sexta-feira, 20 de julho de 2012

Acerca das Letras (IV)


IV

            A fé é ainda a luz e a chave da história. A história do mundo, é a história da acção providencial de DEUS sobre a terra. Só este verdadeiro ponto de vista torna grandes os historiadores. Mais especialmente a história do mundo é a história de CRISTO, Cristo anunciado, Cristo revelado, Cristo lutando e reinando. Fora desta luz, todo o historiador é pequeno e todo o ensino da história é miserável.
            Vós podereis encontrar agradáveis descrições, investigações exactas, cronologia, factos, episódios, mas não encontrareis a história.
            A história não se compreende senão através de CRISTO. Só tem sentido quando converge toda para Ele; sem Ele, que é a marcha das nações através dos séculos? Uma confusão de povos que se empurram no espaço e no tempo, por caminhos sem saída e sem luz.
            O povo hebreu anuncia e prepara o Messias.
            Os grandes impérios levam o mundo à unidade e centralizem-no em Roma sua capital, para facilitar a fundação e o triunfo da Igreja. A vida dos povos modernos, é a luta de CRISTO contra os seus inimigos. O Pai prometeu-Lhe as nações. CRISTO conquista-as uma a uma.
            Por vezes perde-as parcialmente, mas é para fazer brilhar a sua glória com uma nova conquista.
            Isto é a história. A sua luz é CRISTO, o calvário e Roma são os seus cumes.
            Agora, dizei-me, que grandeza e que verdade podem ter os ensinamentos de mestres de história que não têm profundamente o sentido cristão?
            A antiguidade pagã teve historiadores gloriosos. Mas em quantos aspectos estes génios da história pagã foram pequenos e imperfeitos!
            Santo Agostinho na Cidade de Deus, Salvien no seu Governo Divino, e Sulpício Severo na sua História, tinham preparado o caminho ao herói da história cristã, o nosso Bossuet.
            Bossuet é o tipo mais perfeito do historiador. Não basta dizer que deu à sua história o brilho da política como Tucídides, da moral como Xenofonte, da eloquência como Tito-Lívio, da pintura dos caracteres como Tácito. Toda a sua glória vem da elevação das suas vistas, que parece ter tanto de inspiração como de fé.
            Lamentavelmente os mais eminentes escritores da restauração cristã, no século XIX, não voltaram os seus esforços intelectuais para o campo da história.
            Chateaubriand e José de Maistre, foram os únicos que mostraram através de alguns breves trabalhos, que eram da grande escola histórica cujo brilhante mestre foi Bossuet.
            Eles foram no entanto seguidos mais tarde por Montalembert, Ozanan, de Broglie, e todo um período de historiadores e hagiógrafos que honraram a Igreja.
            Numa página admirável, Chateaubriand dá-nos ao mesmo tempo a norma e o modelo de como escrever a história.
            “Coloquemos pois, diz ele, a eternidade como fundo da história dos tempos; relacionemos tudo com Deus, como causa universal. Exalte-se quanto se quiser aquele que, deslindando os segredos dos nossos corações, faz surgir os maiores acontecimentos das fontes mais miseráveis: DEUS atento aos reinos dos homens; a impiedade, isto é a ausência das virtudes morais, como razão imediata das desgraças de todos os homens. Tal é, segundo o que nos parece, uma história muito mais nobre e também muito mais correcta do que a primeira.
            E para nos mostrar um exemplo na nossa Revolução, digam-nos se foram causas normais as que, com o decurso de alguns anos, desnaturalizaram os nossos afectos e afectaram entre nós a simplicidade e a grandeza peculiares do coração do cristão. Tendo-se retirado o espírito de DEUS do meio do povo, só resta força da queda original, que retomou o seu domínio, como no dia de Caim e da sua raça. Quem quisesse ser razoável sentia em si alguma impotência para o bem. A bandeira vermelha flutua nas muralhas das cidades, a guerra é declarada às nações: cumprem-se então as palavras do Profeta: “Os ossos dos reis de Judá, os ossos dos sacerdotes, os ossos dos habitantes de Jerusalém serão retirados da sua sepultura.” Réu contra os soberanos, calca-se aos pés as instituições antigas; réu contra as esperanças, nada se funda para a posteridade!...
            Enquanto este espírito de perda devora interiormente a França, um espírito de salvação defende-a a partir de fora. Ela só tem prudência e grandeza nas suas fronteiras: no interior tudo é arrasado, no exterior tudo triunfa. A pátria já não está nos seus lares, ela está num campo do Reno como na época da raça Merovíngia.
            Uma semelhante combinação de coisas não tem princípio natural nos acontecimentos humanos. O escritor religioso pode só descobrir aqui um profundo desígnio do Altíssimo; se as potências coligadas quisessem somente deter as violências da Revolução e deixar depois a França reparar os seus males e os seus erros, talvez tivessem conseguido. Mas DEUS viu a iniquidade dos acontecimentos, e disse ao soldado estrangeiro: “Quebrarei a espada na tua mão e tu não destruirás o povo de São Luís.”
            Assim a religião conduz à explicação dos factos mais incompreensíveis da história.
            Depois destas páginas é-me permitido ainda exclamar: “Em história, o cristianismo não é cegueira, é altura e extensão do olhar.”
            Mas detive-me a tratar uma questão muito vasta e muito geral, e nada disse acerca da nossa obra em particular, do seu passado tão curto e do seu futuro cheio de esperanças.
            Ainda não dirigi à distância um testemunho de gratidão e de filial devoção ao nosso Bispo e não agradeci ao Monsenhor Arcipreste seu delegado, cuja solicitude pela nossa obra é contínua. Não vos tranquilizei acerca da perpetuidade da obra e do seu desenvolvimento.
            Mas tenho eu necessidade de me alongar sobre este ponto? Não envio eu hoje mesmo pelo nosso departamento uma centena de mensageiros fiéis e abnegados que vão contar o que viram e ouviram, a entrega do superior e dos professores à sua obra, os esforços realizados, os projectos preparados e as esperanças comuns?
            Deixo-lhes o cuidado de colmatar nas confidências íntimas do lar paterno esta segunda parte da minha tarefa. Eles o conseguirão com a eloquência que a alegria resultante dum ano bem cheio e o afecto que dedicaram aos seus mestres.

           




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