sábado, 2 de novembro de 2024

Porque os mortos rezam


Comemoração de todos os fiéis defuntos

Dia de memória e oração

A minha pregação

PORQUE OS MORTOS REZAM

- Qual é única coisa que podemos continuar a fazer juntamente com os nossos defuntos?

- É rezar. Já não podemos conviver, falar-lhes, oferecer-lhes flores, dar-lhes esmola, mas simplesmente rezar. Só isso vale a pena continuar a fazer.

Acredito que eles no céu continuam a rezar juntamente com quem rezava na terra com eles. Receio que algumas vezes eles estão a rezar sozinhos, pedindo por aqueles que ainda continuam a sua missão na terra, enquanto estes se esquecem de rezar juntamente com eles. Nós rezamos para que estejam com Deus e os defuntos rezam para que Deus esteja connosco.

A melhor maneira de estar unidos a Deus e aos irmãos é através da oração. Ela é um ato de comunhão e de louvor a Deus e de caridade e de união com os nossos irmãos.

E a oração mais perfeita é aquela que é feita comunitariamente, isto é, juntamente com alguém e não sozinhos.

Continuemos a rezar pelos nossos defuntos e juntamente com eles. É uma maneira de mostrar a nos mesmos que continuamos unidos a eles, porque rezar é estar unido a Deus e unido a quem já está em Deus.

 

A pregação de Fernando Pessoa

HINO

Os que morrem pela Pátria não morrem: levanta-os a Pátria nos braços para receberem o beijo de Deus.

Todo o ato heroico, por incrédulo e ateu que seja o seu autor, é de sua essência divino. Todo o ato heroico, por eunuco que seja o seu [...] de sua essência é verdade.

O divino exemplo dos heróis é uma perpétua bênção às almas.

O herói, ainda que impuro fosse, justifica-se no fogo da morte do mal que tivesse e do que a ilusão o houvesse imperfeiçoado.

O herói, pelo seu ato de heroísmo renuncia à ilusão do mundo, que manda que se queira viver, e à (...) do mal, que quer que todo o sacrifício e o risco do eu presente seja para gozo e bem do eu futuro.

Participa, portanto, de Deus, vive em Deus, vive Deus. Deus fala-nos astuciosamente na vida dos santos, na morte dos heróis, na voz dos poetas. Ensina-nos, melhor que nenhuma Bíblia, que nós não somos nada na nossa vida pessoal de todos os dias; que só alguma coisa somos quando abdicamos de nós, quando nos entregamos, de nós, que somos a limitação e a morte, a Deus, que é o infinito e a vida.

O único sermão da montanha é a cruz no alto do calvário, a vera comunhão a do espigão final na ponta de uma lança, a única vida — o único prazer — a morte dolorosa do crucificado.

Estes heróis não morrem, nascem. Morreu a carne para viver a alma. O seu gesto foi violento. E que arremessaram de si, com ímpeto, a túnica do corpo, sacudiram de seus pés, o pó das estradas da vida.

Reconheceram, reconhecemos, o seu ato ainda que eles [...] no agi-lo que a túnica da vida é uma mortalha, cada corpo um caixão; cada lar humano um jazigo de que a incerteza tem a chave no cemitério.

O herói, ao ser herói, não é o ser que ama, ou amou, a carne; o seu ato de herói é todo espiritual.

Reza com o seu ato; unge-nos com o seu exemplo; abençoa-nos com a sua morte.

Aprendamos a compreender os heróis, os santos, os poetas.

Não olhemos para o lado que lhes mancha os pés, porque pisam o chão da vida; não ao pó que lhes acinzenta as vestes, porque é o vento do mundo que ergue a poeira das fraquezas dos caminhos de desilusão.

O Herói é o seu heroísmo só; o Santo é só a hora em que ajoelha, é só o gesto em que dá o pão que lhe faz falta e a veste que o escuda do frio; o Poeta é apenas a sua obra.

Os meus olhos turvam-se de lágrimas; a minha alma ajoelha e reza. O que de poeta haja em mim fica-lhes nos pés e lava-lhos da poeira do Irreal, unge-os do óleo espiritual que guardo no escrínio da minha devoção. E quando me dizem chasqueando: guarda a tua compaixão e a tua (...) para os pobres e para os infelizes, eu sorrio, porque essa foi a observação de Judas.

 

CF. Bernardo Soares (Fernando Pessoa),

s.d.

Livro do Desassossego. Vol.I. Fernando Pessoa. (Organização e fixação de inéditos de Teresa Sobral Cunha.) Coimbra: Presença, 1990.

- 186,7.

"Fase decadentista", segundo António Quadros (org.) in Livro do Desassossego, por Bernardo Soares, Vol I. Fernando Pessoa. Mem Martins: Europa-América, 1986.

 

Curiosidades

1ª – A expressão “eterna saudade” é um ilogismo que deveria traduzir-se propriamente como saudade do Eterno, ou seja, desejo de Deus. A saudade pelos defuntos não só nos transporta o passado para o presente, enquanto afetuosa recordação do tempo que já foi, mas também nos projeta para o futuro, enquanto desejo de que os nossos antepassados estejam vivos na eternidade de Deus. Em hebraico, a palavra “eternidade” deriva do verbo alam, que significa “esconder”, pelo que, no sentido bíblico, eternidade significa “além do horizonte”, apontando para algo distante e escondido no tempo e no espaço.

 

2ª – Antigamente, em algumas comunidades religiosas, deixava-se desocupado na capela e no refeitório, durante 40 dias, o lugar de um irmão que tinha falecido.  Na capela faziam-se-lhe as saudações do costume, como se ele estivera presente; dava-se-lhe o ósculo da paz e dizia-se, na sua direção, o 'resquiescant in pace' do ofício coral. No refeitório serviam-lhe a refeição diária e, acabada a refeição comum, vinha um pobre comê-la de joelhos, rezando pelo defunto.

 

3ª – Os monges cartuxos, quando morrem, são enterrados na própria cartuxa. As sepulturas não têm o nome dos defuntos, todas são anónimas e iguais.

 

Ver também:

A Páscoa em novembro

Fiéis aos nossos defuntos

Aprender com os defuntos

Desafios para novembro

Que seja pelas almas

A canção do dia

Memória e esperança

Celebrar óbito

Mútua intercessão

Saudade sim, tristeza não

Dia de finados

Viagem sem retorno

 

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