante quinze dias.” (NHV
3/150)
De resto, em tantas viagens pelo mar, rios e
lagos mostrou-se um bom marinheiro que não sofria de enjoos, apesar de estar
rodeado de tantas vítimas desse mal:
- No lago Oban da Escócia – “Os meus três companheiros enjoam…” (NHV 1/167)
- No regresso da 2ª viagem à
Inglaterra: “Embarcámos.
O mar foi mau, mexido. As ondas abatiam-se sobre o navio. O pessoal do barco
emprestou caridosamente aos passageiros uns sacos de borracha. Vi toda a gente enjoar, mas não enjoei eu!” (NHV 1/183)
- No Rio Nilo – “20-21 de Fevereiro. Vento do norte. Não avançávamos. O
“cange” balouçava; alguns sentiam uma
espécie de enjoo.” (NHV 3/133
- Também ao desembarcar em Recife, depois de uma longa
viagem no mar, fica surpreendido ao ver alguém a enjoar: “Um
dos jovens padres enjoa… na barca em que nos foi buscar a bordo.” (NQ 20/68)
- Finalmente, ao atravessar o mar entre o Japão e a
Coreia: “O mar está mau. Somos uns vinte,
homens, mulheres e crianças, estendidos sobre as esteiras na sala comum. A maior parte está mal e vomita. É
preciso ter um coração de aço ou um estômago
de ferro para resistir à prova. Eu aguento bem, por enquanto, mas o
descanso foi curto… De manhã oferecem-nos o pequeno almoço regulamentar, arroz
naturalmente. Ninguém tem apetite. Eu, esvaziei corajosamente a minha taça de
arroz com a ajuda dos meus dois pauzinhos… Eu incentivo o meu vizinho a comer,
mas ele recusa dizendo: Eu estou mais ou menos… Tenho medo de estragar tudo.” (NQ
XXX, 1910)
Rossio na atualidade
O efeito visual é tão sugestivo que
parece levar-nos ao alto mar dando-nos a sensação de enjoo das ondas.
Esta apreciação da arte da calçada
portuguesa é expressa mais tarde por dois escritores, um português e outro
francês.
Jean Giraudoux (1882-1944) em A Jornada
Portuguesa, de 1916, escreveu:
“As
grandes praças da tua cidade, com mosaicos negros ondulados, pareciam regados a
tinta fresca.”
Aquilino Ribeiro (1885.1963) na sua obra
Lápides Partidas, de 1945, descreveu:
“Chamou-me
a atenção para a maneira como era empedrado aquele Rossio: Ondas pretas e
brancas representadas por meias-luas alternantes de calcário e basalto, que iam
rolando, rolando umas sobre outras em ritmando galão. E eu, com a ufana ousadia
dum ocupante, fui pisando esse interminável mosaico de curvas e contracurvas,
de modo a produzir a imagem, inocente imagem, do mar alto.”
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