sexta-feira, 12 de setembro de 2014

Educação cristã e virtudes da infância (II)


               O que disse da fé e da piedade, quero dizê-lo do afeto e das qualidades do coração; a educação cristã é a mais apropriada para os fazer florir, sobretudo quando é dada por homens consagrados a DEUS. A criança chega ao colégio com um coração largamente aberto. A família e sobretudo a mãe desenvolveram nela esta capacidade de amar. Só deseja poder expandir-se. Toda a arte da educação cristã consistirá em não propor a esta atividade servir objetos legítimos e santos. Quão belo é o coração que só abraça na terra a virtude e a ciência, a Igreja e a pátria, a família e as santas amizades!
               Mas o afeto só se deixa guiar pelo afeto, e para que um mestre possa dirigir o coração da criança, é preciso primeiro que conquiste este coração amando-o como o fazem um pai e uma mãe. Esse afeto, paternal e maternal ao mesmo tempo, onde encontrá-lo, fora da família, mais seguramente a não ser no coração daqueles que bebem diariamente da fonte onde se alimentou um são João apóstolo, um santo Agostinho e um são Francisco de Sales, um são Vicente de Paulo? Quem poderá substituir este fogo sagrado? Será o sentimento do dever que obriga todo o educador a amar? Mas o dever é austero e frio, e as suas obrigações abstratas não podem substituir o calor da caridade. Será o interesse bem entendido que manda o mestre educar bem, isto é educar com afeto as crianças que lhe são confiadas? A criança não saberá distinguir este afeto interessado da inimitável caridade? Será a bondade natural? Será A criança é naturalmente amável. Sim, até à hora do capricho ou da paixão nascente. Pais e mães, encontrareis só nos corações unidos estreitamente ao coração do Redentor alguma coisa que imita e reproduz, diante dos vossos filhos, a paixão da dedicação e do sacrifício que consome os vossos.
               Abramos o nosso livro de ouro e tomemos, a este respeito, esta afeição enobrecida pela fé.
               Estes corações são ardentes, têm afeto suficiente para expandir por sua vez sobre os seus pais, mestres, colegas, sobre os pobres.
               Um, depois do regresso às aulas, escreve à mãe: “Como te peço perdão pelos incómodos que te causei durante as férias! Como me arrependo! Vou esforçar-me por ter boas notas, a fim de te fazer cada vez mais feliz e fazer-te esquecer as minhas faltas. Quando penso nisto, o coração sangra-me. Não podes imaginar como o meu coração se desfaz só ao pensar que te desgostei. Como quereria penitenciar-me por esta loucura momentânea! Como lamento! Lamento sobretudo a tristeza!” – E tratava-se somente de uma ligeira desobediência.
               Outro tinha adquirido o comovedor hábito de nunca ir para a cama sem antes ter recebido a bênção dos seus pais. “Uma noite, conta ele, como a minha mãe, descontente comigo durante o dia, tinha recusado abençoar-me e se tinha furtado às minhas impertinências retirando-se para o quarto, ajoelhei-me à sua porta chorando lágrimas quentes e suplicando que voltasse. Perto das duas horas da manhã, vendo que eu soluçava em vão e sentindo que a minha glândula lacrimal ameaçava secar, recorri, para conseguir que se abrisse a nova Sésamo, a um procedimento pouco vulgar: juntei todas as cadeiras da sala de jantar e, depois de as ter disposto como obstáculos de pista de corrida, entreguei-me a um exercício de ginástica tão barulhento que depois de um quarto de hora de exercício a minha mãe apareceu cheia dum medo que logo se transformou num riso irreprimível. Quem ri, diz o provérbio, já perdoou; pude assim deitar-me às três horas da manhã, com a sua bênção que consegui com o suor do meu rosto, e mudando a sentença: “Mais vale tarde do que nunca”, noutro da minha lavra: “mais vale de madrugada do que nunca.” É um facto, original sem dúvida, mas que revela bem um coração, não é verdade?
               Outro escrevia à irmã mais velha: “Eu esforço-me, sou muito ajuizado, mesmo assim tive notas baixas que bem mereci, mas somente por causa de pequenas misérias. Se isto não causasse tanta pena aos meus pais, eu facilmente me consolaria, mas quando penso que vão sofrer e sentir-se infelizes, não posso deixar de sentir uma profunda aflição. Isto não passou de um descuido, de pouco de distração. Ah! Se eu pudesse receber outro castigo, não importa qual, para evitar este desgosto aos nossos bons pais!... Se eles vão pensar que sou ingrato… Tudo isto me acabrunha, já não aguento mais… Tu vais talvez dizer-me que fico demasiado triste por tão pouco. Sem dúvida que é pouco, e no entanto é tudo, pois causa desgosto aos meus queridos pais”.
               De um outro, leio este simples pormenor: “Nunca deixou sem responder nenhuma das cartas vindas da família durante os sete anos dos seus estudos”.
               Estes são os factos que dizem o que valem os corações. Devo acrescentar, todavia, que estes corações, tão ardentes de amor filial, me pareceriam cristãmente imperfeitos, se não os visse transbordar de um afeto análogo pelos seus mestres.
               Prossigamos a nossa investigação. Cá está um bilhete escrito depois de um dia de mau humor: “Caro professor, como deve ter sofrido hoje! Como fui ingrato para consigo, não é? Desgostei a Nosso Senhor ao mostrar-me tão pouco ajuizado. Mas o divino Mestre é tão bom! Ele já me perdoou, estou certo, as minhas negligências, e ouso dizer… o meu orgulho. Mas depois do perdão do Senhor falta o do professor. Este ser-me-á também concedido, assim espero. Cheio de confiança, atrevo-me a escrever-lhe estas palavras para lhe mostrar que se o desgostei, estou arrependido. Não voltará a repetir-se outro dia, não é?, em que esta má cabeça torne a fazer das suas. Reze por mim, para que o orgulho saia do meu coração e eu seja doravante mais digno do seu afeto”.
               O segredo destes laços, vê-se numa carta de um aluno novato à sua mãe: “Dou graças ao Bom Deus por me ter colocado em tão excelente casa. Os professores não são duros como nos outros colégios: longe de desprezar os alunos, mostram-nos afeto, e até se juntam aos nossos jogos… Asseguro-vos, minha mãe, que me encontro bem, que só tenho pena de estar longe de si”.
               Mas aqui está o que é mais característico; a carta de um estudante de direito em excursão de férias: “Adivinhai, minha mãe, estou quase louco de alegria no momento em que lhe escrevo. Porquê? Dou-lhe cem por cento de tudo o que quiser. Adivinhe? – Não? – Estou muito longe de si, e todavia salto de satisfação. Para não a fazer esperar mais tempo a revelação do enigma, digo-lhe que vou rever o colégio onde fui educado. Esta querida casa que deixei, há já tanto tempo, vou tornar a vê-la daqui a algumas horas. Poderei voltar a passear pelas suas alamedas que foram tantas vezes testemunhas das minhas brincadeiras! Com o coração a palpitar vou ver a sala de estudo onde trabalhei, as salas de aula onde triunfei, a capela onde gozei instantes de uma alegria tão doce e tão pura!”. No dia seguinte, depois de ter aberto o seu coração numa alegre narração, acrescentava: “Fiquei satisfeito não só pelos meus colegas como também pelos meus antigos mestres; todos aqueles que ainda me conheceram mostraram-me o apego mais terno. Ao despedir-me derramei lágrimas. Como gostaria de voltar a fazer esta viagem de tempos a tempos! Parece-me que isto retemperaria a minha alma.”
               Da caridade para com os pobres, direi apenas uma palavra. Só as casas de educação cristã conhecem as associações de caridade com a visita às famílias e os pequenos sacrifícios feitos diariamente em seu favor.
               Pais e mães de família, dizei-me, não gostaríeis de ver os corações dos vossos filhos numa semelhante lista?


Sem comentários: