terça-feira, 10 de agosto de 2010

Pai Nosso de Gil Vicente

O Pai Nosso de cada dia (55)

Pai Nosso que estás no Céu

Como almas limpas e puras,
Direis isto ao Senhor,
Firmando-o por criador
E ai das criaturas,
Que estás no céu imperador;
E direis, com grande amor:
Seja louvado
Teu nome e santificado,
Neste nosso orbe menor
Como és no céu adorado.

E direis a sua alteza:
O teu reino venha a nós;
Em que pedis fortaleza
E mais pedis fortaleza
E mais pedis para nós
Graça e desperta limpeza
E mais perfeita grandeza
De bondade;
E pedia à deidade
Que, por toda a redondeza
Seja feita a sua vontade.

Direis mais esta oração,
Sempre com espírito atento
E com pronta devoção:
Faze-nos mercê do pão
Do nosso sustentamento.
Porque o certo mantimento,
Mais fecundo,
Não se criará cá no fundo,
Nem a neve nem o vento,
Nem na terra nem no fundo.

E pedi-lhe, filhos, mais,
Com choros do coração,
Que nos dê uma quitação
Das dívidas em que lhe estais
De vossa condenação.
Isto com tal condição
Lho pedireis,
Que assim perdoareis
Os males que vos farão
E, se não, não no espereis.

E com gemente tentação
Lhe haveis, filhos, de pedir
Que vos não deixe cair
Nem nenhuma tentação
Que vos possa destruir.
Pois não podeis resistir
Às tentações
Sem Deus, que vence os dragões
Que vos querem destruir,
Por engano, os corações.

E mais pedi, por final,
Humildes e devotos,
Ao pai sobrenatural
Que, nos perigos ignotos,
Vos livre de todo o mal.

(Cf. GIL VICENTE, Auto da Cananeia, representado em 1534).


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