Obras
de misericórdia de Caravaggio
1) O PROJETO
Sete
jovens nobres fundaram em 1601 a Irmandade Pio Monte della Misericórdia para
assistirem melhor aos mais pobres de Nápoles.
Encomendaram
então ao grande pintor Michelangelo Caravaggio 7 quadros, um para cada obra de
misericórdia corporal.
O
artista pintou todas as obras numa só tela, com quase 4 metros de altura e mais
de 2 de largura, em menos de 4 meses. O quadro encontra-se ainda hoje no altar
da Igreja Pio Monte della Misericordia em Nápoles.
2) O AUTOR/PINTOR
Michelangelo
Merisi nasceu em 1571 em Caravaggio, norte de Itália. De temperamento
conflituoso teve vários confrontos com a polícia. Morreu aos 38 anos em
circunstâncias estranhas a caminho de Roma.
Talentoso,
com uma técnica apurada, pintava diretamente sobre as telas sem esboços
preliminares. Usava contraste entre luzes e sombras para transmitir maior
realismo.
As
suas pinturas mais famosas são: A vocação de São Mateus e o Martírio de São
Mateus, A crucifixão de São Pedro, A Conversão de São Paulo…
Tinha
o hábito de retratar as cenas com mendigos comuns: os seus santos são
camponeses, os seus anjos assemelham-se às crianças da rua. Trazia os homens e
mulheres comuns para dentro das suas pinturas e tornava-os sagrados.
3) AS OBRAS
1. Dar de comer a quem
tem fome
Dar
de comer a quem tem fome, do lado direito da tela, está retratada juntamente
com a de visitar os presos. A cena foi retirada do livro Factorum et dictorum memorabilium, de Valério Máximo. Cimone estava
condenado a morrer à fome na prisão, mas foi alimentado pela filha Pero, que
lhe dava leite do seu próprio peito (desviando o seu olhar, em gesto de pudor). Em atenção a isso, os magistrados
perdoaram-lhe a pena e ergueram no local um templo dedicado à deusa
Misericórdia.
2. Dar de beber a quem
tem sede
É
retratada a meio da faixa esquerda da tela, no homem que bebe água servindo-se
de uma mandíbula de burro. Esta cena evoca o episódio bíblico em que Sansão,
depois de derrotar os filisteus lutando com uma queixada de jumento, bebe água
no deserto graças a um milagre do Senhor.
3. Vestir os nus
Vestir
os nus surge à frente, do lado esquerdo. Caravaggio usa a figura de um jovem
cavaleiro, que representa São Martinho de Tours a dar de presente o seu manto
ao homem nu.
4. Dar pousada aos
peregrinos
Dar
pousada aos peregrinos é sintetizada em duas figuras na faixa esquerda da tela:
um estalajadeiro de pé aponta para o lugar de acolhimento a outro homem com
bordão na mão e que ostenta uma concha no chapéu, símbolo do peregrino de
Santiago de Compostela.
5. Assistir aos
enfermos
À
esquerda do homem nu está um paralítico ou aleijado, também associado a São
Martinho, em cuja biografia se refere a prática de visitar os doentes.
6. Visitar os presos
É
representada juntamente com a de dar de comer a quem tem fome, do lado direito
da tela. É sugerida pelas grades da janela e pela história de Cimone.
7. Enterrar os mortos
Enterrar
os mortos está retratada ao fundo, à direita, com o transporte de um cadáver de
quem se vê apenas os pés. Um diácono segura uma tocha, símbolo da Luz Eterna.
Na
parte superior da tela a figura de Maria
com Jesus ao colo. O seu manto desce em direção aos homens socorridos. O Menino regozija-se ao contemplar tais
obras.
Os
anjos à sua volta simbolizam a Graça
divina que inspira as obras de misericórdia. A sua sombra projetada na parede
indica que tudo isto é algo concreto, que tem uma aplicação terrena. (cf.
além-mar, julho/agosto 2016).
4) AS LIÇÕES
-
O quadro dá-nos uma unidade de todas as obras de misericórdia. Estão agrupadas
em grupos de personagens e como se fizessem parte da mesma ação.
-
Sugere-nos que elas são algo de concreto, histórico até, com referências
históricas e culturais.
-
Não é preciso ir para longe para exercer alguma destas obras, pois estão todas
ali ao pé de nós, às vezes na nossa própria família.
-
Os obreiros da misericórdia são universais: um jovem nobre, um diácono, uma
jovem mulher, um estalajadeiro, um anónimo. Ninguém está dispensado de exercer,
independentemente da sua raça, cor, vocação ou condição social.
-
Da maior parte dos socorridos não se vê o rosto, pois devemos fazer o bem sem
olhar a quem.
-
Parece haver duas fontes de misericórdia: a fonte humana e a fonte divina. Os
anjos inspiram e espalham o manto da Mãe de Misericórdia sobre a terra, unindo
a misericórdia divina à humana e vice-versa.
-
Os anjos estão abraçados: a misericórdia na terra é o reflexo da misericórdia
celeste, ou a união na terra é a antecipação da reunião no céu.
-
A Mãe olha para o Menino como se estivesse a recordar o que guardou no seu
coração: tudo o que fazeis ao mais pobre e pequenino, fazeis a Jesus.
-
O Menino delicia-se, sorri, rejubila ao contemplar tanta misericórdia: Eu quero
misericórdia e não sacrifício… Há mais alegria no céu…
-
No alto está o sol a pôr-se por detrás das montanhas. Recorda assim que no fim
da nossa caminhada seremos julgados pelas obras de misericórdia que fizemos ou
deixámos de fazer ao longo da vida.
-
Em todo o quadro sobressai a cor amarela: As obras de Misericórdia são a regra
de ouro da comunidade cristã.
-
O reflexo das personagens celestes na parede da cela quer dizer que o céu desce
à terra, Deus continua a visitar o seu povo através das obras de misericórdia.
Não é imaginação, mas algo real, concreto, que até deixa rasto.
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