quarta-feira, 25 de julho de 2012

Santiago


O Caminho de Santiago

Após a dispersão dos Apóstolos, Santiago foi pregar em regiões longínquas, passando algum tempo em Espanha, na Galiza. Quando voltou à Palestina, no ano 44, foi preso e decapitado. Dois discípulos, Teodoro e Atanásio, roubaram o corpo do mestre, embarcaram e em sete dias chegaram à Galiza e a Iria Flávia onde o sepultaram, secretamente, num bosque de nome Libredón.
Não há certezas quanto à data da descoberta do sepulcro apostólico, mas a maioria das fontes católicas apontam datas entre 813 e 820. Um ermitão do bosque de Libredón, de nome Pelágio observou durante algumas noites seguidas uma “chuva de estrelas” sobre um monte do bosque. Avisado das luzes, o bispo de Iria Flávia, Teodomiro, ordenou escavações e encontrou uma arca de mármore com os ossos do santo.
No “Campus Stellae” – de onde se crê provir a palavra Compostela – foi erigida uma capela para proteger a tumba do apóstolo que se tornou um símbolo da resistência cristã aos ataques dos mouros. A partir do ano 1000 as peregrinações a Santiago popularizam-se, tornando-se a cidade num dos principais centros de peregrinação cristã (a par de Roma e Jerusalém).
No século XII é publicado o primeiro guia do peregrino (do Caminho Francês) – o Códice Calixtino (ou Liber Sancti Jacobi) atribuído ao Papa Calixto II, que proclama ainda que quando o dia do Santo (25 de Julho) é num Domingo, esse é um Ano Santo Jacobeu (com especiais bênçãos e privilégios espirituais para os peregrinos). Grupos de peregrinos começam a chegar de toda a Europa, desenvolvendo as cidades por onde passam, sendo o Caminho Francês o mais utilizado.
O Caminho de Santiago, tal como relatado no Códice Calixtino, é em terra o desenho da Via Láctea, porque esta rota se situa directamente sob a Via Láctea que indica a direcção de Santiago, servindo assim, na Idade Média, de orientação durante a noite aos peregrinos. Esta associação deu ao Caminho o nome de Caminho das Estrelas e fez com que a chuva de estrelas seja um dos símbolos do culto Jacobeu, juntamente com a Vieira, a Cabaça e o Bordão.


As vieiras dos peregrinos de Compostela

Na idade Média e muito depois, assistimos a uma larga invasão de conchas santiaguesas, não só no mundo dos peregrinos mas também nos domínios da literatura e da arte.
Os romeiros compravam pequenas estatuetas de azeviche, com um Santiago, de vieira na aba revirada do chapéu. De azeviche ou não estas imagens invadiram a Europa levando consigo a concha simbólica dos peregrinos compostelanos.
A referência mais antiga que se conhece vem do Liber Sancti Jacobi, da primeira metade do século XII:
Assim como os peregrinos da Terra Santa trazem consigo uma palma, assim os romeiros de Compostela levam conchas… e que as cosem alegremente nas capas, em memória de Santiago.
Explicação mística: A concha santiaguesa significa a boa obra, isto é, amar a Deus e ao próximo, pois a vieira tem duas partes (trata-se da interpretação mística arbitrária e parcial dum facto existente e não da sua causa).
Os peregrinos de Compostela levam consigo as vieiras santiaguesas, trazendo-as depois pela vida fora. Talvez a vieira não passasse dum distintivo documental dos que iam a Compostela, distintivo esse a que se foi ligando a ideia de privilégios sobrenaturais, Porquê a vieira e não outra coisa? A proximidade do mar sugere uma explicação de índole geográfica. A concha era um distintivo dos peregrinos que desembarcavam na costa da Galiza.
E podemos admitir a primitiva utilização prática dalgumas conchas maiores para beber água nas fontes.
Mais tarde: Milagre das conchas, citado por António Lopez Ferreiro, século XIII:
Um cavaleiro viajando pelas costas de Portugal até à Galiza, precipitou-se com o cavalo num abismo para o mar. Estando a perecer invocou Santiago. O Apóstolo tirou-o da água todo coberto de conchas que o faziam flutuar, salvando-se assim.
Assim nasceu uma explicação histórica e mística para as conchas dos peregrinos santiagueses, explicação em forma de profecia: Deus quis mostrar, aos contemporâneos e aos vindouros que os peregrinos devem trazer consigo tais conchas como aquelas que o cavaleiro foi aconchegado. Elas são o selo do privilégio dos súbditos de Santiago e por elas os reconhecerá Deus no dia do grande Juízo.
(Também os peregrinos eram sepultados com as conchas, mesmo anos depois,,, tal como os outros se enterravam com o hábito franciscano, pois Deus teria piedade deles, ao ver que tinham ido em romaria ao grande santuário da Galiza.
A Idade Média tinha o sentido sacramental das coisas. Podiam as vieiras, no começo não passar duma simples recordação sentimental de romaria longínqua a um santuário nos confins da Europa. Com o correr dos anos, ganharam significado religioso, tornando-se fonte e garantia de graças sobrenaturais, uma espécie de salvo-conduto para o dia do Juízo Final.
Realizava-se deste modo um certo equilíbrio psíquico. Se muitos perigos ameaçavam o homem, muitos eram também os meios de defesa contra eles – e os peregrinos de Compostela podiam marchar e morrer em paz. As vieiras obtinham para eles a misericórdia, pois este o reconheceria por devotos de Santiago.

(MÁRIO MARTINS, in As vieira dos Peregrinos de Compostela, Brotéria, Vol LXXVI, Fevereiro nº 2, pagina 164-174)



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