Memória do B. Bartolomeu dos Mártires
(1514-1590) arcebispo de Braga, que no próximo dia 10 de novembro será
canonizado como santo da Igreja universal.
Há 400 anos, assim se realçava o zelo
evangélico e pastoral em relação ao rebanho que lhe tinha sido confiado:
“Era fim de Janeiro, tempo ventoso e
frigidíssimo. Deixou o abrigo e chaminés dos seus paços, foi-se experimentar os
maus caminhos e piores gasalhados das aldeias... Mas queixavam-se os seus que
não podiam aturar a continuação do trabalho, dos caminhos, das invernadas; ele
só, com trabalhar mais que todos; sofria desassombradamente todas as
incomodidades; e nos caminhos, por fragosos e ásperos que fossem, era o
primeiro que os acometia, pondo-se na dianteira. Passavam um dia de um lugar
para outro. Salteou-os uma chuva fria e importuna, que os não largou na maior
parte da jornada; e corria um vento agudo e desabrigado, que os congelava. Tinha-se
adiantado o Arcebispo, segundo seu costume, que era caminhar quase sempre só
pera se ocupar com mais liberdade em suas contemplações; e ia fazendo matéria
de tudo quanto via no campo e na serra, para louvar a Deus. Ofereceu-se-lhe à
vista, não longe do caminho, posto sobre um penedo alto e descoberto ao vento e
à chuva, um menino pobre e bem mal reparado de roupa, que vigiava umas
ovelhinhas que ao longe andavam pastando. Notou o Arcebispo a estância, o
tempo, a idade, o vestido, a paciência do pobrezinho: e viu juntamente que ao
pé do penedo se abria uma lapa, que podia ser bastante abrigo para o tempo.
Movido de piedade, parou, chamou-o, e disse-lhe que se descesse abaixo pera a
lapa e fugisse da chuva, pois não tinha roupa bastante pera a esperar.
– Isso não! – respondeu o pastorinho, –
que, em deixando de estar alerta e com o olho aberto, vem logo o lobo e leva-me
a ovelha, ou vem a raposa e mama-me o cordeiro!
– E que vai nisso? – disse o Arcebispo.
– A mi me vai muito – tornou ele, – que
tenho pai em casa, que pelejará comigo, e tão bom dia se não forem mais que
brados. Eu vigio o gado, ele me vigia a mim: mais vale sofrer a chuva...
Não quis o Arcebispo dar mais passo.
Esperou que chegassem os da sua companhia, contou-lhes o que se passara com o
menino e acrescentou:
– Este esfarrapadinho inocente ensina a
Frei Bartolomeu a ser Arcebispo! Este me avisa que não deixe de acudir e
visitar minhas ovelhas, por mais tempestades que fulmine o céu; que, se este,
com tão pouco remédio pera as passar, todavia não foge delas, respeitando o
mandado do pai mais que o descanso, que razão poderei eu dar, se, por medo de
adoecer ou padecer um pouco de frio, desemparar as ovelhas cujo cuidado e vigia
Cristo fiou de mim, quando me fez pastor delas?”
(Cf. Vida de Frei Bartolomeu dos
Mártires, por Frei Luís de Sousa, 1619)
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