Este foi um grande dia e um dia grande.
"No dia 17 de janeiro de 1947, pelas oito horas da manhã, avistámos a esplêndida terá da Madeira. Levantei-me restabelecido do enjoo, agarrei-me ao peitoril do tombadilho a olhar para aquele cenário de fadas. Era a minha linda Madeira: a terra sonhada tantas vezes, mas nunca imaginada tão bela! Tínhamos chegado!" (Memórias do Pe. Gastão Canova)
"Muito
antes da primeira claridade do dia 17 de janeiro, já eu estava de pé,
pois tinham anunciado a chegada ao Funchal logo para a manhã cedo. Rezei as
orações da manhã, fiz a meditação, recitei o Breviário e… esperei, olhando para
o horizonte na minha frente. Mas nada aparecia! Finalmente, no lado poente, lá
ao longe, aparecia uma luzinha.
- É
a Madeira? – perguntei a um marujo.
-
Não! É o farol do Porto Santo. Daqui a duas horas estaremos na Madeira!
O mar
estava calmo, o céu sereno. A oriente, aparecia uma claridade suave
preanunciando a chegada do astro, enquanto, lá no alto, as estrelas
desapareciam. Aos poucos, na superfície do oceano, viam-se reflexos dourados…
brilhantes. Depois, quase improvisamente, uma meia lua surgia das ondas… Foi
crescendo… tornando-se redondo…transformando-se em esplendor. Era o sol!
Eu
não era poeta, mas naqueles instantes até me veio à mente a exclamação de um
poeta: C’est lui! C’est la vie!
-
Ainda um pouco e estaremos na Madeira! – disse comigo.
Apareceu
o farol de São Lourenço que depois de uma longa meia hora, o dobrámos e
entrámos no mar da Madeira.
Agora,
já muita gente estava na a murada do lado poente do navio a contemplar a costa
madeirense. Eis Machico, a primeira baía visitada pelos descobridores…. Eis
Santa Cruz! Eis as Lombadas de Gaula e as encostas do Caniço! Todos os olhos
descansavam na visão verde das bananeiras, dos ‘poios’ de batata doce, dos
bosques de pinheiros e eucaliptos lá ao alto!
Passámos
um cabo, um rochão escuro e a pique sobre o mar e eis a baía do Funchal, com o
seu casario em anfiteatro subindo do mar até aos bosques da serra, espraiando.se
de São Gonçalo a São Martinho.
Mas
não fiquei muito tempo extasiado na contemplação.
-
Vamos! Vamos buscar as nossas malas! – disse-me o Pe. Canova que viera até mim
e observava a movimentação dos barquinhos que já rodeavam o ‘Carvalho Araújo’. Aí
estavam os garotos que acenavam e gritavam, numa mistura de vozes: Senhor!
Mister, Madame! Money… Money, uma moeda! E mergulhavam, de cabeça para baixo,
para apanharem, debaixo de água, a moeda atirada lá de cima.
Com as malas perto de nós, encostámo-nos à amurada de levante, à espera da possibilidade de descer, eram cerca das 10 horas. Avistámos dois eclesiásticos, que deviam estar à nossa espera porque acenavam e faziam sinais. Respondemos, incertos entre o sim e o não, Mas logo que baixaram a escada e nós descemos, vieram ao nosso encontro e nos cumprimentaram e ajudaram a levar as malas para a Alfândega. Um era o Sr. Pe. Laurindo Leal Pestana e o outro era, o então seminarista, Agostinho Jardim Gonçalves. Pouco depois, subimos para um carro descoberto que nos levou diretamente par a residência do Sr. Bispo. Sua Excia. Revma. O Sr. D. António Manuel Pereira Ribeiro acolheu-nos efusivamente, apesar do ser porte cheio de dignidade e gravidade: Sede bem-vindos! É o Senhor que vos traz! E a viagem foi Boa? Mas devem estar cansados – disse-nos. Depois virando-se para o Sr. Pe. Laurindo: Talvez desejem também rezar a Missa e já passa das onze. Leve-os para a sua casa e nos veremos ainda esta tarde.
Fomos, sempre de carro descoberto, para a Igreja de Nossa senhora do Socorro (ou de Santa Maria Maior) residência do Sr. Pe. Laurindo. Descansámos por alguns momentos, celebrámos a nossa Missa em agradecimento a deus pela feliz chegada à Madeira, destino da nossa viagem. À celebração da missa seguiu-se o almoço... um almoço de festa. Lembro-me sempre que o nosso anfitrião abriu uma garrafa de vinho Madeira de 1847. Cem anos a festejar a nossa vinda. Que honra! pensámos nós.
Pela
tardinha, depois de descansarmos um pouco, o Sr. Pe. Laurindo levou-nos
novamente à casa do Sr. Bispo. O Sr. D. António falou-nos da correspondência
com Roma e com o Cardeal D. Teodósio de Gouveia. Disse-nos que era com gosto
que nos recebia na sua Diocese e concluiu dizendo que, por enquanto, ficaríamos
al9jados na Escola de Artes e Ofícios do Sr. Pe. Laurindo; depois se veria.
Saídos
da casa do sr. Bispo, o mesmo Pe. Laurindo nos levou de carro à sua Escola de
Artes e Ofícios, a meia encosta do anfiteatro do Funchal. Ficámos
impressionados e receosos quando o carro subia aquelas ruelas ‘empinadas’… mas
tudo passou quando chegámos, acolhidos por todos os alunos, com gritaria, salva
da palmas e banda de música a tocar…
Fomos
levados para uma pequena casa na quinta. Lá encontrámos dois quartinhos,
simples e pobres, que nos eram destinados. Depositámos as nossas coisitas e estávamos
tricando as nossas impressões e descansando um pouco, sentados na beira da
cama, quando nos vieram buscar para o janar de festa. A seguir houve
entretenimento com música, poesias, bailinhos e cantos. Lembro ainda com
saudade uma dessas canções: Oh! A minha casinha.
Já
noite, fomos saborear uma cama que não baloiçava, consolados e bem
impressionados com o bom acolhimento e a festa. Só mais tarde é que viemos a
saber que toda aquela festa era para celebrar o aniversário do sr. Pe. Laurindo,
que coincidiu com a nossa chegada. E nós a pensarmos que a festa era para nós!" (Memórias do Pe. Ângelo Colombo)
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