Fernando
Pessoa viveu para escrever
e morreu para viver na eternidade.
A
29 de novembro de 1935, Fernando Pessoa foi internado no hospital de São Luís
dos Franceses, no Bairro Alto em Lisboa, diagnosticado com uma cólica hepática.
No
dia seguinte, sábado, 30 de novembro, sucumbiu no início da noite, cerca das
20H00. Tinha 47 anos.
Poucos
minutos antes de partir pediu os óculos à enfermeira:
-
Dê-me os óculos…
Foi
este o seu último pedido, como se precisasse dos óculos para entrar noite
dentro, ou por um súbito desejo de escrever um último e impossível poema ou como
se precisasse deles para se fazer à viagem.
Morreu
rebentado por dentro, dilacerado pela melancolia, pelo fumo do tabaco e pelo
álcool.
Estava
sozinho. Apenas uma enfermeira e um capelão que lhe acenou com a imortalidade.
Mais ninguém.
Mas
no leito de morte estava mais do que uma Pessoa, estava mais de uma centena de
heterónimos.
Morreu
como viveu - completamente sozinho e incógnito como se fosse um indigente que
andava por Lisboa e parava em dois ou três cafés onde não tinha de dizer o que
queria. Chegava e o copo e um cinzeiro já estavam na mesa onde escrevia e
escrevia e escrevia.
Para
os empregados da Brasileira ou do Martinho da Arcada era o senhor Fernando, um
intelectual que gastava em vinho e absinto, um cliente fiel que tinha bom
beber, pois nunca ninguém vira o seu comportamento alterado pelo álcool
ingerido.
Para
os escritores da época era um homem interessante que passara ao lado de uma
carreira.
Publicou
durante a vida apenas 4 livros: "35 Sonnets" (1918),
"Antinous" (1918), "English Poems" (1921) e
"Mensagem" (1934), um longo poema em português.
Mas
afinal, ele não tinha apenas um poema, mas uma biblioteca de textos inéditos.
Num
baú dentro da sua casa Fernando Pessoa guardou toda a sua produção textual, que
soma mais de 27 mil papéis. Convertendo esse número para páginas, isso daria
mais de 60 livros de 400 páginas! Muitos livros, inclusive, foram publicados
após sua morte (e ainda há material inédito por publicar!).
Como
muitas personalidades artísticas o seu reconhecimento se deu apenas após a
morte.
O
escritor foi a enterrar no Cemitério dos Prazeres, às 11H00 do dia 2 de
dezembro de 1935. Luís de Montalvor discursou em nome dos sobreviventes do
grupo do Orpheu.
Ali
estavam menos de 50 pessoas (havia mais personagens dentro da urna do que à sua
volta).
A
sua irmã partira uma perna e decidiu ficar por casa, mas o “boca a boca”
permitiu que alguns dos seus mais ilustres amigos do Orpheu tivessem aparecido
– Almada Negreiros lá estava, António Ferro e António Botto também.
Muitos
outros apenas souberam da morte de Fernando Pessoa após o seu funeral. A
natureza reclusa do escritor fazia com que a sua ausência de alguns dias não
fosse estranhada. E vários amigos só souberam do óbito pelos jornais, a partir
do dia 3 de dezembro
Todos
lamentaram que não se tivesse cumprido e alguns pediram ao cunhado, o capitão Francisco
Caetano Dias, que não deitasse nada fora pois Pessoa poderia ter em casa algum
poema inédito.
O
seu túmulo é modesto e a sua lápide traz apenas o nome e as datas de nascimento
e morte, (13/06/1888 – 30/11/1935) sem qualquer menção aos seus heterónimos ou
à sua contribuição literária.
As
suas últimas palavras escritas foram: I know not what tomorrow will bring. Eu
não sei o que o amanhã irá trazer.
As
suas últimas palavras ditas são um tanto desconhecidas e não foram registradas
de maneira precisa. Há relatos de que ele teria dito algo como "Estou
vendo tudo duplo", o que o levou a fazer o último pedido para lhe
trouxessem os óculos, mas a veracidade dessas palavras não pode ser confirmada
com certeza.
O seu último poema foi escrito em
inglês e datado de 29 de novembro de 1935, apenas um dia antes da sua morte.
Foi chamado de ‘Sexta-feira’ porque de facto foi escrito na sua última sexta-feira e
abordava temas como a morte e a passagem do tempo,
e é considerado uma reflexão poética sobre a sua própria condição naquele
momento. O poema reflete a introspeção e a contemplação características de
muitos dos seus escritos.
A
Morte é uma estrela, como Vénus, como a Lua,
Um
corpo que para nós brilha intensamente.
Para
alguns, é fé, para outros, alegria,
É
deus para muitos, para alguns, uma pedra.
Muitos
veem nela uma espada flamejante,
E
pensam que pode fazer o que nunca fará.
Então,
quando passamos pela morte na rua, dizemos,
"Ele
é um homem como eu, ou como um homem."
O
que sei sobre seus assuntos ou esfera,
Sua
vida, sua morte, seu propósito ou seu plano?
Eu
sei que ele veio pelo nascimento e vai pela morte,
Não
sei mais, e é bom que eu não saiba.
Death
is a star, like Venus, like the Moon,
A
body by us quite too brightly shone.
To
some men it is faith, to others mirth,
'Tis
god to many, to some men a stone.
Too
many see in it a fiery sword,
And
think it can do what it never can.
So
when we pass death in the street, we say,
"He
is a man like me, or like a man."
What
do I know of his affairs or sphere,
His
life, his death, his purpose or his plan?
I
know he came by birth and goes by death,
I
know no more and it is well I can.
Foi assim que o Diário de Notícias informou na edição de 03/12/1935 o falecimento do poeta.
Ver
também:
Fernando Pessoa e o Santo Condestável
Sem comentários:
Enviar um comentário