terça-feira, 19 de julho de 2016

As obras de misericórdia de Caravaggio





















Obras de misericórdia de Caravaggio

1) O PROJETO
Sete jovens nobres fundaram em 1601 a Irmandade Pio Monte della Misericórdia para assistirem melhor aos mais pobres de Nápoles.
Encomendaram então ao grande pintor Michelangelo Caravaggio 7 quadros, um para cada obra de misericórdia corporal.
O artista pintou todas as obras numa só tela, com quase 4 metros de altura e mais de 2 de largura, em menos de 4 meses. O quadro encontra-se ainda hoje no altar da Igreja Pio Monte della Misericordia em Nápoles.

2) O AUTOR/PINTOR
Michelangelo Merisi nasceu em 1571 em Caravaggio, norte de Itália. De temperamento conflituoso teve vários confrontos com a polícia. Morreu aos 38 anos em circunstâncias estranhas a caminho de Roma.
Talentoso, com uma técnica apurada, pintava diretamente sobre as telas sem esboços preliminares. Usava contraste entre luzes e sombras para transmitir maior realismo.
As suas pinturas mais famosas são: A vocação de São Mateus e o Martírio de São Mateus, A crucifixão de São Pedro, A Conversão de São Paulo…
Tinha o hábito de retratar as cenas com mendigos comuns: os seus santos são camponeses, os seus anjos assemelham-se às crianças da rua. Trazia os homens e mulheres comuns para dentro das suas pinturas e tornava-os sagrados.

3) AS OBRAS
1. Dar de comer a quem tem fome
Dar de comer a quem tem fome, do lado direito da tela, está retratada juntamente com a de visitar os presos. A cena foi retirada do livro Factorum et dictorum memorabilium, de Valério Máximo. Cimone estava condenado a morrer à fome na prisão, mas foi alimentado pela filha Pero, que lhe dava leite do seu próprio peito (desviando o seu olhar, em gesto de pudor). Em atenção a isso, os magistrados perdoaram-lhe a pena e ergueram no local um templo dedicado à deusa Misericórdia.

2. Dar de beber a quem tem sede
É retratada a meio da faixa esquerda da tela, no homem que bebe água servindo-se de uma mandíbula de burro. Esta cena evoca o episódio bíblico em que Sansão, depois de derrotar os filisteus lutando com uma queixada de jumento, bebe água no deserto graças a um milagre do Senhor.

3. Vestir os nus
Vestir os nus surge à frente, do lado esquerdo. Caravaggio usa a figura de um jovem cavaleiro, que representa São Martinho de Tours a dar de presente o seu manto ao homem nu.

4. Dar pousada aos peregrinos
Dar pousada aos peregrinos é sintetizada em duas figuras na faixa esquerda da tela: um estalajadeiro de pé aponta para o lugar de acolhimento a outro homem com bordão na mão e que ostenta uma concha no chapéu, símbolo do peregrino de Santiago de Compostela.

5. Assistir aos enfermos
À esquerda do homem nu está um paralítico ou aleijado, também associado a São Martinho, em cuja biografia se refere a prática de visitar os doentes.

6. Visitar os presos
É representada juntamente com a de dar de comer a quem tem fome, do lado direito da tela. É sugerida pelas grades da janela e pela história de Cimone.

7. Enterrar os mortos
Enterrar os mortos está retratada ao fundo, à direita, com o transporte de um cadáver de quem se vê apenas os pés. Um diácono segura uma tocha, símbolo da Luz Eterna.

Na parte superior da tela a figura de Maria com Jesus ao colo. O seu manto desce em direção aos homens socorridos. O Menino regozija-se ao contemplar tais obras.
Os anjos à sua volta simbolizam a Graça divina que inspira as obras de misericórdia. A sua sombra projetada na parede indica que tudo isto é algo concreto, que tem uma aplicação terrena. (cf. além-mar, julho/agosto 2016).

4) AS LIÇÕES
- O quadro dá-nos uma unidade de todas as obras de misericórdia. Estão agrupadas em grupos de personagens e como se fizessem parte da mesma ação.
- Sugere-nos que elas são algo de concreto, histórico até, com referências históricas e culturais.
- Não é preciso ir para longe para exercer alguma destas obras, pois estão todas ali ao pé de nós, às vezes na nossa própria família.
- Os obreiros da misericórdia são universais: um jovem nobre, um diácono, uma jovem mulher, um estalajadeiro, um anónimo. Ninguém está dispensado de exercer, independentemente da sua raça, cor, vocação ou condição social.
- Da maior parte dos socorridos não se vê o rosto, pois devemos fazer o bem sem olhar a quem.
- Parece haver duas fontes de misericórdia: a fonte humana e a fonte divina. Os anjos inspiram e espalham o manto da Mãe de Misericórdia sobre a terra, unindo a misericórdia divina à humana e vice-versa.
- Os anjos estão abraçados: a misericórdia na terra é o reflexo da misericórdia celeste, ou a união na terra é a antecipação da reunião no céu.
- A Mãe olha para o Menino como se estivesse a recordar o que guardou no seu coração: tudo o que fazeis ao mais pobre e pequenino, fazeis a Jesus.
- O Menino delicia-se, sorri, rejubila ao contemplar tanta misericórdia: Eu quero misericórdia e não sacrifício… Há mais alegria no céu…
- No alto está o sol a pôr-se por detrás das montanhas. Recorda assim que no fim da nossa caminhada seremos julgados pelas obras de misericórdia que fizemos ou deixámos de fazer ao longo da vida.
- Em todo o quadro sobressai a cor amarela: As obras de Misericórdia são a regra de ouro da comunidade cristã.
- O reflexo das personagens celestes na parede da cela quer dizer que o céu desce à terra, Deus continua a visitar o seu povo através das obras de misericórdia. Não é imaginação, mas algo real, concreto, que até deixa rasto.



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