quinta-feira, 11 de setembro de 2014

Educação cristã e virtudes da infância (I)

QUARTO DISCURSO
ACERCA DA EDUCAÇÃO CRISTà
E DAS VIRTUDES DA INFÂNCIA

Discurso pronunciado na distribuição de prémios do Instituto São João, a 4 de Agosto de 1880. V. “A Semana Religiosa da Diocese de Soissons e Laon”, 7º Ano, 1880, p. 556, Distribuição de prémios e pp. 588-589, Instituto São João, de São Quintino. 4º Discurso “Acerca da Educação Cristã e das virtudes da Infância”, in “A Educação e o Ensino Segundo o Ideal Cristão”, pp. 321-335 do IV Volume das Obras Sociais do Pe. Leão Dehon, Edizione CEDAS (Centro Dehoniano Apostolato Stampa) – Andria, 1985.

               Monsenhor,
               Pais e mães de família,
               Meus filhos,

               Todos os anos por esta altura, encontramo-nos reunidos. Se auscultarmos as palpitações do nosso coração, é sempre com uma doce e alegre emoção. A natureza e a graça conspiram harmoniosamente para criar misteriosos laços entre o bispo, os pastores, os pais, os mestres e os alunos. Mais ou menos conscientemente, formamos um todo. Há entre nós atractivos divinos: de um lado a confiança e o amor filial, e do outro ternura, solicitude e bênçãos, doce conjunto em que o afeto é o nó, em que o respeito marca a ordem, e em que a fé, ajudada pelo sentimento da arte, se compraz em contemplar a beleza ideal.
               Nos anos anteriores V. Excia. Revma. estava ausente de corpo, mas presente em espírito e de coração, como se dignou escrever-nos. Este ano, está no meio de nós, por isso a festa não é sem tristeza e a alegria sem reserva.
               Mas, este encontro anual, que objetivos tem? Encontrar-se, faz bem; sentir o bater dos corações em união com os nossos, consola e fortifica; unir as mãos dos pais espirituais com as dos pais segundo a natureza para coroar estas crianças bem-amadas, é bom; mas não é tudo.
               No espaço dum ano, mais do que um golpe foi desferido contra o laço que nos une. O erro e a ignorância tentaram rompê-lo. Este laço encontra toda a sua força, pais e mães, na confiança que depositais no ensino cristão. Quantas vozes em cada ano tendam abalar em vós este sentimento! O ataque é constante na sua energia e variado na sua forma. Nós aproveitamos a ocasião destas festas anuais para dispersar as nuvens que os inimigos ergueram; proclamamos juntos a nossa fé e reanimamos o nosso entusiasmo.
               Há dois anos, a palavra de ordem era: A religião é o obscurantismo. Nós arregaçámos as mangas e dissemos: A religião é a luz das letras, das ciências e das artes.
               O ano passado, a hipocrisia ousava dizer-nos: Vós não sois patriotas. Nós abrimos as páginas da nossa história e dissemos: Vede, a religião na França chama-se Genoveva de Paris, Joana d’Arc, Carlos Martel, Bayard, Duguesclin, Condé; e nestes últimos tempos, os soldados saídos das nossas escolas religiosas não salvaram a honra derramando o seu sangue mais abundantemente que os demais, a quem não negamos, no entanto, o pleno direito de se dizerem patriotas?
               Este ano, não vos parece que uma imprensa nas garras da mentira tentou privar a moral do cristianismo da sua auréola celeste? O logro é grosseiro, sem dúvida, só pode enganar os cegos. Todavia é CRISTO e a Igreja nossa mãe que foram atacados. A título de reparação, exaltemos sob qualquer um destes seus aspetos a santidade cristã. Disse-se até nas altas esferas: A moral cristã é imperfeita e a Educação cristã não forma para a virtude. A provocação não nos apanha desprevenidos, estamos prontos para responder a isso.

I

               A nossa tese é esta: As virtudes da infância encontram na fé e na educação cristã uma base sólida e um crescimento maravilhoso.
               Formulada desta maneira, esta afirmação entra no plano da grande apologia cristã; é como que a primeira página e a mais graciosa. É a verificação na infância e na educação cristã do grande ato da restauração universal por CRISTO. CRISTO engrandeceu tudo: Letras, ciências, artes, pátria, família. Ficaria apenas a infância fora desta exaltação? Não. Contemplai os sublimes quadros que desenvolveram através dos séculos, os mestres do pensamento cristão; chamam-se essas obras capitais “Cidade de DEUS”, “Génio do Cristianismo”, “Defesa da Igreja católica”, “Progresso por CRISTO”, nelas encontrareis sempre aquela cena sedutora que é a infância cristã revestida de amabilidade, pureza, doçura, força, modéstia. É para este retrato que eu quero atrair os vossos olhares. Ele é duplamente atraente, porque é o ideal sob o qual gostais de contemplar estes entes queridos pelos quais os vossos corações de pais e de mães palpitam hoje com tanta emoção.
               Sejamos consequentes para alcançar as convicções. Diremos primeiro aquilo que nos parece ser a perfeição na infância. Veremos depois se os princípios da educação cristã são adequados para a realizar. Procuraremos saber por fim se os factos bem conseguidos são apropriados para provar que esses princípios produziram aquilo que deles se podia esperar.
               Quais são os traços mais acentuados deste ideal de beleza? É bela, não é verdade, a criança prostrada diante de Deus, semelhante ao anjo da oração! É bela perto da sua mãe ou daqueles que partilham com ela o privilégio da ternura e da dedicação, quando o afeto brilha no seu rosto, quando os seus lábios o expressam, quando o seu olhar o pinta e ele transborda do seu coração! É bela a criança que se inclina diante de tudo o que representar DEUS: pai, mãe, educador ou ministro do altar: o respeito na criança, é a ordem, e a ordem é um raio da beleza. É belo o adolescente quando, diante do livro, que contém a ciência que ele ambiciona, a sua cabeça ligeiramente enrugada anuncia o esforço vitorioso do obstáculo! É belo o jovem que traz nos seus traços já viris a marca da energia consciente da sua força! A todos estes traços, acrescentai o da pureza, quer se trate da candura da infância inocente ou do encanto da frescura mantida apesar das lutas até chegar à maturidade.
               Tais são, não é verdade, as principais características desse ideal que procuramos. A piedade, o amor, o respeito, o trabalho, a energia e a pureza são como reflexos ou perfumes desta flor celeste que é a juventude virtuosa preservada do contacto das corrupções da terra.
               São os princípios da educação cristã capazes de realizar este ideal? Para o primeiro traço que descrevemos, a resposta é fácil. Gostamos de ver a criança inclinada diante do seu Criador, oferecer-Lhe, com as suas filiais adorações, as ternas efusões da sua confiante oração e do seu puro afeto. Quem a conduzia melhor do que a educação católica? Ela desenvolve a sua fé ao mesmo tempo que a sua razão. Ela inicia-a bem cedo no seu culto, integra-a nas suas festas, prepara-a para o angélico festim da Eucaristia, e ao mesmo tempo revela-lhe progressivamente os motivos e a razão da sua fé. Ela possui desde o princípio, e sem disso ter consciência, as riquezas da razão e da fé postas ao seu alcance pela educação cristã. A sua razão, desenvolvendo-se, ilumina o ensino que recebeu e justifica a autoridade que lho deu. A sua inteligência coloca novamente, e desta vez com plena liberdade, a sua alma aos pés do seu Deus. A sua fé sente-se apoiada na fé deste mundo de almas que começaram pelo grupo dos Apóstolos e que abarca hoje os dois hemisférios. Ouve atrás de si o testemunho de quinze milhões de mártires; verifica que a afirmação da sua mãe e dos seus mestres está em conformidade com a afirmação da ciência e do génio, com a afirmação dos Agostinhos, dos Jerónimos, dos Anselmos, dos Tomás de Aquino, dos Bossuet e dos Fénelon que se sucedem desde há vinte séculos. Remonta até à afirmação divina dada pelo Verbo de DEUS confirmada pelas suas obras e que desce novamente do Verbo de Deus aos seus mestres e à sua mãe pela sucessão dos pontífices e pela hierarquia da Igreja. Nunca duvidou, não duvidará jamais, e a sua fé é eminentemente razoável. E o seu amor vive desta fé, e a sua vida é uma comunhão sublime com o seu Deus.
               Correspondem os factos aos princípios? Encontramos de facto nas casas de educação francamente cristãs estes anjos da terra cuja piedade sincera é um traço desta beleza ideal que nos encanta? É preciso descer da teoria à história. Temos nós dados que nos forneçam argumentos sérios? Seja-me permitido antes de mais nada observar que um princípio de conduta proposto a inteligências livres e a corações apaixonados, nunca será posto em prática em toda a sua plenitude nem por todos aqueles a quem foi revelado. A Igreja, para justificar a santidade e a fecundidade da sua moral, apenas precisa de provar que o seu ensino só produz santos, mas apenas que os produz sempre, e que cada época pode mostrar aqueles que, souberam elevar-se a um grau heroico se as virtudes que a maioria pratica menos perfeitamente e que alguns até desconhecem. Não provou a sua santidade, quando nos apresentou por exemplo os seus Francisco Xavier, levando aos reinos de um outro continente a civilização cristã; as suas Teresas e as suas Joanas de Chantal, fazendo transbordar a virtude dos seus claustros até à sociedade mundana, à nobreza e à corte; e os Vicente de Paulo, levando ajuda a todas as misérias e a todas as indigências? A Igreja tem esta honra e não a partilha com nenhuma outra doutrina. Nem as igrejas separadas, nem o livre-pensamento escreveram a vida dos seus santos, o que nos leva a crer que não contam com um grande número deles.
               Temos nós algum testemunho análogo para provar a influência da educação cristã nas virtudes próprias da infância? Eu creio e quero que julgueis.
               Não há nenhuma das nossas casas de ensino, eclesiásticas ou religiosas, que não tenha o que se poderia chamar o seu livro de ouro onde estão registados esses gloriosos testemunhos de virtude, e eis como. – Todas as casas de educação têm por vezes a dor de perder alguma das suas crianças, prematuramente apanhada pela morte, desde logo o segredo destas vidas colhidas em flor pertence por assim dizer à história. Se essa vida foi semeada de virtudes mais que ordinárias, e se os mestres dessa casa prezam a edificação dos seus discípulos, vem-lhes à ideia recolher estas recordações amáveis que imortalizam assim essas vidas que a morte quis truncar. Quis colecionar aquilo que chamarei as flores de gracioso canteiro da infância. Contam-se por centenas as variedades, não só esparsas em curtas biografias, como também reunidas em volumes. Pois bem! Devo confessar que não as encontrei fora das casas cristãs, tal como também não encontrei vidas de santos fora da Igreja católica. Para mim, este testemunho está acima de qualquer contestação. E se encontro nestas informações o perfume destas virtudes que procuro, sinto-me autorizado a concluir que estas virtudes reinam nestas casas, e que é só lá, ou lá principalmente, que se deve procurá-las. Façamos uma aplicação imediata. Eu disse que os princípios da educação cristã são capazes de produzir nas crianças esta primeira manifestação da virtude que é a piedade para com Deus e pergunto se a prática corresponde à teoria. Bem! As notícias a que me refiro estão cheias de testemunhos como este (Estas passagens são extraídas das notícias publicadas pelos colégios eclesiásticos ou de Congregações de Besançon, Nîmes, Toulouse, St.-Acheul, Poitiers, etc.): “Admirei muito a sua piedade, e penso nunca ter encontrado uma criança que soubesse rezar melhor; a sua atitude era já uma oração”. – “A sua piedade era sincera, sem sombra de afetação; mais de uma vez, aqueles que tinham cada dia debaixo dos olhos este espetáculo, foram surpreendidos pelo seu porte modesto, e pela sua atitude recolhida”. – “Observei muito este jovem na capela: tínhamos lá um santo”. – “Ele era piedoso, mas sem ostentação, nem sombra de respeito humano. Eu vejo-o ainda de braços em cruz, os olhos docemente baixos, respondendo às orações com sua voz nítida e pausada”. – “Muitos asseguraram que junto dele na igreja, nunca deixaram de ser tocados pelo seu recolhimento e pelo seu fervor.”
               Vós pensais que só descrevi uma destas crianças de elite; é um erro. Nestas poucas linhas, fiz passar diante dos vossos olhos cinco, e se fosse necessário uma centena, encontrá-la-ia. Mas este assunto, penso eu, é menos contestado; Vamos em frente.

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