III
Mas é tempo de falar das letras
francesas. Por que não lançar primeiro um olhar à poesia épica da Idade Média?
Foi posta de lado a partir do Renascimento, desde que a França, esquecendo a
sua poesia nacional, se apaixonou pelas obras da antiguidade. Estranha
cegueira! Os nossos poemas nacionais tiveram a mesma sorte das nossas
esplêndidas catedrais. Tinham caído no esquecimento ou sido desprezadas. Mas a
França está a recuperar por si própria deste espantoso menosprezo. A arte da
Idade Média reconquistou a sua honra e os nossos antigos poemas a sua glória.
Os nossos velhos historiadores nacionais também, os nossos Heródotos e os
nossos Tucídides franceses, Villehardouin e Joinville, são relidos e
saboreados.
A canção de Rolando é a pérola dos
nossos duzentos poemas nacionais. É a nossa Ilíada com uma forma menos perfeita
mas com um pensamento mais elevado que o de Homero.
A canção de Rolando, é o quadro da
nobre e cavaleiresca França da Idade Média, mas é também a pintura orgulhosa e
grande da França filha mais velha da Igreja e do exército do sargento de
CRISTO.
É curioso ver Bossuet e Victor Hugo
concordar neste julgamento. O poeta do século XIX, como o teólogo do século
XVII, lamenta que a literatura do grande século não tenha invocado o
cristianismo em vez de adorar os deuses pagãos, e que os seus poetas não tenham
sido, como os dos tempos primitivos, “padres cantando as grandes coisas da sua
religião e da sua pátria.”
Apesar disso, o século XVII, o grande
século clássico, é inteiramente nosso. O século XVII é Bossuet com o seu génio
de historiador e de orador, é Racine cujas obras que se tornam mais puras à
medida que o autor se torna cada vez mais religioso, até terminar em Atalia. É
Massillon e Bourdaloue, o Cícero e o Demóstenes modernos. É Corneille com o seu
Polyeucte. E perguntamos como podem mestres livres-pensadores explicar sem
incorrer em profundas lacunas estes modelos tão profundamente cristãos.
A incredulidade foi no século XVIII a
principal causa da decadência do gosto e do génio. Se o século XVIII literário
é inferior ao de Luís XIV, não encontramos outra causa que não seja a religião.
Os quatro nomes brilhantes aos quais se
resume a literatura deste século, são Voltaire, Rousseau, Montesquieu e Buffon.
Voltaire deve os primeiros desenvolvimentos
do seu espírito a dois jesuítas distintos, os padres Porée e Le Jay.
Infelizmente cedo encontrou protectores
que o introduziram na sociedade mais corrupta de Paris, no Marais, onde
aprendeu a insultar a religião, a moral e o poder. Confirmou que os costumes
graves e um pensamento piedoso são ainda mais necessários, no campo das musas,
do que um grande génio. Nunca foi tão elevado, ficando sempre inferior a
Racine, como quando quis ser cristão por um momento.
As poucas páginas de Rousseau que oferecem
verdadeiramente encanto, são aquelas em que ele se aproxima do cristianismo e
em que se deixa levar como por distracção a louvar as virtudes cristãs.
Montesquieu rebaixou as suas Lettres persanes deixando-se nelas cair
em costumes licenciosos e na crítica da religião, mas elevou-se no seu Esprit des lois fazendo justiça ao
catolicismo.
Buffon não ignorou Deus. “Quanto mais
penetrei no seio da natureza, dizia ele, mais admirei e profundamente respeitei
o seu autor.” Mas falta-lhe sentimento, porque adorando o poder do Criador,
ignorou a sua bondade.
O grande movimento literário da
Restauração na França, no século XIX, foi provocado pelo despertar religioso.
Ainda que a literatura contemporânea
não recupere o ensino clássico, é impossível que os professores de literatura
não tenham a ocasião de iniciar os seus alunos nas suas belezas. Como o farão
se não têm o sentido cristão? O espírito religioso é a chave destas
obras-primas.
Chateaubriand assumiu a tarefa de
reconciliar o espírito francês com esta religião que os sofistas do século
XVIII tinham apresentado como a inimiga das luzes, das ciências, das artes e da
felicidade pública.
Sabe-se que profunda emoção produziu o
seu livro sobre o Génio do Cristianismo.
M. de Bonald atacou de frente e com tanto
sucesso como com dignidade as aberrações do seu tempo.
José de Maistre é filósofo, moralista e
historiador. Nas suas “Considerações
sobre a França”, ele criou a filosofia da história da revolução francesa.
Nunca as causas da nossa tormenta social foram julgadas com tanta elevação.
Nunca o ensino lógico das circunstâncias foi mais apreciado. Ele mostra a
origem de tanta desgraça na dupla degradação das ideias e dos costumes da época
anterior. Ele vê em toda a parte os castigos provocados pelas faltas. Ele
explica a vitória da Revolução sobre a Europa porque a França, ao mesmo tempo
culpável e necessária ao mundo, deve ser ao mesmo tempo castigada e preservada…
M. de Lamartine escrevia-lhe: “M. de
Bonald e vós, Senhor Conde, e alguns homens que seguem de longe os vossos
passos, fundastes uma escola imorredoura de alta filosofia e de política
cristãs, que lança raízes sobretudo na geração que se educa. Ela dará frutos, e
eles são julgados antecipadamente.”
Lamartine devia ver também o seu génio
desenvolver-se sob a protecção da fé e lhe emprestaram as suas mais suaves
inspirações. Terminada a sua primeira educação, ele foi receber a segunda no
Colégio de Belley sob a direcção dos Pais da fé. Ele conservou dos primeiros
anos uma impressão profunda e uma recordação emocionada.
É sob esta influência que escreve as
suas Meditações sobre a Providência, A oração, Deus, O Cristão Moribundo,
A Imortalidade.
Foi no género cristão que Lamartine foi
o maior e conquistou a mais legítima admiração.
Para julgar os sentimentos em que se
inspirava Victor Hugo na época das suas mais belas obras, em 1824, citemos
algumas passagens de um manifesto que ele publicava então: “A sociedade, tal
como a transformou a Revolução, dizia ele, teve a sua literatura repugnante e
inepta como ela. Esta literatura e esta sociedade morreram juntas e não
reviverão mais. A ordem renasce igualmente nas letras… A fé purifica a
imaginação; temos poetas. A literatura actual, tal como a criaram
Châteaubriand, Stael, La
Mennais , não pertence de modo algum à revolução. A literatura
actual é a expressão antecipada da sociedade religiosa que sairá com certeza do
meio de tantos antigos destroços, de tantas ruínas recentes. Não é uma
necessidade de novidade que atormenta os espíritos, é uma necessidade de
verdade, e é enorme. Esta necessidade de verdade, a maioria dos escritores
superiores da época procura satisfazê-la…”
As provas, em minha opinião, são
bastante claras. Depois deste rápido relance, não posso deixar de gritar com
entusiasmo: “Na literatura o cristianismo não é a noite sombria, é a luz
esplendorosa”.
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