segunda-feira, 3 de junho de 2019

Carta aos missionários


Carta aos missionários, escrita pelo Pe. Dehon há 100 anos atrás.

O Pe. Dehon escreveu mais ou menos ao mesmo tempo três cartas aos seus missionários que se preparavam para a Suécia, para o Brasil e para o Canadá. A primeira parece ter sido para os da Suécia. A introdução da carta aos missionários para o Brasil e para o Canadá é a mesma que a da Suécia. A do Brasil talvez foi escrita em 1919 (doze páginas manuscritas em francês) logo a seguir à Primeira Grande Guerra quando novos missionários se preparavam para ir até ao Brasil.












O Pe. Dehon visitou os seus missionários no Brasil em 1906

Aos meus missionários para o Brasil

Aos meus missionários
Quero deixar um incentivo especial aos meus queridos missionários. Eles vão para longe trabalhar no reino do Coração de Jesus à custa de grandes sacrifícios e grandes fadigas.
A sua vida é uma vida de reparação e de imolação como exige a nossa vocação. Que eles sejam generosos até o fim. Que o seu desejo seja morrer em missão para que o seu sacrifício seja completo e sem reservas. Que eles tenham em tudo uma intenção pura e uma visão sobrenatural.
Santo Inácio dizia àqueles que partiam para as missões distantes: "Lembre-te, meu irmão, que é o próprio Senhor que te envia às praias estrangeiras para seres o seu homem de negócios, o seu intendente, como se diria vulgarmente.”
Quanto a nós, devemos ser inteiramente inflamados do desejo de fazer conhecer e amar o Bom Mestre e o amor maravilhoso que o seu divino Coração nos testemunhou em todos os seus mistérios e que ainda nos manifesta todos os dias na Sagrada Eucaristia.

























Para o brasil
Também no Brasil já demos algumas vítimas para o reino do Coração de Jesus. Perdemos ali alguns sacerdotes piedosos e zelosos que oram pela missão.
Considero esta missão muito importante. O Brasil cresce rapidamente. Chegará a 40, a 50 milhões de habitantes. Ele será relevante no mundo. A Maçonaria e o Protestantismo entendendo isso, dirigem para lá os seus esforços. O clero não é ali muito numeroso, as vocações são raras. Este povo poderá tornar-se como Portugal e entregar-se às mãos dos sequazes do Anticristo.
Os missionários europeus podem salvar a fé do Brasil; mas se os religiosos fossem excluídos do Brasil, como foram de Portugal e da França, a Igreja do Brasil correria graves perigos.
Como foi lindo o começo da Igreja do Brasil! Eram santos os jesuítas que chegaram lá com o primeiro fervor da sua ordem. Eles viviam na pobreza e no sacrifício, eles semearam milagres sob os seus passos.
O povo tem uma veneração particular, mas fervorosa, pelo padre António Vieira, padre José de Anchieta, padre Nóbrega. Esse culto de reconhecimento e de admiração é precioso. Os nossos Padres devem procurar mantê-lo editando e divulgando as biografias desses santos bem como breves notas com imagens.
As reduções ou colónias de Índios organizadas pelos missionários eram uma maravilha da vida social cristã, fazendo lembrar as primeiras comunidades cristãs na Palestina. Estudai a história dessas colónias, ó socialistas, e vereis que para formar uma comunidade segundo o vosso ideal, será preciso primeiro fazer reinar entre os homens a humildade, o desapego, o sacrifício, a caridade, a dedicação fraterna. Isso só pôde vingar entre os primeiros cristãos, totalmente impregnados pelo espírito do Calvário, entre os Índios do Brasil e do Paraguai, que o batismo tornou simples como crianças, e ainda nas comunidades religiosas. Vamos lá, senhores socialistas, gostais do comunismo e da igualdade. Tornai-vos trapistas ou ressuscitai as reduções do Paraguai sob a direção dos jesuítas.
A influência portuguesa que tinha sido tão favorável ao Brasil pela ação dos jesuítas, tornou-se-lhe perniciosa pela tirania do Marquês de Pombal, loucamente apaixonado pelas utopias da Filosofia do século XVIII. Ele precisava devorar um jesuíta por dia. Ele foi o gênio mau do seu país e teve na Europa uma influência ruinosa.
O Brasil atualmente tem bons indícios de ressurreição. O seu clero organiza-se e os religiosos europeus dão-lhe um contributo considerável.
Fomos chamados para lá pela bela família De Menezes, que imitou em Pernambuco as obras sociais cristãs do Sr. Harmel de Val-des-Bois. Atualmente exercemos o ministério paroquial em quatro dioceses.
A fé do povo é tradicional, é pouco esclarecida e misturada com superstições. O povo é iletrado e escapa assim ao perigo da má imprensa, mas é preciso prevenir esse perigo.
O Brasil necessita de muito clero e de intenso trabalho. Três inimigos estão ali em ação: O Protestantismo, a Franco-maçonaria e o Positivismo.
O protestantismo tem pouca penetração na população indígena, muito apegada a manifestações e ao brilho do culto católico. Alguns nativos pobres deixam-se agarrar por dinheiro. Missionários zelosos e piedosos poderão facilmente tornar inócuo esse cancro. 
A velha Maçonaria do Brasil era quase inocente, não atacava o catolicismo e vivia de certa forma em harmonia com ele. Mas a vinda de imigrantes europeus mudou isso. Entram nas Lojas Brasileiras e aí injetam o veneno da maçonaria europeia, o desprezo e o ódio da Igreja, o espírito de perseguição e a preferência a tudo o que é anticatólico. É o exército do Anticristo que se prepara.
Os nossos missionários devem ser muito cautelosos diante dessas sociedades. O catecismo deve ensinar que elas são condenadas pela Igreja por causa de sua organização secreta e por causa das tendências que manifestam, na Europa especialmente, mas também na América de maneira impercetível. Os jornais inspirados pelo seu espírito antirreligioso devem ser condenados como perigosos para a salvação das almas e para o bem da sociedade.
Os nossos padres dirão às suas ovelhas que o Protestantismo é um navio sem bússola. Os Protestantes formam milhares de seitas. Eles não têm chefe, nem guia, nem símbolo. Eles não são uma igreja, eles são exatamente o contrário. Nosso Senhor organizou uma Igreja com um chefe supremo, sucessor de Pedro, e um episcopado que sucede aos apóstolos. Ele quer que haja um só rebanho sob o comando de um só Pastor e que os Bispos governem a Igreja em união com o seu chefe supremo, que é o vínculo da unidade.
Lutero e seus semelhantes não reformaram nada, eles deformaram o culto, o dogma e a moral.
Surpreende como o Positivismo ensinado por Augusto Comte fez prosélitos no Brasil. Os positivistas têm ali algumas capelas. No fundo, Comte é ateu. Ele herdou isso dos piores filósofos do século XVIII. Ele está abaixo de Voltaire, de Rousseau, de Robespierre, que eram deístas. Voltaire teve pelo menos a sabedoria para reconhecer o Criador nas suas obras: "O universo impressiona-me e não consigo pensar esse relógio sem um relojoeiro". Ele exprimia assim a prova convincente da existência de Deus baseada na maravilhosa organização do mundo.
No entanto, Comte percebendo que o homem é um ser naturalmente religioso queria apresentar-nos um novo culto organizado por todas as peças. É o culto da Humanidade, com ritos e iniciações que nos lembram os nossos sacramentos. É uma verdadeira palhaçada. Ninguém levou isso a sério na Europa. Espero que o Brasil logo se desfaça dessa excrescência, para sua própria honra.
O que é o culto da Humanidade? O homem adora a sua raça, a sua família humana. Não há razão para isso: a humanidade caída não é uma coleção de misérias e de vergonhas? Só conheço uma Humanidade que é adorável, a de nosso Senhor Jesus Cristo, Deus e homem.
Se Comte por positivismo entende o estudo do passado e a aceitação de tudo o que faz progredir o Verdadeiro, o Belo e o Bem, somos todos positivistas, mas acreditamos que a ajuda da Igreja, assistida por luzes divinas, nos é muito necessária para nos guardar do erro nesse estudo do passado.
Acima de tudo, queridos missionários, lembrai-vos que a primeira condição de sucesso nas missões é a santidade. Os primeiros apóstolos do Brasil eram santos e implantaram ali essa fé da qual encontrareis restos ainda muito vivos.
Ide com ardente desejo de viver lá como santos. Preparai-vos antes da partida com um retiro. Levai juntamente com a Regra e o Diretório, livros de leitura espiritual, bem escolhidos e bem adaptados à vossa vocação de missionários do Coração de Jesus.
Uma vez lá, reagi contra a tentação de dispersar demais as vossas forças. Devemos exercer o apostolado levando uma vida comunitária. As nossas Constituições exigem isso. Formai grupos. Tende uma casa central onde poderão fazer os retiros comunitários. Fazei os vossos exercícios espirituais de cada dia em comum. Em cada grupo, é preciso haver um regulamento que exija exercícios espirituais.
Sede muito prudentes nos vossos relacionamentos exteriores. Aceitai poucos convites. Fazei apenas visitas que sejam úteis para o vosso apostolado.
A adoração reparadora é entre nós um exercício fundamental, é a prática característica da nossa Congregação.
Não nos devemos contentar com a adoração privada, é preciso a adoração oficial, com o tabernáculo aberto. É com este ato de fé e de piedade que conquistareis o povo. É aqui que cumprimos diante do Coração de Jesus os nossos deveres de adoração, de amor, de reparação e de oração.
Para alcançar as almas, organizai o apostolado associativo. Formai irmandades do Coração de Jesus com reuniões regulares e um objetivo apostólico. Esses grupos separados de homens e de mulheres serão os vossos auxiliares. Eles vão ajudar-vos a reerguer as paróquias. Eles procurarão as crianças para batizar e instruir, os casamentos para regularizar, os doentes para visitar, os pecadores para converter. Eles vos fornecerão catequistas voluntários. Eles prepararão as festas populares que aproveitareis para promover as confissões e as comunhões.
São estes alguns conselhos muito breves e simples, meditá-los-ás diante do Coração de Jesus que derramará sobre eles a sua unção.
A Ele peço humildemente que faça frutificar o vosso apostolado e vos conceda as melhores bênçãos.

















Uma das tantas despedidas e envio de missionários a que presidiu o Pe. Dehon





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