sexta-feira, 25 de março de 2022

Crónica de um santo (19)


Crónica de um santo na Madeira

19ª semana – Do batismo à santa unção

No dia do nosso batismo as portas do Paraíso abrem-se para nós e Deus Pai faz a sua declaração de amor:

- Este é o meu filho muito amado.

A partir daí cada dia, cada momento é um pequeno passo em direção à nossa pátria celeste.

Podemos constatar que toda a vida do beato Carlos foi uma celebração continuada de todos os sacramentos.

Os compromissos do batismo e do crisma nunca esquecidos, a confissão e a eucaristia sempre presentes, o matrimónio desde sempre orientado para a eternidade, o sacerdócio sempre respeitado e valorizado e a santa unção desejada e saboreada, como coroamento desse itinerário.

Ao assinalarmos nesta semana a santa unção do enfermo Carlos de Áustria, glorificamos a Deus pelas maravilhas que fez neste ilustre filho da Igreja.

Não queremos esquecer um pormenor.

O povo tem um ditado que diz: Morrendo e aprendendo. No caso da vida do beato Carlos, temos de corrigir – Morrendo e ensinando.

De facto, no leito de morte, não deixou escapar a oportunidade de dar uma lição de vida e de fé ao seu primogénito, querendo tê-lo presente junto de si “para ele aprender, enquanto católico, aquilo que terá de fazer quando chegar a sua vez.

Os santos são assim, morrendo e ensinando!

25 de março de 1922 – sábado

Solenidade da Anunciação do Senhor.

Toda a família imperial se sentia angustiada. Por causa do medo de contágio as crianças não podiam ver o pai. A mãe levou-os desta vez à cabeceira do pai, mas este estava tão pálido e com a barba por fazer que parecia um desconhecido. Alguns ficaram com medo e Roberto, que tinha seis anos, desatou a chorar.

Não passava despercebido ao Imperador o jeito especial de D. Constança de tratar as crianças. Por isso o Imperador exclamava: “que pena a Constança não ter filhos!” Na verdade, essa era um assunto que entristecia D. João de Almeida e D. Constança: estavam casados muitos anos e ainda não tinham recebido a graça de ter filhos. Mesmo muito doente o Imperador não se esqueceu do sofrimento dos seus amigos e disse-lhes que quando fosse para o Céu ia pedir a Jesus que lhes desse a graça de ter um filho. E de facto aconteceu que em setembro de 1923 nasceu-lhes um menino a quem puseram o nome de Miguel. Quando a Imperatriz soube dessa notícia ficou muito comovida, pois era a prova de que o seu marido se lembrava do que tinha prometido aos seus amigos João e Constança. Assim certamente também si iria lembrar dela, dos seus filhos e de todo o seu povo. Como sinal de gratidão ela ofereceu o vestido de batizado do Imperador Carlos aos seus amigos portugueses para usá-lo no Batismo do pequenino. D. Miguel de Almeida nunca mais se desfez dessa relíquia.

 

26 de março de 1922 – domingo

Quarto Domingo da Quaresma.

O Pe. Paul Zsamboki celebrou missa no quarto do doente.

Com o imperador doente havia doze dias, a imperatriz deslocou-se à Igreja de Nossa Senhora do Monte e participou na procissão para pedir a cura do marido na Procissão do Senhor dos Passos. A população local associou-se à sua oração pela recuperação do Imperador. Até os foguetes, que normalmente eram soltos em tal ocasião, foram suspensos para não perturbar o repouso do enfermo.

 

27 de março de 1922 – segunda-feira

Foi divulgado que piorou o estado de saúde do Imperador.

O Pe. Paul Zsamboki administrou a santa unção ao Imperador. Quando o sacerdote terminou o ofício, o imperador acrescentou: Perdoo a todos aqueles que trabalham contra mim, e continuarei a rezar e a sofrer por eles.

Otto, que ainda não tinha dez anos, ouvia estas palavras, o pai quis tê-lo presente, “para ele aprender, enquanto católico, aquilo que terá de fazer quando chegar a sua vez.

 

28 de março de 1922 – terça-feira

Foi anunciado que o ilustre enfermo continuava no mesmo estado. Os médicos que se revezavam à cabeceira do doente constatando uma dupla pneumonia, aplicaram ventosas e deram injeções de essência de terebentina.

 

29 de março de 1922 – quarta-feira

Às três da manhã, o coração deu sinais de fraqueza e o médico deu-lhe uma injeção de cafeína; uma hora mias tarde, a crise repetiu-se e a solução foi a mesma. Começaram a manifestar-se dificuldades de respiração e teve de usar máscara de oxigénio.

Foi noticiado que tinha piorado o estado de saúde do Imperador e que os seus médicos assistentes se mantinham à cabeceira do paciente.

 

30 de março de 1922 – quinta-feira

Foram divulgadas ligeiras melhoras do enfermo.

Em seu leito de enfermo, o Imperador disse à Condessa Mensdorff: “É tão bom ter fé no Sagrado Coração de Jesus! Se não fosse isso, seria impossível suportar esses sofrimentos.”

Por toda a sua vida e também durante a última doença, trouxe, debaixo do seu travesseiro, uma imagem do Sagrado Coração de Jesus. Certa vez, quando a Imperatriz quis que ele conseguisse ter um pouco do tão necessário sono, ela tirou o quadro de debaixo do travesseiro e segurou-o diante dos olhos do Imperador, dizendo-lhe que era necessário que dormisse e que, portanto, deveria pedir isso ao Senhor. O Imperador fixou os seus olhos na imagem e rezou: “Meu Amado Salvador, por favor, concedei-me dormir.” Então, pôde adormecer e repousar por três necessárias horas.

 

31 de março de 1922 – sexta-feira

No décimo sétimo dia da doença, Carlos começou a delirar.

Os médicos aplicavam ventosas e insistiam nas injeções de terebentina, seguidas de outras de adrenalina; era sua preocupação aliviar-lhe as dores, excluída já por completo a possibilidade de cura.

Carlos rezava em voz alta; as suas mãos trémulas não largavam o crucifixo.

Dos escritos da Irmã Virgínia, Clarissa: “Sexta-feira dia 31 de março de 1922 recebi um bilhete de uma senhora, esposa do banqueiro Luís da Rocha Machado: Irmã, peço, por amor de Deus, que peça nas suas orações ao Imaculado Coração de Maria que obtenha do Divino coração de Jesus as melhoras na saúde de um pai de família gravemente enfermo. Trata-se do ex-imperador de Áustria, nosso hóspede. Confio nas suas orações. Sua afetuosa irmã no Senhor.

À noite, ao fazer a via sacra, pedi à Santíssima Virgem que, pelas dores do seu Imaculado coração, obtivesse do Divino Coração de Jesus as melhoras do paciente encomendado. Rezando Completas a Santíssima Virgem me visitou e com a alma cheia de alegria pela sua visita, disse-lhe – Mãe querida, não vos deixarei ir até que me concedeis a graça da saúde para o ex-imperador, vosso filho e amigo… A Santíssima Virgem me respondeu: Não, querida filha. Ele vai morrer. Essa é a vontade de Deus em seus desígnios de amor. Jesus é o Senhor da vida e da morte. Será o braço de Deus quem lhe dá a morte e não um braço vingador e desconhecido. Os espiões procuram-no sem descanso. Quando compreendi a certeza da sua morte, ofereci-me se fosse necessário para consolo da sua alma. Então a Santíssima Virgem disse-me: Essa alma será bem-aventurada porque me tem sido sinceramente devota. Sempre quis servir-me a amar-me.

 

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