Lições
do Menino Jesus
Segundo
a obra de D. Leonor de Noronha: “Este livro é do começo da história da nossa
redenção, que se fez para consolação dos que não sabem latim” Lisboa 1552.
1.
São José olhava para a Virgem Maria, cheio de angústia. Se desejava entregá-la
de novo à família, não era por mal, mas sim por se julgar indigno de viver
portas adentro com Nossa Senhora, a virgem prometida pelos profetas. O certo é
que ambos sofriam. E Nossa Senhora, vendo andar José coidoso, suplicava a Deus
que lhe valesse naquela aflição. Deus permitiu que ela sofresse muito.
Por conseguinte também
nós havemos aqui de semear lágrimas, para sacar no céu alegrias.
2.
Grande foi o conforto da Virgem Maria, quando José lhe contou a aparição do
anjo, a explicar-lhe o mistério que tanto o embaraçava: ela era a Mãe de Deus.
Agora sim, que
deleitação dos amantes falar nos amados.
3.
Uma vez ordenado o recenseamento de todo o império, José e Nossa Senhora meteram-se
a caminho de Belém pois dali era a tribo a que pertenciam.
Somos nós tão soberbos
e mal ensinados que não queremos obedecer aos senhores e justiças temporais…
sem murmurarmos.
4.
A Virgem Maria chegou a Belém, desejosa de achar onde se metesse. Os
forasteiros eram muitos e pagavam bem as pousadas. Todos respondiam que Nossa
Senhora estava para dar à luz e certamente desejaria uma casa toda. E desta
forma andaram de porta em porta, como os mendigos.
Quanto a nós, tiremos
daqui uma lição: Não queiramos ter pousada no mundo, porque esta vida é
caminho! Nele nascemos e nele andamos para a pátria celeste.
5.
À meia-noite São José acordou com um grande lume que alumiava a casa. Então viu
Nossa Senhora de joelhos e mãos erguidas, e nisto nasceu o Senhor: abaixou-se a
Senhora Nossa e tomou-o nas mãos, alevantando-o do chão, e adorou aquele
pequenino menino e grande Deus, grande Deus segundo a divindade, pequeno
segundo a humanidade, em que era seu filho.
Para ver o grande Deus
já não é preciso olhar para o alto, basta olhar em frente.
7.
A Virgem Maria envolveu a criança em panos porque fazia muito frio.
Vestido de paninhos
baratos e pobres, veio mostrar aos homens que melhor é pobreza que riqueza.
8.
Qual é o coração que não se derrete em lágrimas ao ver Deus feito menino e
lançado em manjedouras de bestas?
Assim o reclinou Nossa
Senhora, porque não achou outro melhor lugar entre os homens.
9.
Os anjos foram dar a boa nova aos pastores: nasceu-vos hoje o vosso Salvador.
Grande mistério ter
Deus revelado tão altos segredos a tão rudes pastores! E eles conheceram que
toava no céu o que viram chorar no presépio.
10.
O sinal dos anjos aos pastores para reconhecerem o Menino Jesus foi este:
Deitado numa manjedoira! Assim não se enganariam.
Por isso, grande
vergonha devem ter os pastores da igreja de terem grandes paços e bem
aparamentados pois o sinal que o anjo deu do bom pastor foi que estava posto no
presépio embrulhadinho em paninhos.
11.
Gaspar, Belchior e Baltasar ofereceram oiro, incenso e mirra. Onde parava São
José nessa altura? Talvez tivesse ido buscar cavacos, para aquecer o menino.
A Virgem contou-lhe
como vieram ali os Magos e mostrou os dons e ofertas que lhe deixaram,
alegrando-se de ter assim o que dar aos pobres.
12.
No exílio do Egipto, São José, Nossa Senhora e o Menino Jesus viviam na cidade
chamada Heliópolis talvez em casa alugada. E São José andaria a pedir esmola
para pagar a renda, levando consigo a Virgem Maria com o filho ao colo.
Deste modo, aprendeu o Senhor
a sofrer necessidades e a doer-se tanto dos pobres que dá o paraíso a quem lhes
der um púcaro de água.
CF
Mário Martins, in D. Leonor de Noronha e o Menino Jesus, Brotéria, Vol LXXIV,
Janeiro de 1962, nº 1, página 57-67
D.
Leonor de Noronha, é uma figura da cultura portuguesa do século XVI, tendo
nascido, segundo parece em 1488 na cidade de Évora. Era filha de D. Fernando de
Meneses e de D. Maria Freire de Andrade que foram os primeiros condes de
Alcoutim. Dedicou toda a sua vida aos livros e nunca quis casar. Morreu aos
setenta e cinco anos, em Évora a 17 de Fevereiro de 1563.
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