quarta-feira, 2 de junho de 2010

A Oração feita oração

O Pai Nosso de cada dia (2)

Grande é a autoridade do Pai-nosso, pois vem de Jesus Cristo. Nele pedimos o que precisamos para este mundo e para o outro, quer dizer a bem-aventurança presente e a futura. Breve é esta oração, por sete razões. Primeiro, aprende-se mais depressa, retém-se melhor na memória e ninguém poderá desculpar-se por a não saber. Além disso, por ser curta podemos rezá-la mais vezes, homem nenhum se enfadará ao rezá-la e, como é breve, mais depressa pede aquilo que ele deseja e procura. Enfim, quis o Senhor mostrar-nos, na pequenez desta prece, que não está a virtude da oração em multiplicar as palavras, mas, sim, em rezá-la com devota vontade.
Nela, chamamos Pai a Deus. E porquê? Porque o é pela natureza, pela graça e pela glória que nos dá. Diz Santo Agostinho que, no Testamento Velho, não se chama Pai a Deus. Fixemos bem: Pai! Lembrem-se disto os ricos e os de nobre linhagem, quanto ao mundo, para não se ensoberbecerem contra os ‘pobres homens e de pequena geração’, pois todos dizemos pai-nosso. Por consequência, somos todos irmãos. Não nos ensinou Cristo a dizer meu mas, sim, pai-nosso, a fim de rezar-lhe ‘por todo o corpo’ sem excepção. E não procures só o teu proveito, mas o de todos. Desta forma, expulsa Deus a desigualdade ‘das coisas’, pois em serem filhos de Deus consiste a honra do rei e do ‘homem pobre’. Nisto consiste a nossa fidalguia e nobreza!
Está o nosso Pai nos Céus. Aborreçamos, pois, esta vida presente, consideremo-nos peregrinos e alongados do nosso Pai.
E que o seu nome seja glorificado, quando olhamos para as estrelas ou contemplamos as virtudes dos outros.
Venha o seu reino para os que o ignoram e que a luz da fé os ilumine. Venha a nós o reino da graça, contra o mundo, o diabo e a carne. E venha também a nós o reino da glória. Não nos apeguemos demais às coisas presentes, nem julguemos que são grandes. As do outro mundo, sim.
Seja feita a sua vontade, mesmo dura, e apeguemo-nos à cruz.
E que Deus nos dê o pão de cada dia, quer dizer, o mantimento de que precisamos, todo o necessário para viver. Nada de coisas supérfluas! Pão nosso, diz o Senhor, e não meu, para não pensarmos que são as coisas deste mundo só para nós. Quem nega o pão dos pobres, está a comer o seu pão e o dos outros. Comamos como se por Deus mesmo nos fosse dada a comida e estivesse ele presente. O pão de hoje! E que nos baste este cuidado. Por outro lado, pode entender-se, aqui, o pão ‘sacramental e o vinho’ da eucaristia, pão sobressubstancial, acima de todas as criaturas e destinado à alma. Dele ‘havemos cada dia mester para nos esforçar’. E pão quotidiano, porquê? Porque os sacerdotes recebem este sacramento por si e ‘por toda a comunidade’. Há também o pão da doutrina, o pão das lágrimas e o pão celestial ou da glória eterna.
E perdoemos! Como diz Séneca, deves perdoar sempre aos outros e nunca a ti mesmo.
Quanto à tentação, não a pedimos a Deus mas, sim, que nos livre de cair nela.
Ámen é a palavra que deriva do hebraico, diz ainda a Vita Christi, e não ‘ousou de a interpretar e declarar algum interpretador grego nem latino, por reverência do Salvador’.

(Cf. Ludolfo d Saxónia, Vita Christi, Lisboa, 1495)

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