ACERCA DA EDUCAÇÃO CRISTÃ
Seu objectivo – Seus instrumentos – Seu método – Seus
frutos[1]
SENHORES,
Apresentamo-nos diante de vós como
homens de educação. Estamos plenamente conscientes da importância da obra que
empreendemos. Compreendemos toda a nossa responsabilidade perante os pais e as
mães de família que nos confiaram o que têm de mais querido, perante a
socade para a qual iremos formar alguns membros escolhidos, perante Deus que
tanto ama a infância e quer que se a trate com um soberano respeito.
Esta importância da educação é, de
resto, uma verdade de senso comum. O céu proclamou-a através da Sagrada
Escritura, e todos os ecos da terra a repetiram.
“É proverbial, dizia Salomão, que o
homem siga durante toda a sua vida o caminho da sua juventude”.[2]
Platão dizia: “os inícios estão tudo
numa natureza jovem e tenra, em que todas as partes guardam a marca que se lhes
dá”.[3]
E Leibnitz: “Sempre pensei que se
reformaria o género humano, se se reformasse a educação”.[4]
Basta citar estes dois filósofos entre
mil.
As questões da educação apaixonaram
todas as gerações. Sempre exerceram sobre os espíritos uma atracção
irresistível. Não existe pensador que não tenha exposto os seus pontos de vista
sobre a educação. Os filósofos viram-na como meio de moralização, os políticos
como meio de influência. Todos os legisladores procuraram organizá-la e
dirigi-la. Não existe matéria que tenha sido tratada por tão grande número de
escritores.[5]
Esperais de nós a nossa profissão de fé
sobre a educação e o ideal que nos propusemos, sobre os seus instrumentos,
sobre o método que preferimos, sobre os frutos que esperamos; vamos expô-los
com lealdade.
I
Em que consiste então esta obra
importante da educação e qual o seu objectivo?
Um homem do mundo, daqueles que vivem
fora do nosso contexto cristão e que não levanta muito alto os seus olhares,
poderia responder-me: “A educação, é a aquisição de conhecimentos requeridos
para submeter-se com sucesso a um exame, para abraçar uma carreira profissional
e alcançar reputação de homem instruído. É ainda a formação para a urbanidade,
para aquilo que é de bom tom, de boas maneiras, em tudo o que é preciso, numa
palavra, para percorrer o seu caminho neste mundo”.
Tudo isso é bom, mas será tudo?
Eis agora aqui o pensamento cristão,
através da linguagem elevada e poética de um dos bispos mais eloquentes deste
século.[6]
“Todo o cristão baptizado é uma flor
divina, ou antes é um deus em flor; cada um dos seus actos deve ser um passo em
direcção à maturidade, à idade perfeita, à grandeza e estatura divina.
Filhos do baptismo, da primeira
comunhão, a Igreja vossa Mãe sugeriu-vos imensas aspirações, mostrou-vos a
vossa natureza divina, inspirou-vos ódios sagrados contra o mal, contra a
paixão, contra o demónio.
Não é um verdadeiro cristão
eminentemente superior a um homem que apenas seja rei? Não deve ter uma alma
maior, praticar as mais nobres acções, cingir uma coroa mais bela? Instruí-o
desde a mais tenra infância, ou fazei-o instruir, cada dia, acerca da grandeza
dos seus destinos. Acautelai-vos de deixar cair por terra o seu pensamento e os
seus desejos. Revesti-o destas virtudes evangélicas que serão o seu manto de
glória. Isto não é educação de um rei, é uma educação divina que se impõe para
elevar a toda a sua altura quem deve ser um émulo de Deus no caminho da
perfeição e seu comensal no banquete da eterna felicidade.”
Digamos estas grandes coisas de maneira
mais simples.
No fundo de todo o sistema de educação,
há um pensamento dominante e essencial, um objectivo, um ideal. Esse objectivo
está sempre relacionado com as doutrinas políticas e religiosas do filósofo que
concebe tal sistema de educação, ou da sociedade que o institui. O rumo
impresso à educação depende particularmente da ideia que se tem acerca do homem
perfeito. A imensa superioridade da educação cristã sobre qualquer outra vem do
facto que ela considera a perfeição total e sobrenatural do homem nesta vida e
na outra como seu fim e seu ideal.
Platão, entre os gregos, tinha vislumbrado este nobre
objectivo. Ele deu da educação a mais bela definição: “eu chamo educação, dizia
ele, aquilo que dá ao corpo e à alma toda a beleza e toda a perfeição de que
são capazes”.[7] E nesta perfeição da alma,
ele não tinha em vista apenas a vida presente. “É uma loucura, para uma
criatura mortal, diz ele noutro lado falando ainda da educação, preocupar-se
mais com esta breve existência que com a eternidade”.[8] Mas
estas perspectivas elevadas de Platão foram excepcionais e mantiveram-se um
ideal sem realidade.
Para melhor compreender o ideal cristão
e o realçar, procuremos na história o que ela nos oferece fora dele.
Existiu o ideal dos povos primitivos,
como o de Esparta, o de Roma antes das guerras púnicas. Para esses povos, o
homem perfeito é o soldado valoroso, resistente à fadiga, dócil à disciplina. A
educação, para eles, reduzia-se quase ao desenvolvimento das forças físicas e
do domínio do corpo.
Existiu o ideal político. É o dos
poderes estabelecidos pela força. Era o da convenção de 1792. A política tornou-se
então a preocupação quase exclusiva dos organizadores da educação nacional.
Tudo o resto – religião, delicadeza de costumes, cultura do espírito, nobreza
do coração – encontra-se absolutamente menosprezado e relegado para segundo
plano. O homem parece não passar de um animal político, que veio ao mundo só
para conhecer, amar e servir a Constituição. A Declaração dos direitos do homem
era já, para Talleyrand, o catecismo da infância.[9] Para
Lepelletier de Saint-Fargeau, Barrère, Danton, e para a Convenção que os
aprova, a família deve abdicar dos seus direitos frente ao Estado. As crianças
pertencem à grande família social, antes de pertencer à sua família privada.[10]
Sobre esta base ergueram-se sistemas
que gostaremos de reler, que mais não seja a título de passatempo. Propunha-se,
por exemplo, a educação comum de todas as crianças fora da sua família, a
partir da idade dos 5 anos, educação limitada aos conhecimentos elementares e
confundida com a aprendizagem profissional, sem distinção de sexo, e até mesmo
com vestuário idêntico.[11]
Não é este, pensais bem, o nosso ideal.
O ideal político não foi estranho nem
sequer à primeira organização da Universidade com o seu monopólio exclusivo,
durante o Consulado e o Império. Há ainda o ideal utilitário. É o de uma
numerosa escola britânica contemporânea, a dos positivistas na França. Todo o
desenvolvimento da pessoa humana reduz-se para eles à actividade física e
industrial. O homem não é senão um ser material. A alma, a moral, a cultura
intelectual, a religião, estão fora de questão.
Existe, por fim, o ideal que chamarei
crítico, ou da arte pela arte. É o de um grande número de membros do ensino
oficial do nosso tempo. Cultivam as letras e a filosofia, mas não têm o culto
senão o da forma na literatura e na arte. Rejeitam todo o princípio religioso.
Para eles, Deus não passa de uma ideia e todas as religiões são evoluções
progressivas do espírito humano.
Somente o ideal cristão abarca todos os
elementos da perfeição humana.
A educação cristã não negligencia o que
importa ao desenvolvimento físico. Preocupa-se com a higiene e com os
exercícios do corpo. Considera as letras e as ciências como necessárias para
desenvolver as faculdades mais essenciais do espírito. Ela forma o raciocínio
por meio da filosofia e da história, o gosto por meio do conhecimento dos
modelos da literatura e da arte, a vontade e o coração por meio da religião, os
costumes e o carácter por meio de comportamentos delicados em uso na melhor
sociedade.
Educar um cristão, não é somente
dar-lhe noções de ciência humana que o ajudarão a alcançar uma posição na vida.
Não é somente ensinar-lhe boas maneiras, dar-lhe uma ciência profunda e fazer
dele um homem que possa e queira integrar-se em todos os progressos do génio
humano. É também e antes de tudo formar nele um nobre e grande carácter,
costumes impolutos, virtudes vigorosas. É fazer crescer na sua alma a fé que
abre à compreensão do mundo invisível, a esperança que fortalece o coração
através da perspectiva de uma felicidade merecida, e o amor que torna Deus
sensível nas frias sombras da vida.
Educar um cristão é ainda formar um
homem de coração, um homem de sacrifício e de dedicação, um homem que tenha
sacudido o jugo do egoísmo. Qualquer que seja a carreira que abrace mais tarde
– padre, soldado, agricultor, industrial ou magistrado – o discípulo da
educação cristã levará consigo a convicção ardente e profunda, de que ele tem
uma influência regeneradora de palavra e de exemplo a exercer.
Tudo o que Deus lhe deu de talento ou
de génio, tudo o que a educação lhe comunicou de forças intelectuais e morais,
tudo isso não será para ele apenas o meio de tornar honrada a sua vida; será
também o instrumento do bem que deve praticar. Na esfera da acção em que a
Providência o colocar, ele será o missionário da virtude e a imagem viva de
Jesus Cristo.
Tal é o objectivo da educação cristã.
Tal é o nosso. E se as nossas expectativas não forem frustradas, os nossos
alunos, ao menos aqueles que responderam plenamente aos nossos cuidados,
encontrarão no espírito que daremos à casa, no culto particular ao Sagrado
Coração de Jesus e na protecção do seu amável discípulo São João, uma graça
especial de pureza, de doçura, de piedade e de zelo pelo bem.
Tal é o nosso ideal. E também o vosso,
não é verdade?
[1]
Discurso pronunciado na Casa de Ensino de São Quintino, dirigida por M. Lecomte.
A 4 de Agosto de 1877. V. e “A Semana Religiosa da Diocese de Soissons e Laon”,
4º Ano, 1877, p. 440, São Quintino. Instituição São João.
[2] Prov XXII, 6. “Proberbium
est: adolescens juxta viam suam, etiam
cum senuerit, non recedet abe a”.
[3] Rep., liv. II, C. XVII.
[4] E. Dutens, t. VI, p. 65.
[5] Um dicionário de pedagogia
enumera mais de dois mil obras de educação publicadas em francês. Buisson ,
livraria Hachette.
[6] Mons. Berthaud, bispo de
Tulle.
[7] Das leis, liv. VII.
[8] No Diálogo de Fédão.
[9] Assembleia nacional, 25 de
Setembro de 1791.
[10] Monitor, 22 de Setptenho,
14 de Dezembro 1793.
[11] Projecto de Lepelletier
de Saint-Fargeau, retomado e apresentado por Robespierre à Convenção.
(Convenção de 15 de Outubro 1793). Micchelet acha este projecto admirável de
intenção e em nada quimérico. (História da Revolução Francesa, t. IV, p. 390).
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