sábado, 31 de outubro de 2009

Todos os Santos


1 de Novembro

Dia de todos os Santos ou dos Santos todos

Do Padre António Vieira, Sermão de Todos os Santos, Lisboa,1608 - Bahia,1697.

"A festa mais universal e a festa mais particular,
a festa mais de todos e a festa mais de cada um,
é a que hoje celebra e nos manda celebrar a Igreja.

É a festa mais universal e mais de todos, porque, começando pela fonte de toda a santidade, que é Cristo, e pela Rainha de todos os santos, que é a Virgem Santíssima, fazemos festa hoje a todas as hierarquias dos anjos, fazemos festa aos patriarcas e aos profetas, aos apóstolos e aos mártires, aos confessores e às virgens. E não há bem-aventurado na Igreja triunfante, ou canonizado ou não canonizado, ou conhecido ou não conhecido na militante, que não tenha a sua parte ou o seu todo neste grande dia.

É também o mais particular e mais próprio de cada um, porque hoje se celebram os santos de cada nação, os santos de cada reino, os santos de cada religião, os santos de cada cidade, os santos de cada família. Vede quão nosso e quão particular é este dia. Não só celebramos os santos desta nossa cidade, senão cada um de nós os santos da nossa família e do nosso sangue. Nenhuma família de cristãos haverá tão desgraciada que não tenha muitos ascendentes na glória.

Fazemos pois hoje festa a nossos pais, a nossos avós, a nossos irmãos, e os que tendes filhos no céu, ou inocentes ou adultos, fazeis também festa hoje a vossos filhos. Ainda é mais nossa esta festa, porque, se Deus nos fizer mercê de que nos salvemos, também virá tempo, e não será muito tarde, em que nós entremos no número de todos os santos, e também será nosso este dia. Agora celebramos, e depois seremos celebrados: agora nós celebramos a eles, e depois outros nos celebrarão a nós. Esta última consideração, que é tão verdadeira, foi a que fez alguma devoção à minha tibieza neste dia tão santo, e quisera tratar nele alguma matéria que nos ajude a conseguir tão grande felicidade.

Pois, que é necessário para ser santo?
Uma só coisa, e muito fácil, e que está na mão de todos, que é a boa consciência ou limpeza de coração: Beati mundo corde (Bem-aventurados os puros de coração).
Olhai como Deus quis facilitar o céu e o ser santos, que pôs a bem-aventurança e santidade numa coisa que ninguém há que não tenha, e a mais livre e mais nossa, que é o coração. Assim como o coração é a fonte da vida, assim é também a fonte da santidade; e assim como basta o coração para viver, ainda que faltem outros membros e sentidos, assim, e muito mais, basta a pureza de coração para ser santo, ainda que tudo o mais falte.

Se o ser santo dependera dos olhos, não fora santo Tobias, que era cego;
se dependera dos pés, não fora santo Jacob, que era manco;
se dependera de algum outro membro do corpo, não fora santo Job, que estava tolhido de todos, e só lhe ficou a língua;
e, ainda que não tivera língua, também fora santo, porque Santa Cristina, sendo-lhe a língua cortada, louvava a Deus com o coração, e com o coração, sem língua, eram tais as suas vozes, que as ouviam não só os anjos no céu, senão também os circunstantes na terra.
De sorte que, para um homem ser santo, não é necessário coisa alguma fora do homem, nem ainda é necessário todo o homem: basta-lhe uma só parte, e essa a primeira que vive e a última que morre, para que lhe não possa faltar em toda a vida, que é o coração.

Tendo o coração puro, e ou vos faltem ou sobejem todas as outras coisas, nem a falta vos será impedimento, nem a abundância estorvo para ser santo.

A mais poderosa inclinação e o mais poderoso apetite do homem é desejar ser.
Sede Santos.
Não está o erro em desejarem os homens ser,
mas está em não desejarem ser o que importa.
Uns desejam ser ricos,
outros desejam ser nobres,
outros desejam ser sábios,
outros desejam ser poderosos,
outros desejam ser conhecidos e afamados,
e quase todos desejam tudo isto,
e todos erram.
Só uma coisa devem os homens desejar ser,
que é ser santos.
Se sois tão amigos e tão ambiciosos de ser, sede santos,
e sereis, porque tudo o que não é ser santo, é não ser.
Sede rei, sede imperador, sede papa:
se não sois santo, não sois nada.

Pelo contrário, ainda que sejais a mais vil
e mais desprezada criatura do mundo,
se sois santo,
sois tudo o que pode chegar a ser o maior
e mais bem afortunado homem,
porque sois como aquele que só é e só tem ser, que é Deus.
Todo o outro ser, por maior que pareça, não é,
porque vem a parar em não ser.
Só o ser santo é o verdadeiro ser,
porque é o que só é, e o que há de permanecer por toda a eternidade.

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