II
Depois
da epopeia bíblica, as letras cristãs, gregas e latinas, formam dois tesouros
incomparáveis.
Os
nossos pais na fé não abordam de imediato todos os géneros, não têm tempo para
tal; mas nos géneros que abordam, são desde logo superiores.
Trata-se
de conquistar o mundo para as ideias cristãs: eles escrevem apologias,
discursos, tratados de filosofia e de religião. Eles negligenciam a poesia.
Não
pensam no teatro. É surpreendente?
Oferecem-nos
antes de mais nada a eloquência de fogo dos mártires, as suas respostas
inspiradas e ardentes de fé e de caridade que por vezes convertem os seus
próprios juízes e os seus algozes. As actas de São Sebastião, de Santa
Perpétua, de Santa Inês, de Santa Cecília, as cartas de Santo Inácio de
Antioquia, oferecem páginas admiráveis que não têm comparação no paganismo.
Mas
foi na arte oratória que os gregos cristãos alcançaram sem contestação o
primeiro lugar.
Basta
citar Santo Atanásio, São Basílio, São Gregório de Nazianzo, São João
Crisóstomo.
“As
alegações de Santo Atanásio, diz Bossuet, são obras-primas de eloquência e de
saber.”
São
Gregório de Nazianzo foi comparado a Isócrato, que parece ser o imitador. Soube
aliar a doutrina mais profunda à graça e aos movimentos do estilo.
As
cartas que trocaram os dois santos amigos, Basílio e Gregório de Nazianzo, são
também graciosas obras-primas onde se misturam os encantos de uma imaginação
oriental com os de uma delicada sensibilidade de coração.
Mas
o rei da eloquência é Crisóstomo, o tipo de orador tão nobre quanto popular.
Ele tem de Cícero a graça e a facúndia, e de Horácio a riqueza das imagens e a
fidelidade das expressões.
Os
latinos não deram menos glória à Igreja do que os gregos nas letras.
Tertuliano
tem algo de rude na expressão, mas que vasta erudição, que força de dialéctica,
que energia de estilo! É um prazer lê-lo; vence-se com elo o erro, gosta-se
dele, porque percebe-se que ama a verdade com um coração de fogo.
São
Cipriano é um orador mais completo. A sua eloquência é mais doce e mais plena.
Santo
Ambrósio, diz Châteaubriand, é o Fénelon dos Padres da Igreja, como Tertuliano
é o Bossuet.
Ele
foi também poeta, e os seus hinos, de uma simplicidade tão nobre e tão tocante,
são uma das riquezas da nossa liturgia.
São
Jerónimo desdenhou por vezes a pureza da dicção, mas o seu estilo é vigoroso e
grande como o seu carácter, e o seu coração palpita nas palavras. Ele seduz e
alenta.
São
Leão Magno é um clássico. A sua dicção é pura, abundante e harmoniosa.
Mas
o mais prodigioso entre os padres Latinos é Santo Agostinho. Ele ocupa com
Tomás de Aquino o cume do espírito humano.
Que
génio foi tão profundo e tão universal?
Que
importa, como anota Bossuet, que ele tenha incorrecções, se se impõe sobre
todos pela grandeza, projecção e profundidade dos pensamentos? Domina todas as
ciências que aborda: a história na “Cidade de Deus”; a teologia nos seus
tratados sobre a graça e sobre a Sagrada Escritura; a filosofia nas suas
controvérsias; a própria arte nalguns dos seus pequenos tratados; e as mais
delicadas análises psicológicas nas suas Confissões e nas suas Meditações.
Esta
época dos Doutores da Igreja não pode ser avaliada com a mesma medida com que
se avalia o século de Péricles e o século de Augusto. Ela não gozou da paz dos
espíritos que permite apurar a literatura e a arte.
É
uma época de luta, de polémica, de propaganda e de conquista intelectual. Ela
ultrapassa todas as outras nos géneros que lhe são próprios, o que é bastante
para a glória da Igreja.
Para
completar o estudo dos Padres Latinos, convém dizer uma palavra ainda sobre São
Bernardo, São Tomás de Aquino, São Boaventura e o seu século. Eles completam
bem o ciclo de escritores cristãos de língua latina.
São
Bernardo é ao mesmo tempo o escritor místico, o poeta sagrado e o orador
gracioso e persuasivo.
São
Boaventura é sábio, simples e piedoso.
São
Tomás de Aquino é o espírito mais vasto, o mais completo, o mais claro, o mais
metódico que nos deu a grande família humana.
Ele
possuía e dominava Aristóteles. Conhecia Platão através de Santo Agostinho
fortemente influenciado por ele. Permanecerá talvez até ao fim como o mestre
dos Doutores da Igreja.
Os
Padres do século IV e do século V são como grandes convertidos. Devem uma parte
da sua grandeza às letras pagãs, que tinham estudado durante a sua infância.
Dá-se
com eles o mesmo que com as basílicas de Constantino, que nos mostram a arte
romana adaptada ao espírito cristão.
A
Idade Média é mais pura de qualquer influência. São Tomás, São Bernardo, Dante,
são o fruto da seiva cristã sem mescla, como as nossas catedrais, as nossas
epopeias nacionais, a nossa cavalaria e as piedosas figuras dos nossos
vidreiros e dos nossos pintores anteriores ao Renascimento.
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