III
Depois de ter abordado os instrumentos
da educação, é preciso falar do método.
Uma questão fundamental no método da
educação é discernir a motivação dos esforços do aluno.
Conduzi-lo-emos pelo temor, pelo
afecto, pelo sentimento da honra ou da fé?
E antes disso, é preciso aceitar que a
criança tem necessidade de uma firme orientação. Ela traz à nascença uma
mistura de boas e más qualidades, de maus instintos e boas inclinações.
A revelação de Moisés e de Cristo
explica-nos esta misteriosa luta na alma da criança pela queda original. Há
como que dois exércitos de tendências e de inclinações contrárias. Que
orientações daremos nós às tendências em ordem ao bem? É preciso um ponto de
união para estas forças e como um guião que as agrupe. Este será o pensamento
dominador da alma e a impressão sob a qual nós nos meteremos.
Qual será este pensamento ou este
princípio dominador que sustentará a alma da criança no trabalho, no dever, na
virtude, na constância?
Os recursos humanos oferecem
espontaneamente o temor, a vergonha ou a honra, e o afecto filial.
O temor humano: não podemos privar-nos
por completo da sua influência, mas fazer dela a principal motivação da
criança, não é tornar azedo e seco o seu coração? Não será levá-la à
dissimulação? De certeza absoluta só conseguirá extinguir os mais generosos
impulsos da sua natureza, e diminuir a sua alma até dar a todas as suas acções
este objectivo egoísta e sem nobreza, de evitar uma correcção.
Vergonha e honra: é o princípio que
aparece em primeiro lugar quando a educação não é fortemente cristã. Chama-se
ainda a esta motivação, emulação; mas frequentemente o seu verdadeiro nome, é
vaidade.
Este princípio tem o seu valor. É
muitas vezes um recurso, mas também amiúde parece superficial e perigosa.
Superficial, porque apela às aparências da virtude. Pouco importa, para a
maioria, o que diz a consciência, se as aparências são salvaguardadas e se a honra
está assegurada. Perigoso, porque desemboca no amor-próprio, egoísmo e
auto-complacência. Está aqui uma singular preparação para a vida de entrega, do
dever e da generosidade que a sociedade cristã espera desta criança.
Os pais põem a sua confiança numa terceira motivação:
o afecto filial. A criança, pensam eles, será fiel ao dever e à virtude para
agradar àqueles que ama.
Este sentimento é digno, e queremos que não seja tão
esquecido.
Mas será sempre suficiente? Não o vedes falhar na
idade em que o adolescente consulta mais a sua imaginação perturbada e as
paixões emergentes do que os afectos da sua infância?
O que temos
então para oferecer para preencher todas estas lacunas? Nós temos o princípio
cristão, e queremos que seja ele a dar aqui o primeiro passo.
O pensamento de Deus, seu criador e seu mestre, da sua
omnipresença, da sua justiça, da sua bondade, das suas promessas, de CRISTO
redentor e da sua graça, da acção todo-poderosa da Eucaristia, e a doce
influência das nossas festas cristãs, tais são os nossos recursos divinos, que
produzirão, estamos certos, uma eclosão maravilhosa de piedade cristã e filial,
de trabalho, de doçura, de caridade, de força e de constância.
Além da grande questão da motivação a dar ao aluno, há
muitas outras questões de método.
Seria preciso falar da disciplina dos diversos ramos
de estudos: letras, ciências, gramática, literatura, filosofia, línguas
antigas, línguas vivas, história, geografia; da articulação destas diversas
partes do ensino e do lugar a atribuir a cada uma delas. Seria necessário falar
dos procedimentos da educação e do ensino, do ensino progressivo, do ensino
pelos olhos, da psicologia da criança e do desenvolvimento das suas faculdades.
Seria necessário distinguir os estudos úteis e os estudos de luxo.
Mas todas estas considerações seriam intermináveis.
Nós temos um meio mais simples de dar a conhecer o nosso método. Ei-lo: tomamos
no seu conjunto, o grande método cristão, aquele que começou depois da paz da
Igreja, com os Padres da Igreja grega e os da Igreja latina; aquele que se
tornou sucessivamente, adaptando-se às necessidades de todas as épocas, mas
mantendo sempre os seus grandes princípios fundamentais, o método das escolas
monásticas e das escolas episcopais da idade Média, o das grandes universidades
do século XII, Bossuet, Fénelon, Fleury; o que foi codificado (legislado) pelo
sábio e piedoso Rollin no seu Tratado dos Estudos.
Sim, este belo livro de Rollin parece-me dever ser
definitivamente o código da educação. Os homens mais marcantes da universidade
contemporânea reconhecem-no eles mesmos, pelo menos aqueles que não se deixam
cegar pela paixão anti-religiosa. Vollemain e Nisard serão, em boa verdade,
testemunhas autorizadas. Escutemo-los. “Nas coisas da educação, diz M. Nisard,
o Tratado dos Estudos, é o livro único ou melhor ainda, é o livro! [1]
Villemain tinha dito: “Eu não analisarei esta obra, um
pouco negligenciada nos nossos dias, como se se tivesse, depois de Rollin,
descoberto métodos novos para formar a inteligência e o coração. Enfim! Não é
assim: não se deu um passo; não se fará um melhor Tratado de Estudos” [2].
Sim, é precisamente a maneira de formar o espírito e o
coração que ensina Rollin e esse é o objectivo da educação, e o seu método é
mesmo o grande método cristão. Eu queria poder analisá-lo e assinalar-vos como
ele é excelente na arte de ensinar as letras e na arte mais preciosa ainda de
colocar as letras ao serviço da virtude. Tanto para cultivar os costumes do
carácter, como também para o ensino técnico das línguas, da retórica e da
filosofia, Rollin disse tudo, e tudo disse excelentemente.
É isto que Chateaubriand nos mostra como professor de
história: “A narração do virtuoso reitor, diz ele, é completa, simples e
tranquila, e o cristianismo, enternecendo a sua pena, dá-lhe alguma coisa que
comove às entranhas. Os seus escritos revelam este homem de bem cujo coração é
uma festa perene”. [3]
São estes os nossos mestres e os nossos modelos.
É verdade que este senado de mestres da educação já
não está completamente na moda. A sua virtude sobretudo é modesta. É preciso
folhear a história e procurar agrupar alguns irregulares do grande exército dos
educadores. Fez-se isso nos nossos dias e apareceu Rabelais, Montaigne, Ramus,
Condorcet, Rousseau e os Convencionais. Até se incluíram alguns dos seus
escritos nos programas.
É preciso boa vontade para fazer deste conjunto uma
escola de pedagogia, dita, progressiva, em comparação com os mestres da
educação cristã.
Não perco a esperança de que estas buscas
conscienciosas dos nossos adversários possam servir à nossa causa.
Os homens de boa fé dirão: Os adversários da educação
cristã só encontraram estes nomes para opor aos de Basílio o Grande, de Gerson,
de Bossuet, de Fénelon, de Rollin: a sua causa está julgada.
Houve algumas ideias aceitáveis no meio das
obscenidades de Rabelais, que não seria muito do nosso gosto ir procurar lá.
Quanto aos inovadores da Revolução, é muitas vezes
divertido lê-los.
É Lequinio, que declara que a literatura é inútil e
que é absolutamente supérfluo ocupar-se dela [4].
É Lepelletier, maravilhado com os costumes de Esparta,
a propor a educação comum das crianças dos dois sexos, em igualdade absoluta.
“É preciso, diz ele, que todos tenham um corpo robusto, apto para o trabalho.
Para isso, receberão uma alimentação frugal, sem carne nem vinho, e serão
exercitados a trabalhar a terra. Se não houver cultura ao seu alcance, irão
pelos caminhos a juntar e encaixar pedras”. É suficientemente democrático. De
resto, não se lhes falará de religião positiva. É quase Rousseau no seu melhor,
e, dos nossos dias ainda, Michelet extasiava-se diante deste projecto de
Lepelletier que chamava “Revolução da infância” e “o Evangelho da pedagogia” [5].
É Saint-Just, um deputado eleito pelo departamento de
Aisne, que quer também que as crianças sejam ensinadas até aos 16 anos às
custas do Estado. É verdade que a sua educação não será dispendiosa. A sua
alimentação será composta de frutos, legumes, leite, pão e água. O seu
vestuário será de pano em todas as estações [6].
É Barrère propondo que se se desfizesse o mais
depressa possível dos livros, “de toda essa papelada que sufoca o género
humano”.
É o próprio Fourcroy, o químico, pedindo que deixe de
haver colégios. “Instruir, é tiranizar; era preciso, dizia ele, entregar a
criança a si mesma”.
É Cofinal, respondendo a Lavoisier que falava em favor
das ciências: “Cala-te, a República não tem necessidade da química” [7]
É Bouquier, apresentando, com o aplauso da Convenção,
um plano que proscrevia para sempre toda a ideia de estudos especulativos e
científicos. “As mais belas escolas, dizia ele, as mais úteis, as mais simples,
são as sessões das comissões. A Revolução, estabelecendo festas nacionais,
criando sociedades populares, clubes, colocou em toda a parte fontes
inesgotáveis de instrução. Não vamos, acrescentava ele, substituir esta
organização simples e sublime como o povo que a criou uma organização
artificial, baseada em estatutos académicos, que não devem voltar a infectar
uma nação regenerada”.
E o seu projecto foi votado a 29 de Frimário do ano 11
(19 de Dezembro de 1793).
Aqui estão as ideias novas com as quais os educadores
cristãos não tinham sonhado.
Mas é suficiente para nos divertir.
Preservando quanto à substância do grande método dos
antigos, não pretendemos rejeitar as melhorias e as mudanças que o tempo e a
experiência nos trouxeram.
Os progressos das ciências exigem que lhes seja dado
maior espaço na educação.
A história, enriquecida pelas descobertas orientais e
pelo estudo das fontes, deve ser ensinada de maneira mais completa.
A língua latina, não sendo já como outrora a língua do
direito, da medicina e da filosofia, já não é necessário que se saiba escrever
e falar; basta saber compreender as suas obras-primas.
A facilidade de ralações com o estrangeiro impõe-nos o
conhecimento das línguas vivas.
O desenvolvimento da indústria deu lugar à criação de
um novo sistema de estudos, que tem o seu espaço entre o ensino primário e as
humanidades.
A difusão da gravura forneceu um novo recurso para a
utilidade e o agrado dos nossos livros escolares.
Entendemos nada desprezar destas mudanças que se
impõem e nada negligenciar destes progressos. Nós preencheremos o quadro comum
dos estudos actuais enobrecendo-os com os meios próprios da educação cristã e
completando-os conforme a rapidez do tempo o permitir.
Em resumo, sem desconhecer as exigências do nosso
tempo para com a formação do espírito das nossas crianças, seguiremos, para a
formação do seu coração, o método cristão, o método cristão tradicional que
Rollin sintetizava nestas grandes linhas:
Estudar o carácter das crianças, para saber bem como
dirigi-las; fazer-se amar por elas mais do que temer; falar-lhes à razão;
habituá-las a ser sinceras; educá-las à higiene; tornar o estudo amável; e
sobretudo fazer reinar entre elas a piedade, que resume e encerra todas as boas
disposições do coração.
Se conseguirmos isto, tenho confiança de que
alcançaremos muito apreço de vós, da França e de Deus.
[1] História da literatura
francesa, t. IV, p. 122.
[2] Quadro da Literatura
francesa no século XVIII, t. I, p. 226.
[3] Génio do Cristianismo,
IIIª p. Liv III.
[4] Monitor de 16 de Julho de
1793.
[5] História da Revolução, t.
IV.
[6] Obras políticas;
Instituições Republicanas.
[7] Ver o Monitor de Outubro a
Dezembro de 1793..
Sem comentários:
Enviar um comentário