Em dia de aniversário natalício agradeço a Deus que me deu a graça de terminar mais uma volta completa ao sol. Que eu nunca me canse de dar cada dia uma volta em mim mesmo, e este ano foram 366 vezes. Agradeço também a quem quis festejar comigo esta data.
Partilho 3 poemas:
1º - o salmo 138 (139) que pode ser considerado o mais apropriado para o
dia de aniversário. É o que a Igreja sugere para o dia ao nascimento de São
João Baptista.
Refrão: Eu Vos dou graças, Senhor,
porque maravilhosamente me criastes.
Senhor, Vós conheceis o íntimo do meu ser:
sabeis quando me sento e quando me levanto.
De longe penetrais o meu pensamento:
Vós me vedes quando caminho e quando
descanso,
Vós observais todos os meus passos.
Vós formastes as entranhas do meu corpo
e me criastes no seio de minha mãe.
Eu Vos dou graças
por me terdes feito tão maravilhosamente:
admiráveis são as vossas obras.
Vós conhecíeis já a minha alma
e nada do meu ser Vos era oculto,
quando secretamente era formado,
modelado nas profundidades da terra.
2º - o salmo 89 (90) que pode ser considerado o mais apropriado para a velhice
ou a terceira idade.
Senhor, tendes sido o nosso refúgio, *
de geração em geração.
Antes de se formarem as montanhas †
e nascer a terra e o mundo, *
desde toda a eternidade Vós sois Deus.
Vós reduzis o homem ao pó da terra *
e dizeis: «Voltai, filhos de Adão».
Mil anos a vossos olhos *
são como o dia de ontem que passou †
e como uma vigília da noite.
Vós os arrebatais como um sonho, *
como a erva que de manhã reverdece,
de manhã floresce e viceja, *
à tarde é cortada e seca.
Sentimo-nos desfalecer com a vossa ira, *
estamos aterrados com a vossa indignação.
Colocastes as nossas culpas na vossa
presença, *
o nosso íntimo à luz da vossa face.
Todos os nossos dias decorreram sob a vossa
ira, *
acabámos os nossos anos como um suspiro.
Os dias da nossa vida andam pelos setenta
anos *
e, se robustos, por uns oitenta:
a maior parte são trabalho e desilusão, *
passam depressa e nós partimos.
Quem avalia a força da vossa ira *
e mede o temor da vossa indignação?
Ensinai-nos a contar os nossos dias, *
para chegarmos à sabedoria do coração.
Voltai, Senhor! Até quando?... *
Tende piedade dos vossos servos.
Saciai-nos, desde a manhã, com a vossa
bondade, *
para nos alegrarmos e exultarmos todos os
dias.
Compensai em alegria os dias de aflição, *
os anos em que sentimos a desgraça.
Manifestai a vossa obra aos vossos servos *
e aos seus filhos a vossa majestade.
Desça sobre nós a graça do Senhor nosso Deus!
*
Confirmai em nosso favor a obra das nossas
mãos, †
confirmai a obra das nossas mãos.
Reflexão – O versículo 12: Ensina-nos a
contar os nossos dias...
Tradicionalmente este texto é usado em festividades de aniversário – e
não está errado, mas prefiro rezá-lo na velhice – mas aqui quero me dá a
liberdade de trabalhar com o significado do termo usado na nossa tradução,
atribuindo-lhe significados:
CONTAR pode significa numerar. O salmo instrui a numerar os nossos dias,
saber quantos são para que tenhamos consciência da nossa finitude e
fragilidade. Numerar os dias também aponta
para a urgência da nossa vida, o tempo está passando e com ele a nossa
existência aqui. É mais um dia ou menos
um dia. Por isso, contando o passar do tempo vamos tomando também consciência
de que nos resta pouco tempo e por isso devemos aproveitá-lo da melhor maneira
possível – creio que este é o sentido mais preciso do que o salmista tinha em
mente.
Consideramos ainda que esta numeração dos
dias deve fazer comparar a finitude humana com a eternidade divina. Vejamos que enquanto um dia para o Senhor é
como mil anos. A nossa vida passa depressa e nós voamos (no mesmo Salmo 90, nos
versos quatro e dez respetivamente).
Mas CONTAR também, em língua portuguesa, pode
induzir a pensar em narrar. Assim o
conselho do salmista seria no sentido de que devemos aprender a narrar a nossa
vida e todas as experiências que temos na vivência com Deus. Este é o único meio de conhecê-lo! Por isso precisamos desta vivência para que a
vida em Cristo faça sentido. Narrando a
vida com Deus reafirmamos a nossa fé e a certeza da companhia e do cumprimento
das promessas feitas em Cristo Jesus.
3º - um poema de Fernando Pessoa, que pode ser o meio de unir as duas realidades
No tempo em que
festejavam o dia dos meus anos,
Eu era feliz e ninguém
estava morto.
Na casa antiga, até eu
fazer anos era uma tradição de há séculos,
E a alegria de todos,
e a minha, estava certa com uma religião qualquer.
No tempo em que
festejavam o dia dos meus anos,
Eu tinha a grande
saúde de não perceber coisa nenhuma,
De ser inteligente
para entre a família,
E de não ter as
esperanças que os outros tinham por mim.
Quando vim a ter
esperanças, já não sabia ter esperanças.
Quando vim a olhar
para a vida, perdera o sentido da vida.
No tempo em que
festejavam o dia dos meus anos...
Para, meu coração!
Não penses! Deixa o
pensar na cabeça!
Ó meu Deus, meu Deus,
meu Deus!
Hoje já não faço anos.
Duro.
Somam-se-me dias.
Serei velho quando o
for.
Mais nada.
Raiva de não ter
trazido o passado roubado na algibeira!...
O tempo em que
festejavam o dia dos meus anos!...
(CF. 15-10-1929, Poesias
de Álvaro de Campos. Fernando Pessoa. Lisboa: Ática, 1944 (imp. 1993). 1ª publ.
in Presença, nº 27. Coimbra: Jun.-Jul. 1930)
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