sábado, 30 de novembro de 2024

Um poeta para a eternidade


Fernando Pessoa viveu para escrever

e morreu para viver na eternidade.

A 29 de novembro de 1935, Fernando Pessoa foi internado no hospital de São Luís dos Franceses, no Bairro Alto em Lisboa, diagnosticado com uma cólica hepática.

No dia seguinte, sábado, 30 de novembro, sucumbiu no início da noite, cerca das 20H00. Tinha 47 anos.

Poucos minutos antes de partir pediu os óculos à enfermeira:

- Dê-me os óculos…

Foi este o seu último pedido, como se precisasse dos óculos para entrar noite dentro, ou por um súbito desejo de escrever um último e impossível poema ou como se precisasse deles para se fazer à viagem.

Morreu rebentado por dentro, dilacerado pela melancolia, pelo fumo do tabaco e pelo álcool.

Estava sozinho. Apenas uma enfermeira e um capelão que lhe acenou com a imortalidade. Mais ninguém.

Mas no leito de morte estava mais do que uma Pessoa, estava mais de uma centena de heterónimos.

Morreu como viveu - completamente sozinho e incógnito como se fosse um indigente que andava por Lisboa e parava em dois ou três cafés onde não tinha de dizer o que queria. Chegava e o copo e um cinzeiro já estavam na mesa onde escrevia e escrevia e escrevia.

Para os empregados da Brasileira ou do Martinho da Arcada era o senhor Fernando, um intelectual que gastava em vinho e absinto, um cliente fiel que tinha bom beber, pois nunca ninguém vira o seu comportamento alterado pelo álcool ingerido.

Para os escritores da época era um homem interessante que passara ao lado de uma carreira.

Publicou durante a vida apenas 4 livros: "35 Sonnets" (1918), "Antinous" (1918), "English Poems" (1921) e "Mensagem" (1934), um longo poema em português.

Mas afinal, ele não tinha apenas um poema, mas uma biblioteca de textos inéditos.

Num baú dentro da sua casa Fernando Pessoa guardou toda a sua produção textual, que soma mais de 27 mil papéis. Convertendo esse número para páginas, isso daria mais de 60 livros de 400 páginas! Muitos livros, inclusive, foram publicados após sua morte (e ainda há material inédito por publicar!).

Como muitas personalidades artísticas o seu reconhecimento se deu apenas após a morte.

O escritor foi a enterrar no Cemitério dos Prazeres, às 11H00 do dia 2 de dezembro de 1935. Luís de Montalvor discursou em nome dos sobreviventes do grupo do Orpheu.

Ali estavam menos de 50 pessoas (havia mais personagens dentro da urna do que à sua volta).

A sua irmã partira uma perna e decidiu ficar por casa, mas o “boca a boca” permitiu que alguns dos seus mais ilustres amigos do Orpheu tivessem aparecido – Almada Negreiros lá estava, António Ferro e António Botto também.

Muitos outros apenas souberam da morte de Fernando Pessoa após o seu funeral. A natureza reclusa do escritor fazia com que a sua ausência de alguns dias não fosse estranhada. E vários amigos só souberam do óbito pelos jornais, a partir do dia 3 de dezembro

Todos lamentaram que não se tivesse cumprido e alguns pediram ao cunhado, o capitão Francisco Caetano Dias, que não deitasse nada fora pois Pessoa poderia ter em casa algum poema inédito.

O seu túmulo é modesto e a sua lápide traz apenas o nome e as datas de nascimento e morte, (13/06/1888 – 30/11/1935) sem qualquer menção aos seus heterónimos ou à sua contribuição literária.

As suas últimas palavras escritas foram: I know not what tomorrow will bring. Eu não sei o que o amanhã irá trazer.

As suas últimas palavras ditas são um tanto desconhecidas e não foram registradas de maneira precisa. Há relatos de que ele teria dito algo como "Estou vendo tudo duplo", o que o levou a fazer o último pedido para lhe trouxessem os óculos, mas a veracidade dessas palavras não pode ser confirmada com certeza.

O seu último poema foi escrito em inglês e datado de 29 de novembro de 1935, apenas um dia antes da sua morte. Foi chamado de ‘Sexta-feira’ porque de facto foi escrito na sua última sexta-feira e abordava temas como a morte e a passagem do tempo, e é considerado uma reflexão poética sobre a sua própria condição naquele momento. O poema reflete a introspeção e a contemplação características de muitos dos seus escritos.

 

A Morte é uma estrela, como Vénus, como a Lua,

Um corpo que para nós brilha intensamente.

Para alguns, é fé, para outros, alegria,

É deus para muitos, para alguns, uma pedra.

 

Muitos veem nela uma espada flamejante,

E pensam que pode fazer o que nunca fará.

Então, quando passamos pela morte na rua, dizemos,

"Ele é um homem como eu, ou como um homem."

 

O que sei sobre seus assuntos ou esfera,

Sua vida, sua morte, seu propósito ou seu plano?

Eu sei que ele veio pelo nascimento e vai pela morte,

Não sei mais, e é bom que eu não saiba.

 

Death is a star, like Venus, like the Moon,

A body by us quite too brightly shone.

To some men it is faith, to others mirth,

'Tis god to many, to some men a stone.

 

Too many see in it a fiery sword,

And think it can do what it never can.

So when we pass death in the street, we say,

"He is a man like me, or like a man."

 

What do I know of his affairs or sphere,

His life, his death, his purpose or his plan?

I know he came by birth and goes by death,

I know no more and it is well I can.

 

Foi assim que o Diário de Notícias informou na edição de 03/12/1935 o falecimento do poeta.


Ver também:

Fernando Pessoa e o Santo Condestável

Assim rezou Fernando Pessoa

Se eu não tiver caridade

O 1º Poema de Fernando Pessoa

Imperador da nossa língua

O santo de Fernando Pessoa

Nossa língua é nossa pátria

O gato de Fernando Pessoa

Deus quer, o homem sonha

História do Menino Jesus

Não digas nada a ninguém

Dizem, esquecem…

 

Sem comentários: