Os defeitos dos bons
As
virgens prudentes foram imprudentes em 4 coisas: Nas
obras, nas palavras, nos pensamentos e nas omissões.
Imprudentes de obra,
porque dormiram quando haviam de vigiar; no segundo, foram imprudentes de
palavras porque disseram não baste quando haviam de dizer não sobeje; no
terceiro, foram imprudentes de pensamento porque cuidaram que
arriscando-se pela caridade, podiam correr perigo; no quarto foram imprudentes
de omissão porque ao menos não pediram por quem lhes pedia. Elas não
pediram nem intercederam por quem lhe pediu.
As virtudes dos maus
As
virgens néscias foram oito vezes prudentes:
Primeiramente
as néscias para se salvarem escolheram o estado de virgens enquanto
muitos cristãos tomam o estado da torpeza, da sensualidade ou do adultério. São
mais néscios que elas.
As
néscias, em segundo lugar, saíram de suas casas, mas saíram a acompanhar o
Esposo. E os homens ordinariamente a que saem? Uns saem só a sair, que é
perder tempo, outros saem a ver e ser vistos, outros saem a jogar, a pleitear,
a murmurar, que é perder o dinheiro, a fama e a consciência; e ainda quando
saem à igreja que é as menos vezes, saem a ofender e injuriar a Deus em sua
própria casa. São mais néscios que as néscias.
As
néscias em terceira prudência é verdade que adormeceram e dormiram, mas tanto
que ouviram a primeira voz, ou o primeiro clamor de que vinha o esposo, no mesmo
ponto se levantaram. Quantas vezes clamam os pregadores nos púlpitos
quantas vezes clamam dentro no peito as próprias consciências, quantas vezes
clama o mesmo Deus com as vozes e com os brados de todas as criaturas, sem
abrir os olhos, nem espertar, continuando a dormir cegos como dantes. Somos nós
mais néscios que as néscias!
As
néscias, quarta prudência, ornaram as suas lâmpadas e o mundo onde tanto
se trata hoje de ornato, de que ornato é que trata? Galas e mais galas para o
corpo, sedas e mais sedas para o corpo, ouro e mais ouro, joias e mais joias,
vaidades e mais vaidades para o corpo. E a pobre alma, desprezada, rota, despida, envergonhada sem ter com que cobrir a fealdade e ignomínia… Somos mais
néscios que as néscias.
As
néscias, quinta prudência, vendo que se lhes apagavam as lâmpadas, com ser
cousa de tanta repugnância o pedir aos iguais, não duvidaram, nem
repararam em pedir às companheiras. Quantos há que querem antes roubar que
pedir? Quantos que querem antes vender a alma e ainda o corpo que pedir?
Quantos e quantas que querem antes dar-se ao demónio que pedir, nem ao mesmo
Deus? Somos mais néscios que as néscias.
As
néscias, e vai a sexta prudência, ainda que as prudentes lhes não quiseram dar o óleo
tomaram contudo o conselho que lhes deram de que o fossem comprar. Quantas
vezes nos dão bons conselhos os pais? Quantas vezes nos dão bons conselhos os
amigos? Os livros, os anjos da guarda por meio das inspirações? Bons conselhos
os exemplos, os castigos e nós contudo tão loucos e tão desaconselhados somos
mais néscios que elas.
As
néscias, sétima prudência, sem reparar no trabalho nem no dinheiro, nem na
autoridade, foram comprar o óleo às tendas. E nós sendo que tudo nos custa,
e tudo compramos, e a tão caros preços, só o céu não queremos comprar. Há
dinheiro para o apetite, há dinheiro para a vaidade, para a vingança, para o
jogo, para a peito, mas não há dinheiro para a restituição, para a esmola, para
as capelas e obrigação… e quando não queremos o céu de graça, para comprarmos
ao peso de ouro o inferno, não falta dinheiro. Mais néscios somos que elas.
As
néscias finalmente, e é a oitava prudência, vieram ainda que tarde, bateram
à porta do céu e chamaram muitas vezes pelo esposo. Elas vieram, bateram e
chamaram; nós nem viemos, nem batemos, nem chamamos, antes está a representação
e a tragédia tão trocada em tudo, que Deus é o que vem, e nós fugimos; Deus o
que chama, e nós não respondemos; Deus o que bate e nós não abrimos. Vem Deus e
está batendo, e chamando do nosso coração e nós respondemos às três pessoas da
Santíssima Trindade: Não vos conheço. As virgens que tiveram as lâmpadas acesas
com boas obras entraram, as que as tiveram apagadas, ficaram de fora. Nós somos
piores que estas últimas.
(Cf
sermão do Pe. António Vieira, em outubro de 1654, no colégio dos Jesuítas na Ilha de são Miguel, Açores)
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