quarta-feira, 7 de outubro de 2009

Em tempo de eleições

A Palavra do Pe. António Vieira
(Sermão da Primeira Dominga do Advento pregado na Capela Real, no ano de 1650)


Se o que elegestes furta (não o ponhamos em condicional, porque claro está que há-de furtar) furta o que elegestes, e furta por si e por todos os seus, como costumam os semelhantes; e Deus há-vos de pedir a conta a vós, porque o vosso voto foi causa de todos aqueles roubos.

Prove o que elegestes os ofícios de paz e guerra, nos que têm mais que peitar, deixando os que merecem e os que serviram; e vós haveis de dar a conta a Deus; porque o vosso voto foi causa de todas aquelas injustiças.

Oprime o que elegestes os pobres choram as viúvas, padecem os órfãos, clamam os inocentes; e Deus vos há-de condenar a vós, porque o vosso voto foi causa de todas aquelas opressões, de todas aquelas tiranias.

Matam-se os homens no governo dos que elegestes, arruínam-se as casas, desonram-se as famílias, vive-se como em Turquia; e vós o haveis de ir pagar ao Inferno, porque o vosso voto foi causa de todos aqueles homicídios, de todas aquelas afrontas, de todos aqueles escândalos.

Quebram-se as imunidades da Igreja, maltratam-se os ministros do Evangelho, impedem-se as conversões da Gentilidade para a propagação da Fé; e vós haveis de penar por isso eternamente, porque o vosso voto foi causa de todos aqueles sacrilégios, de todas aquelas impiedades e da perda irreparável de tantos milhares de almas.

Estas são as consequências da parte do indigno que elegestes.

E da parte dos beneméritos que deixastes de fora, quais serão?

Ficarem os mesmos beneméritos sem o prémio devido a seus serviços; ficarem seus filhos e netos sem remédio e sem honra, depois de seus pais e avós lho terem ganhado com o sangue, porque vós lha tirastes; ficar a república mal servida, os bons escandalizados, os príncipes murmurados, o governo odiado, o mesmo conselho em que assistis ou presidis, infamado, o merecimento sem esperança, o prémio sem justiça, o descontentamento com culpa, Deus ofendido, o Rei enganado, a Pátria destruída. São pesadas e pesadíssimas consequências estas? Pois todas elas nascem daquele voto ou daquela eleição de que vós porventura ficastes sem escrúpulo e de que recebestes as graças (e talvez a propina) com muita alegria. Dir-me-eis que não advertistes tais coisas. Boa escusa para um conselheiro sábio!
Se o não advertistes, pecastes, porque o devêreis advertir.

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