QUARTO DISCURSO
ACERCA DA EDUCAÇÃO CRISTÃ
E DAS VIRTUDES DA INFÂNCIA
E DAS VIRTUDES DA INFÂNCIA
Discurso
pronunciado na distribuição de prémios do Instituto São João, a 4 de Agosto de
1880. V. “A Semana Religiosa da Diocese de Soissons e Laon”, 7º Ano, 1880, p.
556, Distribuição de prémios e pp. 588-589, Instituto São João, de São
Quintino. 4º Discurso “Acerca da Educação Cristã e das virtudes da Infância”,
in “A Educação e o Ensino Segundo o Ideal Cristão”, pp. 321-335 do IV Volume
das Obras Sociais do Pe. Leão Dehon, Edizione CEDAS (Centro Dehoniano
Apostolato Stampa) – Andria, 1985.
Monsenhor,
Pais e mães de família,
Meus filhos,
Todos os anos por esta altura,
encontramo-nos reunidos. Se auscultarmos as palpitações do nosso coração, é
sempre com uma doce e alegre emoção. A natureza e a graça conspiram
harmoniosamente para criar misteriosos laços entre o bispo, os pastores, os
pais, os mestres e os alunos. Mais ou menos conscientemente, formamos um todo.
Há entre nós atractivos divinos: de um lado a confiança e o amor filial, e do
outro ternura, solicitude e bênçãos, doce conjunto em que o afeto é o nó, em
que o respeito marca a ordem, e em que a fé, ajudada pelo sentimento da arte,
se compraz em contemplar a beleza ideal.
Nos anos anteriores V. Excia.
Revma. estava ausente de corpo, mas presente em espírito e de coração, como se
dignou escrever-nos. Este ano, está no meio de nós, por isso a festa não é sem
tristeza e a alegria sem reserva.
Mas, este encontro anual, que
objetivos tem? Encontrar-se, faz bem; sentir o bater dos corações em união com
os nossos, consola e fortifica; unir as mãos dos pais espirituais com as dos
pais segundo a natureza para coroar estas crianças bem-amadas, é bom; mas não é
tudo.
No espaço dum ano, mais do que um
golpe foi desferido contra o laço que nos une. O erro e a ignorância tentaram
rompê-lo. Este laço encontra toda a sua força, pais e mães, na confiança que
depositais no ensino cristão. Quantas vozes em cada ano tendam abalar em vós
este sentimento! O ataque é constante na sua energia e variado na sua forma.
Nós aproveitamos a ocasião destas festas anuais para dispersar as nuvens que os
inimigos ergueram; proclamamos juntos a nossa fé e reanimamos o nosso
entusiasmo.
Há dois anos, a palavra de ordem
era: A religião é o obscurantismo. Nós arregaçámos as mangas e dissemos: A
religião é a luz das letras, das ciências e das artes.
O ano passado, a hipocrisia
ousava dizer-nos: Vós não sois patriotas. Nós abrimos as páginas da nossa
história e dissemos: Vede, a religião na França chama-se Genoveva de Paris,
Joana d’Arc, Carlos Martel, Bayard, Duguesclin, Condé; e nestes últimos tempos,
os soldados saídos das nossas escolas religiosas não salvaram a honra
derramando o seu sangue mais abundantemente que os demais, a quem não negamos,
no entanto, o pleno direito de se dizerem patriotas?
Este ano, não vos parece que uma
imprensa nas garras da mentira tentou privar a moral do cristianismo da sua
auréola celeste? O logro é grosseiro, sem dúvida, só pode enganar os cegos.
Todavia é CRISTO e a Igreja nossa mãe que foram atacados. A título de
reparação, exaltemos sob qualquer um destes seus aspetos a santidade cristã.
Disse-se até nas altas esferas: A moral cristã é imperfeita e a Educação cristã
não forma para a virtude. A provocação não nos apanha desprevenidos, estamos
prontos para responder a isso.
I
A nossa tese é esta: As virtudes
da infância encontram na fé e na educação cristã uma base sólida e um
crescimento maravilhoso.
Formulada desta maneira, esta
afirmação entra no plano da grande apologia cristã; é como que a primeira
página e a mais graciosa. É a verificação na infância e na educação cristã do
grande ato da restauração universal por CRISTO. CRISTO engrandeceu tudo:
Letras, ciências, artes, pátria, família. Ficaria apenas a infância fora desta
exaltação? Não. Contemplai os sublimes quadros que desenvolveram através dos
séculos, os mestres do pensamento cristão; chamam-se essas obras capitais
“Cidade de DEUS”, “Génio do Cristianismo”, “Defesa da Igreja católica”,
“Progresso por CRISTO”, nelas encontrareis sempre aquela cena sedutora que é a
infância cristã revestida de amabilidade, pureza, doçura, força, modéstia. É
para este retrato que eu quero atrair os vossos olhares. Ele é duplamente
atraente, porque é o ideal sob o qual gostais de contemplar estes entes
queridos pelos quais os vossos corações de pais e de mães palpitam hoje com
tanta emoção.
Sejamos consequentes para
alcançar as convicções. Diremos primeiro aquilo que nos parece ser a perfeição
na infância. Veremos depois se os princípios da educação cristã são adequados
para a realizar. Procuraremos saber por fim se os factos bem conseguidos são
apropriados para provar que esses princípios produziram aquilo que deles se
podia esperar.
Quais são os traços mais
acentuados deste ideal de beleza? É bela, não é verdade, a criança prostrada
diante de Deus, semelhante ao anjo da oração! É bela perto da sua mãe ou
daqueles que partilham com ela o privilégio da ternura e da dedicação, quando o
afeto brilha no seu rosto, quando os seus lábios o expressam, quando o seu
olhar o pinta e ele transborda do seu coração! É bela a criança que se inclina
diante de tudo o que representar DEUS: pai, mãe, educador ou ministro do altar:
o respeito na criança, é a ordem, e a ordem é um raio da beleza. É belo o
adolescente quando, diante do livro, que contém a ciência que ele ambiciona, a
sua cabeça ligeiramente enrugada anuncia o esforço vitorioso do obstáculo! É
belo o jovem que traz nos seus traços já viris a marca da energia consciente da
sua força! A todos estes traços, acrescentai o da pureza, quer se trate da
candura da infância inocente ou do encanto da frescura mantida apesar das lutas
até chegar à maturidade.
Tais são, não é verdade, as
principais características desse ideal que procuramos. A piedade, o amor, o
respeito, o trabalho, a energia e a pureza são como reflexos ou perfumes desta
flor celeste que é a juventude virtuosa preservada do contacto das corrupções
da terra.
São os princípios da educação
cristã capazes de realizar este ideal? Para o primeiro traço que descrevemos, a
resposta é fácil. Gostamos de ver a criança inclinada diante do seu Criador,
oferecer-Lhe, com as suas filiais adorações, as ternas efusões da sua confiante
oração e do seu puro afeto. Quem a conduzia melhor do que a educação católica?
Ela desenvolve a sua fé ao mesmo tempo que a sua razão. Ela inicia-a bem cedo
no seu culto, integra-a nas suas festas, prepara-a para o angélico festim da
Eucaristia, e ao mesmo tempo revela-lhe progressivamente os motivos e a razão
da sua fé. Ela possui desde o princípio, e sem disso ter consciência, as
riquezas da razão e da fé postas ao seu alcance pela educação cristã. A sua
razão, desenvolvendo-se, ilumina o ensino que recebeu e justifica a autoridade
que lho deu. A sua inteligência coloca novamente, e desta vez com plena
liberdade, a sua alma aos pés do seu Deus. A sua fé sente-se apoiada na fé
deste mundo de almas que começaram pelo grupo dos Apóstolos e que abarca hoje
os dois hemisférios. Ouve atrás de si o testemunho de quinze milhões de
mártires; verifica que a afirmação da sua mãe e dos seus mestres está em
conformidade com a afirmação da ciência e do génio, com a afirmação dos
Agostinhos, dos Jerónimos, dos Anselmos, dos Tomás de Aquino, dos Bossuet e dos
Fénelon que se sucedem desde há vinte séculos. Remonta até à afirmação divina
dada pelo Verbo de DEUS confirmada pelas suas obras e que desce novamente do
Verbo de Deus aos seus mestres e à sua mãe pela sucessão dos pontífices e pela
hierarquia da Igreja. Nunca duvidou, não duvidará jamais, e a sua fé é
eminentemente razoável. E o seu amor vive desta fé, e a sua vida é uma comunhão
sublime com o seu Deus.
Correspondem os factos aos
princípios? Encontramos de facto nas casas de educação francamente cristãs
estes anjos da terra cuja piedade sincera é um traço desta beleza ideal que nos
encanta? É preciso descer da teoria à história. Temos nós dados que nos
forneçam argumentos sérios? Seja-me permitido antes de mais nada observar que
um princípio de conduta proposto a inteligências livres e a corações
apaixonados, nunca será posto em prática em toda a sua plenitude nem por todos
aqueles a quem foi revelado. A Igreja, para justificar a santidade e a
fecundidade da sua moral, apenas precisa de provar que o seu ensino só produz
santos, mas apenas que os produz sempre, e que cada época pode mostrar aqueles
que, souberam elevar-se a um grau heroico se as virtudes que a maioria pratica
menos perfeitamente e que alguns até desconhecem. Não provou a sua santidade,
quando nos apresentou por exemplo os seus Francisco Xavier, levando aos reinos
de um outro continente a civilização cristã; as suas Teresas e as suas Joanas
de Chantal, fazendo transbordar a virtude dos seus claustros até à sociedade
mundana, à nobreza e à corte; e os Vicente de Paulo, levando ajuda a todas as
misérias e a todas as indigências? A Igreja tem esta honra e não a partilha com
nenhuma outra doutrina. Nem as igrejas separadas, nem o livre-pensamento
escreveram a vida dos seus santos, o que nos leva a crer que não contam com um
grande número deles.
Temos nós algum testemunho
análogo para provar a influência da educação cristã nas virtudes próprias da
infância? Eu creio e quero que julgueis.
Não há nenhuma das nossas casas
de ensino, eclesiásticas ou religiosas, que não tenha o que se poderia chamar o
seu livro de ouro onde estão
registados esses gloriosos testemunhos de virtude, e eis como. – Todas as casas
de educação têm por vezes a dor de perder alguma das suas crianças,
prematuramente apanhada pela morte, desde logo o segredo destas vidas colhidas
em flor pertence por assim dizer à história. Se essa vida foi semeada de
virtudes mais que ordinárias, e se os mestres dessa casa prezam a edificação
dos seus discípulos, vem-lhes à ideia recolher estas recordações amáveis que
imortalizam assim essas vidas que a morte quis truncar. Quis colecionar aquilo
que chamarei as flores de gracioso canteiro da infância. Contam-se por centenas
as variedades, não só esparsas em curtas biografias, como também reunidas em
volumes. Pois bem! Devo confessar que não as encontrei fora das casas cristãs,
tal como também não encontrei vidas de santos fora da Igreja católica. Para
mim, este testemunho está acima de qualquer contestação. E se encontro nestas
informações o perfume destas virtudes que procuro, sinto-me autorizado a
concluir que estas virtudes reinam nestas casas, e que é só lá, ou lá
principalmente, que se deve procurá-las. Façamos uma aplicação imediata. Eu
disse que os princípios da educação cristã são capazes de produzir nas crianças
esta primeira manifestação da virtude que é a piedade para com Deus e pergunto
se a prática corresponde à teoria. Bem! As notícias a que me refiro estão
cheias de testemunhos como este (Estas passagens são extraídas das notícias
publicadas pelos colégios eclesiásticos ou de Congregações de Besançon, Nîmes,
Toulouse, St.-Acheul, Poitiers, etc.): “Admirei muito a sua piedade, e penso
nunca ter encontrado uma criança que soubesse rezar melhor; a sua atitude era
já uma oração”. – “A sua piedade era sincera, sem sombra de afetação; mais de
uma vez, aqueles que tinham cada dia debaixo dos olhos este espetáculo, foram
surpreendidos pelo seu porte modesto, e pela sua atitude recolhida”. –
“Observei muito este jovem na capela: tínhamos lá um santo”. – “Ele era
piedoso, mas sem ostentação, nem sombra de respeito humano. Eu vejo-o ainda de
braços em cruz, os olhos docemente baixos, respondendo às orações com sua voz
nítida e pausada”. – “Muitos asseguraram que junto dele na igreja, nunca
deixaram de ser tocados pelo seu recolhimento e pelo seu fervor.”
Vós pensais que só descrevi uma
destas crianças de elite; é um erro. Nestas poucas linhas, fiz passar diante
dos vossos olhos cinco, e se fosse necessário uma centena, encontrá-la-ia. Mas
este assunto, penso eu, é menos contestado; Vamos em frente.
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