terça-feira, 23 de janeiro de 2024

Sermão de Luís de Camões


A pregação de hoje ou o sermão deste dia vai estar a cargo de Camões porque ocorre hoje os 500 anos do seu nascimento.

NASCIMENTO

Luís Vaz de Camões terá nascido, segundo alguns investigadores, a 23 de janeiro de 1524, dia de um eclipse solar visível em Portugal. O próprio poeta refere num seu soneto esse acontecimento:

 

O dia em que nasci moura e pereça,

Não o queira jamais o tempo dar;

Não torne mais ao Mundo, e, se tornar,

Eclipse nesse passo o Sol padeça.

 

A luz lhe falte. O Sol se [lhe] escureça,

Mostre o Mundo sinais de se acabar,

Nasçam-lhe monstros, sangue chova o ar,

A mãe ao próprio filho não conheça.

 

As pessoas pasmadas, de ignorantes,

As lágrimas no rosto, a cor perdida,

Cuidem que o mundo já se destruiu.

 

Ó gente temerosa, não te espantes,

Que este dia deitou ao Mundo a vida

Mais desgraçada que jamais se viu!

 

OBRA

Para além do seu poema épico Os Lusíadas, publicado em 1572, escreveu centenas de poemas (Lírica, sonetos, redondilhas e elegias) e ainda 3 peças de teatro.

 

SERMÃO

Vamos dar a palavra a Camões para nos pregar neste dia através de passagens ou mensagens retiradas de Os Lusíadas.

 

1) – O Deus em quem acredita:

 

A Lei tenho d’Aquele a cujo império

Obedece o visíbil e invisíbil,

Aquele que criou todo o Hemisfério,

Tudo o que sente e todo o insensibil;

Que padeceu desonra e vitupério,

Sofrendo morte injusta e insofríbil,

E que do Céu à Terra, enfim, desceu,

Por subir os mortais da Terra ao Céu. (Os Lusíadas, 65, I)

 

O mesmo testemunho desenvolvido num soneto de Natal:

 

Dos Céus à terra desce a mor Beleza,

Une-se à nossa carne a falá-la nobre;

E sendo a humanidade dantes pobre,

Hoje subida fica à mor alteza.

 

Busca o Senhor mais rico a mor pobreza;

Que ao mundo o seu amor descobre,

De palhas vis o corpo tenro cobre,

E por elas o mesmo Céu despreza.

 

Como? Deus em pobreza à terra desce.

O que é mais pobre tanto lhe contenta,

Que este somente rico lhe parece.

 

Pobreza este Presépio representa;

Mas tanto por ser pobre já merece,

Que quanto mais o é, mais lhe contenta.

 

O mesmo tema desenvolvido na história da salvação noutro soneto:

 

Desce do Céu imenso, Deus benino,

Para encarnar na Virgem soberana.

"Porque desce divino em cousa humana?"

"Para subir o humano a ser Divino".

 

"Pois como vem tão pobre e tão minino,

Rendendo-se ao poder da mão tirana?"

"Porque vem receber morte inumana

Para pagar de Adão o desatino".

 

"Pois como? Adão e Eva o fruto comem

Que por seu próprio Deus lhe foi vedado?"

"Si, por que o próprio ser de deuses tomem".

 

"E por essa razão foi humanado?"

"Si. Porque foi com causa decretado,

Se o homem quis ser deus, que Deus seja homem".

 

2) – A sua fé e confiança:

 

Quem poderá do mal aparelhado

Livrar-se sem perigo, sabiamente,

Se lá de cima a Guarda Soberana

Não acudir à fraca força humana? (30, II)

 

Vendo Vasco da Gama que tão perto

Do fim de seu desejo se perdia,

Vendo ora o mar até o Inferno aberto,

Ora com nova fúria ao Céu subia,

Confuso de temor, da vida incerto,

Onde nenhum remédio lhe valia,

Chama aquele Remédio santo e forte,

Que o impossíbil pode, desta sorte: (80, VI)

 

Divina Guarda, angélica, celeste,

Que os Céus, o Mar e Terra senhoriais:

Tu, que a todo Israel refúgio deste

Por metade das águas Eritreias;

Tu, que livraste Paulo e defendeste

Das Sirtes arenosas e ondas feias, (81, VI)

 

3) – Missão atribuída por Deus

 

Deus, por certo, vos traz, porque pretende

Algum serviço Seu por vós obrado;

Por isso só vos guia e vos defende

Dos imigos, do mar, do vento irado. (30, VII

 

No fim de tantos casos trabalhosos

Porque somos de Ti desemparados,

Se este nosso trabalho não Te ofende,

Mas antes Teu serviço só pretende? (83, VI)

 

4) – Ação de graças

 

Os geolhos no chão; as mãos ao Céu,

A mercê grande a Deus agardeceo (93, VI)

 

As graças a Deus dava, e razão tinha,

Que não somente a terra lhe mostrava

Que, com tanto temo, buscando vinha,

Por quem tanto trabalho experimentava,

Mas via-se livrado, tão asinha,

Da morte, que no mar lhe aparelhava

O vento duro, férvido e medonho,

Como quem despertou de horrendo sonho. (94, VI)

 

5) – Sagradas Escrituras

 

Deste Deus-Homem, alto e infinito,

Os Livros que tu pedes não trazia,

Que bem posso escusar trazer escrito

Em papel o que na alma andar devia. (66, I)

 

Outras lições de Camões neste Quintal:

Mudam-se os tempos

Rezando com os poetas

No dia de Camões

Chagas de Cristo


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