Comemoração de todos os fiéis defuntos
Dia de memória e oração
A minha pregação
PORQUE OS MORTOS REZAM
- Qual é única coisa que podemos continuar a fazer juntamente com os nossos
defuntos?
- É rezar. Já não podemos conviver, falar-lhes, oferecer-lhes flores, dar-lhes
esmola, mas simplesmente rezar. Só isso vale a pena continuar a fazer.
Acredito que eles no céu continuam a rezar juntamente com quem rezava na
terra com eles. Receio que algumas vezes eles estão a rezar sozinhos, pedindo por
aqueles que ainda continuam a sua missão na terra, enquanto estes se esquecem de
rezar juntamente com eles. Nós rezamos para que estejam com Deus e os defuntos
rezam para que Deus esteja connosco.
A melhor maneira de estar unidos a Deus e aos irmãos é através da oração.
Ela é um ato de comunhão e de louvor a Deus e de caridade e de união com os
nossos irmãos.
E a oração mais perfeita é aquela que é feita comunitariamente, isto é,
juntamente com alguém e não sozinhos.
Continuemos a rezar pelos nossos defuntos e juntamente com eles. É uma
maneira de mostrar a nos mesmos que continuamos unidos a eles, porque rezar é
estar unido a Deus e unido a quem já está em Deus.
A pregação de Fernando Pessoa
HINO
Os que morrem pela Pátria não morrem: levanta-os a Pátria nos braços para
receberem o beijo de Deus.
Todo o ato heroico, por incrédulo e ateu que seja o seu autor, é de sua
essência divino. Todo o ato heroico, por eunuco que seja o seu [...] de sua
essência é verdade.
O divino exemplo dos heróis é uma perpétua bênção às almas.
O herói, ainda que impuro fosse, justifica-se no fogo da morte do mal que
tivesse e do que a ilusão o houvesse imperfeiçoado.
O herói, pelo seu ato de heroísmo renuncia à ilusão do mundo, que manda que
se queira viver, e à (...) do mal, que quer que todo o sacrifício e o risco do
eu presente seja para gozo e bem do eu futuro.
Participa, portanto, de Deus, vive em Deus, vive Deus. Deus fala-nos
astuciosamente na vida dos santos, na morte dos heróis, na voz dos poetas.
Ensina-nos, melhor que nenhuma Bíblia, que nós não somos nada na nossa vida
pessoal de todos os dias; que só alguma coisa somos quando abdicamos de nós,
quando nos entregamos, de nós, que somos a limitação e a morte, a Deus, que é o
infinito e a vida.
O único sermão da montanha é a cruz no alto do calvário, a vera comunhão a
do espigão final na ponta de uma lança, a única vida — o único prazer — a morte
dolorosa do crucificado.
Estes heróis não morrem, nascem. Morreu a carne para viver a alma. O seu
gesto foi violento. E que arremessaram de si, com ímpeto, a túnica do corpo,
sacudiram de seus pés, o pó das estradas da vida.
Reconheceram, reconhecemos, o seu ato ainda que eles [...] no agi-lo que a
túnica da vida é uma mortalha, cada corpo um caixão; cada lar humano um jazigo
de que a incerteza tem a chave no cemitério.
O herói, ao ser herói, não é o ser que ama, ou amou, a carne; o seu ato de
herói é todo espiritual.
Reza com o seu ato; unge-nos com o seu exemplo; abençoa-nos com a sua
morte.
Aprendamos a compreender os heróis, os santos, os poetas.
Não olhemos para o lado que lhes mancha os pés, porque pisam o chão da
vida; não ao pó que lhes acinzenta as vestes, porque é o vento do mundo que
ergue a poeira das fraquezas dos caminhos de desilusão.
O Herói é o seu heroísmo só; o Santo é só a hora em que ajoelha, é só o
gesto em que dá o pão que lhe faz falta e a veste que o escuda do frio; o Poeta
é apenas a sua obra.
Os meus olhos turvam-se de lágrimas; a minha alma ajoelha e reza. O que de
poeta haja em mim fica-lhes nos pés e lava-lhos da poeira do Irreal, unge-os do
óleo espiritual que guardo no escrínio da minha devoção. E quando me dizem
chasqueando: guarda a tua compaixão e a tua (...) para os pobres e para os
infelizes, eu sorrio, porque essa foi a observação de Judas.
CF.
Bernardo Soares (Fernando Pessoa),
s.d.
Livro
do Desassossego. Vol.I. Fernando Pessoa. (Organização e fixação de
inéditos de Teresa Sobral Cunha.) Coimbra: Presença, 1990.
- 186,7.
"Fase
decadentista", segundo António Quadros (org.) in Livro do
Desassossego, por Bernardo Soares, Vol I. Fernando Pessoa. Mem Martins:
Europa-América, 1986.
Curiosidades
1ª – A expressão “eterna saudade” é um ilogismo que deveria traduzir-se
propriamente como saudade do Eterno, ou seja, desejo de Deus. A saudade pelos
defuntos não só nos transporta o passado para o presente, enquanto afetuosa
recordação do tempo que já foi, mas também nos projeta para o futuro, enquanto
desejo de que os nossos antepassados estejam vivos na eternidade de Deus. Em
hebraico, a palavra “eternidade” deriva do verbo alam, que significa
“esconder”, pelo que, no sentido bíblico, eternidade significa “além do
horizonte”, apontando para algo distante e escondido no tempo e no espaço.
2ª – Antigamente, em algumas comunidades religiosas, deixava-se desocupado
na capela e no refeitório, durante 40 dias, o lugar de um irmão que tinha
falecido. Na capela faziam-se-lhe as
saudações do costume, como se ele estivera presente; dava-se-lhe o ósculo da
paz e dizia-se, na sua direção, o 'resquiescant in pace' do ofício coral. No
refeitório serviam-lhe a refeição diária e, acabada a refeição comum, vinha um
pobre comê-la de joelhos, rezando pelo defunto.
3ª – Os monges cartuxos, quando morrem, são enterrados na própria cartuxa.
As sepulturas não têm o nome dos defuntos, todas são anónimas e iguais.
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