terça-feira, 16 de setembro de 2014

Educação cristã e virtudes da infância (IV)


               Resta-nos falar da pureza. Vimos a educação cristã ensinar à criança a fé, o amor, o respeito, a coragem. Para completar a educação e concluir esta obra-prima, falta ainda a única coisa que salvaguarda e embeleza estas quatro coisas, aquilo que dá ao homem o complemento da sua beleza: a auréola de uma angélica pureza.
               Há na pureza da infância e da juventude uma beleza superior às demais, que deve sofrer a prova dos assaltos da carne e da volúpia, e que a filosofia sozinha é impotente a preservar. É preciso acrescentar que a educação cristã é verdadeiramente a sua única defesa.
               Razão tinha De Maistre quando dizia vendo certos colégios: “O olhar do sábio detém-se dolorosamente sobre esta massa de jovens em que as virtudes são isoladas e os vícios postos em comum.” Sim, é com estranho espanto que os pais e as mães e todos os que se preocupam com as almas contemplam este estranho espetáculo: duas ou três centenas de crianças, no momento em que os sentidos despertam e as paixões fervem, atiradas para esta atmosfera incandescente, e os mestres a pairar numa indiferença tranquila acima destas tempestades dando-se por satisfeitos se conseguirem manter nesta loucura ardente uma ordem de conveniência e uma disciplina imposta. Sem dúvida que a filosofia sabe ensinar à criança, que submeter a carne ao espírito é o primeiro dever do homem e que a pureza é a honra da juventude, mas conhece-se o poder desta vaga moral sobre as paixões ardentes.
               A educação cristã possui luzes penetrantes, forças dominadoras e influências vitoriosas que a filosofia desconhece.
               A educação cristã dá à alma da criança cintilações sublimes que dão à pureza que lha pede uma coroa celeste e lhe dá uma atração divina. É ela que ensina à criança que o seu corpo é um templo, a sua alma um santuário, o seu coração um sacrário, onde JESUS CRISTO vivo vem morar. É ela que revela à criança, no tesouro da sua inocência, o preço do sangue de um Deus. É ela por fim que faz aparecer, mas alturas do céu, o ideal da pureza, irradiando do rosto de CRISTO e da Virgem Imaculada sobre a humanidade cristã.
               Com a luz que mostra a pureza, é necessária na vontade uma força que a natureza sozinha não pode dar.
               Esta força vem do banho fortificante e regenerador em que a Igreja nos mergulha com todos os seus sacramentos; encontra-se nas águas da penitência e no caudal do sangue de JESUS CRISTO; encontra-se na confissão e na comunhão, e nesta pura atmosfera formada em torno da criança por todas as práticas santas.
               Ah! Sem dúvida, isto não quer dizer que nenhuma criança abusará da sua liberdade e não se sentirá pobre no meio de toda esta riqueza; mas o que é verdade, é que a maior parte, num meio onde se distribui a educação cristã, conservará até aos dezoito anos a sua pureza ainda intacta ou gloriosamente reparada depois das feridas do combate.
               Recorro novamente às nossas testemunhas.
               Uma criança de dezasseis anos escrevia no seu caderno orações como esta: “Virgem Maria, sei que vos devo tudo; é a vós que dou graças por tudo, mas em particular pela pureza que me conservastes até este dia e que me conservareis durante toda a vida, não é?, ó Virgem Imaculada! Tomo o céu e a terra como testemunhas do meu juramento, sim, mais de mil vezes a mais cruel morte do que um só pecado contra a santa virtude!
               Outro “teve de travar grandes lutas contra as suas paixões, porque tinha um temperamento muito ardente, mas ao mesmo tempo dotado da energia que normalmente acompanha estes caracteres, sabia reprimir os impulsos da sua natureza”.
               Um terceiro ia completar dezassete anos, e no entanto “a serenidade do olhar, a franqueza expressiva do sorriso, a simplicidade da linguagem, a modéstia das suas maneiras, não sei que aspeto encantador de reserva virginal e de abandono infantil, tudo nele deixava transparecer a inocência do coração”.
               Para outro: “eu conheci, diz uma testemunha, este excelente jovem e fui depositário das suas confidências. Não vos direi nada da admirável pureza da sua alma, da delicadeza da sua consciência. A virtude que tínheis admirado na criança encontrava-se ainda no jovem mais madura, fortalecida, embelezada pela luta e pelas vitórias. Tudo o que tinha aspeto de mal inspirava-lhe ou horror ou desprezo”.
               Aqui, recolho o juízo dos colegas: “nunca ouvi sair da sua boca qualquer palavra ainda que fosse pouco leviana”. – “A sua qualidade dominante era, a meu ver, a modéstia”.
               Ali, é um mestre que envia um aluno ao responsável superior: “Quanto aos seus costumes e à sua piedade, não se preocupe: é uma criança perfeita. Para mim que o acompanhei durante quatro anos, nunca o surpreendi, não só uma palavra, mas nem sequer um olhar, um sorriso, um gesto, uma atitude, que fosse indício de uma virtude diminuída”.
               São alguns extratos; eu poderia completar um volume. Apresento apenas mais um que põe frente a frente os dois sistemas da educação e respetivos. Uma criança tinha sido enviada primeiro para uma casa pouco cristã. “Lá, diz a sua biografia, a imoralidade reinava por entre os seus colegas; ela era quase geral: se não o atingiu, se ele se conservou puro, só se o pode atribuir à piedade que a sua mãe lhe tinha incutido, à sua prudência na escolha dos amigos e à forma como se aplicava ao trabalho em todo o curso dos seus estudos. Estas felizes qualidades atraíram sobre ela o ódio e a inveja dos seus rivais; estes moveram-lhe pirraças e perseguições secretas.
               Os desgostos que sofreu nesta casa e sobretudo os perigos que corria a sua inocência levaram os pais a tirá-lo de lá para o meter numa casa eclesiástica. A sua piedade já sólida, pareceu então encontrar-se no seu ambiente natural e cresceu consideravelmente no meio de bons exemplos que tinha sob os seus olhos”.
               Nós sabíamos e agora vemos de maneira palpável esta verdade de facto: a mais bela das virtudes da infância reina principalmente nas casas da educação cristã.
               Quero terminar com um contraste. Copio o retrato do colegial dos nossos dias, traçado por um escritor que tem um dos primeiros lugares na Revista dos Dois Mundos e que é, nesta circunstância, apenas o eco da opinião comum (Georges Sand).
               “O adolescente, diz ele, ou é educado de uma maneira excecional ou então deixa de existir. O que nós vemos todos os dias é um colegial mal educado, infetado por algum vício grosseiro que já destruiu no seu ser a santidade do primeiro ideal; ou, se, por milagre, a pobre criança escapou a esta peste das escolas, é impossível que tenha conservado a castidade da imaginação ou a santa ignorância da sua idade… É feio, mesmo quando a natureza o dotou de beleza… tem o aspeto envergonhado e nunca vos olha nos olhos.
               As carícias da sua mãe fazem-no corar; dir-se-á que se reconhece indigno… Ser-lhe-ão necessários anos para perder o fruto desta detestável educação, para perder esta marca de fealdade que uma infância desgraçada e o embrutecimento da escravidão imprimiram na sua fronte, para olhar com serenidade e erguer a cabeça… Mas já as paixões se apoderaram dele; nunca terá conhecido os afetos puros de que acabo de falar”.
               É este, segundo parece, o retrato do adolescente de hoje, quando não é educado de maneira excecional. Se assim é, pais e mães de família, procurai para os vossos filhos essa educação excecional, e estou convencido de que a encontrareis nas casas de educação cristã. Mostrei-o nestes traços que recolhi de cem biografias diversas. Queria mostrá-lo nos vossos filhos, mas não se louva os vivos e além do mais, para a maior parte deles, a sua tenra idade desculpa-lhes a falta ainda de alguma virtude.
               Não posso ainda no nosso caso louvar os defuntos. Nascemos há pouco tempo. Todavia o céu enviou-nos já a mais amável das nossas crianças e arrebatou-a o ano passado. A sua vida poderia ser objeto de uma notícia não menos interessante do que qualquer outra. Julgai por algumas linhas extraídas da alocução proferida no seu funeral: “Saúdo, dizia o seu venerável pároco, saúdo os restos mortais desta criança de catorze anos com o mesmo respeito com que saudaria o ancião vergado pela vida e de virtude consumada. Oiço, com efeito, o livro da sabedoria que nos diz: O que torna venerável a velhice, não é a longevidade da vida, mas a prudência do homem ainda que jovem que substitui os cabelos brancos, e a vida sem mancha, ainda que curta, é uma feliz e gloriosa velhice. Vós que conhecestes o Eugénio, dizei-me, esta singela pincelada dada pelo próprio espírito de DEUS, não traz até aos nossos olhos a figura pura e radiante do nosso querido menino? Quem não trocou com encanto algumas palavras com ele? Quem não se sentiu atraído por ele? Quem não se achou melhor ao separar-se dele? A piedade era a base desta natureza essencialmente cristã. A piedade foi porventura entrave para o cultivo da inteligência? Vede: no confronto com espíritos de elite, qual é o seu lugar? O primeiro invariavelmente. Ele tem no quadro de honra um lugar garantido, e quando os seus mestres queriam citar um modelo para o trabalho, para a obediência, para a educação e as boas maneiras, eles diziam: Vede o Eugénio” (Eugénio Savard, d’Origny-Saint-Benoît. – Discurso pronunciado no seu funeral por M. Abade Jardinier).
               Este quadro condiz com o que nos ofereceu há pouco o escritor que se assina por Georges Sand.
               Voltemos a ler agora a objeção que ressoou este ano na imprensa e na tribuna: “A educação cristã não é capaz de produzir a virtude.” Ela espanta-vos, não é? E o seu atrevimento faz-vos sorrir.
               A vossa confiança está reanimada; era esse o meu objetivo. Entrego-vos agora, pais e mães, os vossos filhos. Eles vão receber as recompensas do seu trabalho, esperando triunfos mais brilhantes num cenário mais elevado, em que hão de imitar, assim o espero, os mais velhos que conseguiram este ano cinco diplomas de bacharelato.
               De seguida Monsenhor se dignar-se-á dar-lhes a sua bênção, depois partirão fortes e alegres para praticar durante as férias as virtudes que são as amáveis companheiras da educação cristã: a piedade, a pureza, a energia e o afeto.

               

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