sexta-feira, 2 de agosto de 2024

A pregação começa em casa


6ª feira – XVII semana comum

Nunca foi fácil pregar na mesma terra que nos viu crescer. O próprio Jesus, ao retornar a Nazaré, começou a ensinar na sinagoga e “a multidão, ao ouvir Jesus, perguntou-se com admiração: Onde é que este homem aprendeu tantas coisas? Onde ele conseguiu essa sabedoria e os milagres que realiza? E São Marcos acrescenta: Por isso não quiseram prestar atenção nele. Mas Jesus disse-lhes: Um profeta é honrado em toda parte, exceto na sua própria terra, entre os seus parentes e na sua própria casa. Não é de admirar que, apesar de estar entre os seus, Jesus não pudesse realizar ali nenhum milagre, a não ser impor as mãos sobre alguns enfermos e curá-los. E ele ficou surpreso porque aquelas pessoas não acreditavam nele.

 

Quando Bogotá era apenas uma pequena aldeia na extensa savana verde e fértil que os Muiscas outrora habitaram, uma jovem de uma família muito rica decidiu juntar-se a uma comunidade religiosa dedicada a cuidar de homens e mulheres idosos de recursos limitados. Depois de ter concluído o noviciado com as Irmãzinhas dos Pobres, longe da multidão enlouquecida, a jovem regressou à cidade que a viu crescer e onde a sua família era conhecida nos círculos da alta sociedade. Pouco depois recebeu sua primeira missão; Ela foi enviada para trabalhar em um abrigo muito pobre, localizado ao sul da cidade. Uma das tarefas que a nova freira tinha que cumprir semanalmente era sair às ruas para pedir esmola, pelo amor de Deus, aos transeuntes. Com esta ajuda, o trabalho que realizavam no abrigo foi apoiado.

 

Num sábado à tarde, a irmãzinha saiu com uma acompanhante para cumprir o dever de mendigar, caminhando pelas principais ruas de Bogotá. Enquanto caminhavam pela sétima avenida, muito movimentada naquele horário, a jovem foi reconhecida por um grupo de ex-colegas de escola e foliões. Os rapazes começaram a zombar das irmãzinhas. Um deles, liderando o grupo, adiantou-se para oferecer esmola, mas impôs uma condição... a jovem freira tinha que lhe dar um beijo se quisesse receber ajuda para seus idosos. A pequena freira, sem hesitar um momento, curvou-se diante do ex-amigo e beijou-lhe os pés diante do olhar atónito das pessoas que passavam pelo local. Então, ereta, como a sua dignidade, estendeu a mão para receber a oferta prometida. O zombador, cheio de vergonha, teve que cumprir o que havia prometido enquanto os seus companheiros escapavam com o rabo entre as pernas, como se costuma dizer.

 

Pregar entre pessoas conhecidas é uma tarefa muito complicada. Contudo, somos chamados a iniciar o nosso trabalho missionário na nossa própria casa. É aí que se torna real o anúncio que devemos levar ao mundo. Pregar entre estranhos é muito atraente e geralmente nos dá muita satisfação. Todos nós já vimos isso quando vamos a um acampamento missionário, a um dia de trabalho onde não nos conhecem. Sentimo-nos mais livres, menos condicionados pela nossa história pessoal, mais protegidos do nosso rabo de palha... E isso deve ser feito, não há necessidade de mais; Mas começar em casa ajuda a realizar o nosso trabalho a partir da humildade e da simplicidade de quem se sente enviado e não dono da salvação. Como a irmã mais nova dos pobres, talvez devamos humilhar-nos para receber a resposta que esperamos, porque sabemos que não é para nós, mas para o Senhor. (CF. Hermann Rodrigues Osório in Encontros com a Palavra)

À margem

A história de Fernão Capelo Gaivota

- Não é ele o filho do carpinteiro?

- Não és tu uma gaivota como nós?

Richard Bach conta a história de uma gaivota que pode ser a parábola de Jesus na sua terra.

Enquanto o bando das gaivotas reduzia a sua vida a ser umas oportunistas, Fernão Capelo Gaivota, sozinho e à distância, treinava o seu voo. Não era uma gaivota igual às outras. Passava o tempo a ensaiar movimentos e acrobacias de voo mais próprios de um falcão, obrigando-se a alongar a curva por mais um… só um… centímetro.

E foi nesse momento que as penas se lhe encresparam, perdeu sustentação e estatelou-se no mar. PUM! Risada geral do bando!

Qualquer gaivota sabe que certas acrobacias pura e simplesmente são para o falcão. Fernão Capelo Gaivota, há de aprender com os seus desaires que cada um nasce para o que nasce. E gaivota é gaivota e falcão é falcão!

- Mas afinal quem és tu?

Porém Fernão Capelo Gaivota recomeçou de novo.

A maioria das gaivotas não se preocupa em aprender mais do que o mínimo. No que se refere à arte de voar reduz-se a como ir da praia até à comida e como voltar. Para a maioria, o importante não é voar, mas comer. Mas, para esta gaivota concreta, o que importava, não era a comida, mas o prazer de voar e transcender-se.  Depressa descobriu que pensar assim não é a melhor maneira de se tornar popular entre as outras aves irmãs.

Até mesmo os seus pais ficavam consternados ao vê-lo passar dias inteiros, fazendo centenas de ensaios a baixa altitude, experimentando. Porquê, Fernão, porquê? – perguntava a mãe – porque é tão difícil ser igual ao resto do bando? Porque é que não deixas o voo rasante para os pelicanos ou para os albatrozes? Porque que é que tu não comes? Filho, tu não passas de penas e ossos! Não me importo em ser só penas e ossos, mãe. Quero apenas saber o que posso e o que não posso fazer no ar, só isso. Quero apenas saber. Fernão ainda tentou por algum tempo, mas acabou por se decidir: Eu poderia estar a aproveitar este tempo para aprender a voar. Há ainda tanta coisa para aprender!

Não demorou muito para Fernão Capelo Gaivota estar uma vez mais sozinho, em alto-mar, faminto, feliz, a tentar quebrar mais um recorde de velocidade.

Por mais cuidado que tomasse, e mesmo usando todas as suas habilidades, frequentemente perdia o controle a alta velocidade. Um dia estatelou-se na água, a 150Km/h. Foi como se tivesse embatido num duro tijolo. Quando recuperou os sentidos, ia a noite alta. Flutuava ao luar… O peso do fracasso… Pensou: Não há maneira de dar volta a isto. Eu sou uma gaivota. A natureza definiu-me com estas limitações. Se o meu destino fosse aprender tanta coisa sobre voar, teria incorporado um sensor de geolocalização; se fosse a minha sina voar a alta velocidade, teria as asas curtas do falcão e viveria de ratos, em vez de peixes. Tenho de voar de volta para o bando e ficar contente com o que sou, em ser uma pobre e limitada gaivota.

Desse momento em diante, jurou, seria uma gaivota normal. E essa decisão deixaria todos mais felizes… não haveria mais desafios e também mais nenhum fracasso. E se houvesse, seriam suportados pelo bando em conjunto… não passaria pelo peso nem da decisão individual nem com o viver com o peso das consequências da sua decisão individual.

“ASAS CURTAS! AS ASAS CURTAS DO FALCÃO! É ISSO MESMO! COMO NÃO PENSEI NISSO ANTES! Só preciso de um pouco de asa para voar! As pontas das asas! Subiu até 700 metros acima do mar escuro e, sem pensar no fracasso ou na morte, aproximou o primeiro segmento da asa bem juntinho ao corpo, deixando estendidas apenas as adagas das pontas voltadas para trás e mergulhou na vertical. Chegou aos 225 km/h. As promessas, feitas uns momentos antes, foram esquecidas; varridas por aquela lufada de inspiração. Nenhuma culpa sentiu por ter quebrado as promessas que momentos antes tinha feito a si mesmo.

 

Ver também:

Profetas em toda a parte

Jesus foi carpinteiro

Poucos milagres, pouca fé

O carpinteiro na sua terra

Humildade versus orgulho

Na oficina de São José

Mestre carpinteiro

Anunciar e denunciar

O carpinteiro de Nazaré

Parábola do carpinteiro

Sem olhar a quem

Fel e mel

O filho do carpinteiro

Profeta na sua terra

Jesus carpinteiro

Santos de casa

Sem fronteiras

Ninguém é profeta na sua terra

 

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