6ª feira – XVII semana comum
Nunca foi fácil pregar na mesma terra que nos
viu crescer. O próprio Jesus, ao retornar a Nazaré, começou a ensinar na
sinagoga e “a multidão, ao ouvir Jesus, perguntou-se com admiração: Onde é que
este homem aprendeu tantas coisas? Onde ele conseguiu essa sabedoria e os
milagres que realiza? E São Marcos acrescenta: Por isso não quiseram prestar
atenção nele. Mas Jesus disse-lhes: Um profeta é honrado em toda parte, exceto
na sua própria terra, entre os seus parentes e na sua própria casa. Não é de
admirar que, apesar de estar entre os seus, Jesus não pudesse realizar ali
nenhum milagre, a não ser impor as mãos sobre alguns enfermos e curá-los. E ele
ficou surpreso porque aquelas pessoas não acreditavam nele.
Quando Bogotá era apenas uma pequena aldeia
na extensa savana verde e fértil que os Muiscas outrora habitaram, uma jovem de
uma família muito rica decidiu juntar-se a uma comunidade religiosa dedicada a
cuidar de homens e mulheres idosos de recursos limitados. Depois de ter
concluído o noviciado com as Irmãzinhas dos Pobres, longe da multidão
enlouquecida, a jovem regressou à cidade que a viu crescer e onde a sua família
era conhecida nos círculos da alta sociedade. Pouco depois recebeu sua primeira
missão; Ela foi enviada para trabalhar em um abrigo muito pobre, localizado ao
sul da cidade. Uma das tarefas que a nova freira tinha que cumprir semanalmente
era sair às ruas para pedir esmola, pelo amor de Deus, aos transeuntes. Com
esta ajuda, o trabalho que realizavam no abrigo foi apoiado.
Num sábado à tarde, a irmãzinha saiu com uma
acompanhante para cumprir o dever de mendigar, caminhando pelas principais ruas
de Bogotá. Enquanto caminhavam pela sétima avenida, muito movimentada naquele
horário, a jovem foi reconhecida por um grupo de ex-colegas de escola e
foliões. Os rapazes começaram a zombar das irmãzinhas. Um deles, liderando o
grupo, adiantou-se para oferecer esmola, mas impôs uma condição... a jovem
freira tinha que lhe dar um beijo se quisesse receber ajuda para seus idosos. A
pequena freira, sem hesitar um momento, curvou-se diante do ex-amigo e
beijou-lhe os pés diante do olhar atónito das pessoas que passavam pelo local.
Então, ereta, como a sua dignidade, estendeu a mão para receber a oferta
prometida. O zombador, cheio de vergonha, teve que cumprir o que havia
prometido enquanto os seus companheiros escapavam com o rabo entre as pernas,
como se costuma dizer.
Pregar entre pessoas conhecidas é uma tarefa muito complicada. Contudo, somos chamados a iniciar o nosso trabalho missionário na nossa própria casa. É aí que se torna real o anúncio que devemos levar ao mundo. Pregar entre estranhos é muito atraente e geralmente nos dá muita satisfação. Todos nós já vimos isso quando vamos a um acampamento missionário, a um dia de trabalho onde não nos conhecem. Sentimo-nos mais livres, menos condicionados pela nossa história pessoal, mais protegidos do nosso rabo de palha... E isso deve ser feito, não há necessidade de mais; Mas começar em casa ajuda a realizar o nosso trabalho a partir da humildade e da simplicidade de quem se sente enviado e não dono da salvação. Como a irmã mais nova dos pobres, talvez devamos humilhar-nos para receber a resposta que esperamos, porque sabemos que não é para nós, mas para o Senhor. (CF. Hermann Rodrigues Osório in Encontros com a Palavra)
À margem
A história de Fernão Capelo Gaivota
- Não é ele o filho do carpinteiro?
- Não és tu uma gaivota como nós?
Richard Bach conta a
história de uma gaivota que pode ser a parábola de Jesus na sua terra.
Enquanto o bando das gaivotas reduzia a sua
vida a ser umas oportunistas, Fernão Capelo Gaivota, sozinho e à distância,
treinava o seu voo. Não era uma gaivota igual às outras. Passava o tempo a
ensaiar movimentos e acrobacias de voo mais próprios de um falcão, obrigando-se
a alongar a curva por mais um… só um… centímetro.
E foi nesse momento que as penas se lhe
encresparam, perdeu sustentação e estatelou-se no mar. PUM! Risada geral do
bando!
Qualquer gaivota sabe que certas acrobacias
pura e simplesmente são para o falcão. Fernão Capelo Gaivota, há de aprender
com os seus desaires que cada um nasce para o que nasce. E gaivota é gaivota e
falcão é falcão!
- Mas afinal quem és tu?
Porém Fernão Capelo Gaivota recomeçou de
novo.
A maioria das gaivotas não se preocupa em
aprender mais do que o mínimo. No que se refere à arte de voar reduz-se a como
ir da praia até à comida e como voltar. Para a maioria, o importante não é
voar, mas comer. Mas, para esta gaivota concreta, o que importava, não era a
comida, mas o prazer de voar e transcender-se.
Depressa descobriu que pensar assim não é a melhor maneira de se tornar
popular entre as outras aves irmãs.
Até mesmo os seus pais ficavam consternados
ao vê-lo passar dias inteiros, fazendo centenas de ensaios a baixa altitude,
experimentando. Porquê, Fernão, porquê? – perguntava a mãe – porque é tão
difícil ser igual ao resto do bando? Porque é que não deixas o voo rasante para
os pelicanos ou para os albatrozes? Porque que é que tu não comes? Filho, tu
não passas de penas e ossos! Não me importo em ser só penas e ossos, mãe. Quero
apenas saber o que posso e o que não posso fazer no ar, só isso. Quero apenas
saber. Fernão ainda tentou por algum tempo, mas acabou por se decidir: Eu
poderia estar a aproveitar este tempo para aprender a voar. Há ainda tanta
coisa para aprender!
Não demorou muito para Fernão Capelo Gaivota
estar uma vez mais sozinho, em alto-mar, faminto, feliz, a tentar quebrar mais
um recorde de velocidade.
Por mais cuidado que tomasse, e mesmo usando
todas as suas habilidades, frequentemente perdia o controle a alta velocidade.
Um dia estatelou-se na água, a 150Km/h. Foi como se tivesse embatido num duro
tijolo. Quando recuperou os sentidos, ia a noite alta. Flutuava ao luar… O peso
do fracasso… Pensou: Não há maneira de dar volta a isto. Eu sou uma gaivota. A
natureza definiu-me com estas limitações. Se o meu destino fosse aprender tanta
coisa sobre voar, teria incorporado um sensor de geolocalização; se fosse a
minha sina voar a alta velocidade, teria as asas curtas do falcão e viveria de
ratos, em vez de peixes. Tenho de voar de volta para o bando e ficar contente
com o que sou, em ser uma pobre e limitada gaivota.
Desse momento em diante, jurou, seria uma
gaivota normal. E essa decisão deixaria todos mais felizes… não haveria mais
desafios e também mais nenhum fracasso. E se houvesse, seriam suportados pelo
bando em conjunto… não passaria pelo peso nem da decisão individual nem com o
viver com o peso das consequências da sua decisão individual.
“ASAS CURTAS! AS ASAS CURTAS DO FALCÃO! É
ISSO MESMO! COMO NÃO PENSEI NISSO ANTES! Só preciso de um pouco de asa para
voar! As pontas das asas! Subiu até 700 metros acima do mar escuro e, sem
pensar no fracasso ou na morte, aproximou o primeiro segmento da asa bem
juntinho ao corpo, deixando estendidas apenas as adagas das pontas voltadas
para trás e mergulhou na vertical. Chegou aos 225 km/h. As promessas, feitas
uns momentos antes, foram esquecidas; varridas por aquela lufada de inspiração.
Nenhuma culpa sentiu por ter quebrado as promessas que momentos antes tinha
feito a si mesmo.
Ver também:
Ninguém é profeta na sua terra
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