Crónica de um santo na Madeira
19ª
semana – Do batismo à santa unção
No
dia do nosso batismo as portas do Paraíso abrem-se para nós e Deus Pai faz a
sua declaração de amor:
-
Este é o meu filho muito amado.
A
partir daí cada dia, cada momento é um pequeno passo em direção à nossa pátria
celeste.
Podemos
constatar que toda a vida do beato Carlos foi uma celebração continuada de
todos os sacramentos.
Os compromissos
do batismo e do crisma nunca esquecidos, a confissão e a eucaristia sempre
presentes, o matrimónio desde sempre orientado para a eternidade, o sacerdócio
sempre respeitado e valorizado e a santa unção desejada e saboreada, como
coroamento desse itinerário.
Ao
assinalarmos nesta semana a santa unção do enfermo Carlos de Áustria,
glorificamos a Deus pelas maravilhas que fez neste ilustre filho da Igreja.
Não
queremos esquecer um pormenor.
O
povo tem um ditado que diz: Morrendo e aprendendo. No caso da vida do beato
Carlos, temos de corrigir – Morrendo e ensinando.
De
facto, no leito de morte, não deixou escapar a oportunidade de dar uma lição de
vida e de fé ao seu primogénito, querendo tê-lo presente junto de si “para
ele aprender, enquanto católico, aquilo que terá de fazer quando chegar a sua
vez.”
Os santos são assim, morrendo e ensinando!
25
de março de 1922 – sábado
Solenidade
da Anunciação do Senhor.
Toda
a família imperial se sentia angustiada. Por causa do medo de contágio as
crianças não podiam ver o pai. A mãe levou-os desta vez à cabeceira do pai, mas
este estava tão pálido e com a barba por fazer que parecia um desconhecido.
Alguns ficaram com medo e Roberto, que tinha seis anos, desatou a chorar.
Não
passava despercebido ao Imperador o jeito especial de D. Constança de tratar as
crianças. Por isso o Imperador exclamava: “que pena a Constança não ter
filhos!” Na verdade, essa era um assunto que entristecia D. João de Almeida
e D. Constança: estavam casados muitos anos e ainda não tinham recebido a graça
de ter filhos. Mesmo muito doente o Imperador não se esqueceu do sofrimento dos
seus amigos e disse-lhes que quando fosse para o Céu ia pedir a Jesus que lhes
desse a graça de ter um filho. E de facto aconteceu que em setembro de 1923
nasceu-lhes um menino a quem puseram o nome de Miguel. Quando a Imperatriz
soube dessa notícia ficou muito comovida, pois era a prova de que o seu marido se
lembrava do que tinha prometido aos seus amigos João e Constança. Assim
certamente também si iria lembrar dela, dos seus filhos e de todo o seu povo.
Como sinal de gratidão ela ofereceu o vestido de batizado do Imperador Carlos aos
seus amigos portugueses para usá-lo no Batismo do pequenino. D. Miguel de
Almeida nunca mais se desfez dessa relíquia.
26
de março de 1922 – domingo
Quarto
Domingo da Quaresma.
O
Pe. Paul Zsamboki celebrou missa no quarto do doente.
Com
o imperador doente havia doze dias, a imperatriz deslocou-se à Igreja de Nossa
Senhora do Monte e participou na procissão para pedir a cura do marido na Procissão
do Senhor dos Passos. A população local associou-se à sua oração pela
recuperação do Imperador. Até os foguetes, que normalmente eram soltos em tal
ocasião, foram suspensos para não perturbar o repouso do enfermo.
27
de março de 1922 – segunda-feira
Foi
divulgado que piorou o estado de saúde do Imperador.
O
Pe. Paul Zsamboki administrou a santa unção ao Imperador. Quando o sacerdote
terminou o ofício, o imperador acrescentou: Perdoo a todos aqueles que
trabalham contra mim, e continuarei a rezar e a sofrer por eles.
Otto,
que ainda não tinha dez anos, ouvia estas palavras, o pai quis
tê-lo presente, “para ele aprender, enquanto católico, aquilo que terá de
fazer quando chegar a sua vez.”
28
de março de 1922 – terça-feira
Foi
anunciado que o ilustre enfermo continuava no mesmo estado. Os médicos que se
revezavam à cabeceira do doente constatando uma dupla pneumonia, aplicaram
ventosas e deram injeções de essência de terebentina.
29
de março de 1922 – quarta-feira
Às
três da manhã, o coração deu sinais de fraqueza e o médico deu-lhe uma injeção
de cafeína; uma hora mias tarde, a crise repetiu-se e a solução foi a mesma. Começaram a
manifestar-se dificuldades de respiração e teve de usar máscara de oxigénio.
Foi
noticiado que tinha piorado o estado de saúde do Imperador e que os seus
médicos assistentes se mantinham à cabeceira do paciente.
30
de março de 1922 – quinta-feira
Foram
divulgadas ligeiras melhoras do enfermo.
Em
seu leito de enfermo, o Imperador disse à Condessa Mensdorff: “É tão bom ter
fé no Sagrado Coração de Jesus! Se não fosse isso, seria impossível suportar
esses sofrimentos.”
Por
toda a sua vida e também durante a última doença, trouxe, debaixo do seu travesseiro,
uma imagem do Sagrado Coração de Jesus. Certa vez, quando a Imperatriz quis que
ele conseguisse ter um pouco do tão necessário sono, ela tirou o quadro de
debaixo do travesseiro e segurou-o diante dos olhos do Imperador, dizendo-lhe
que era necessário que dormisse e que, portanto, deveria pedir isso ao Senhor.
O Imperador fixou os seus olhos na imagem e rezou: “Meu Amado Salvador, por
favor, concedei-me dormir.” Então, pôde adormecer e repousar por três
necessárias horas.
31
de março de 1922 – sexta-feira
No
décimo sétimo dia da doença, Carlos começou a delirar.
Os
médicos aplicavam ventosas e insistiam nas injeções de terebentina, seguidas de
outras de adrenalina; era sua preocupação aliviar-lhe as dores, excluída já por
completo a possibilidade de cura.
Carlos
rezava em voz alta; as suas mãos trémulas não largavam o crucifixo.
Dos
escritos da Irmã Virgínia, Clarissa: “Sexta-feira dia 31 de março de 1922
recebi um bilhete de uma senhora, esposa do banqueiro Luís da Rocha Machado:
Irmã, peço, por amor de Deus, que peça nas suas orações ao Imaculado Coração de
Maria que obtenha do Divino coração de Jesus as melhoras na saúde de um pai de
família gravemente enfermo. Trata-se do ex-imperador de Áustria, nosso hóspede.
Confio nas suas orações. Sua afetuosa irmã no Senhor.
À
noite, ao fazer a via sacra, pedi à Santíssima Virgem que, pelas dores do seu
Imaculado coração, obtivesse do Divino Coração de Jesus as melhoras do paciente
encomendado. Rezando Completas a Santíssima Virgem me visitou e com a alma
cheia de alegria pela sua visita, disse-lhe – Mãe querida, não vos deixarei ir
até que me concedeis a graça da saúde para o ex-imperador, vosso filho e amigo…
A Santíssima Virgem me respondeu: Não, querida filha. Ele vai morrer. Essa é a
vontade de Deus em seus desígnios de amor. Jesus é o Senhor da vida e da morte.
Será o braço de Deus quem lhe dá a morte e não um braço vingador e
desconhecido. Os espiões procuram-no sem descanso. Quando compreendi a certeza
da sua morte, ofereci-me se fosse necessário para consolo da sua alma. Então a
Santíssima Virgem disse-me: Essa alma será bem-aventurada porque me tem sido
sinceramente devota. Sempre quis servir-me a amar-me.”
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