quinta-feira, 25 de janeiro de 2024

12 notas sobre São Paulo


Festa da Conversão de São Paulo, Apóstolo

1ª. O nome – Saulo ou Paulo

O autor das cartas apresenta-se sempre como Paulo. Trata-se de um nome patronímico que encontramos em importantes famílias romanas. O apóstolo nomeia-se assim dezanove vezes. Só Lucas lhe atribui o nome semítico de Saulo, transcrição do hebraico Saul, um nome raro entre os judeus da diáspora, mas frequente na Palestina e que evoca o rei assim chamado, um dos mais ilustres da tribo de Benjamim. Possivelmente o apóstolo teria um duplo nome, prática recorrente entre os judeus da diáspora. Neste caso é provável que Paulo fosse o nome civil que teria usado sempre. Saulo, por seu lado, seria um nome utilizado entre parentes e amigos ou a pura criação de uma correspondência semítica do seu nome, a cargo de Lucas. Paulus (na verdade, uma contração de Paululus) significa pequeno, mínimo. Sabemos que a sua constituição física foi, em Corinto, motivo de crítica por parte dos adversários que diziam: as suas cartas são graves e fortes, mas a sua figura física é fraca.  Juntando os dois elementos tentou-se ligar sem fundamento o nome à estatura de Paulo ou à sua modesta figura.

 

2ª. Perseguidor

Paulo não especifica porque perseguia os discípulos de Jesus, mas é certamente por declararem como Messias um maldito (Gal 3,13), um homem morto na cruz.

 

3ª. Idade

Paulo seria cerca de dez anos mais novo do que Jesus.

 

4ª. Formação

Três indícios:

- Língua grega falada por Paulo é originária, fluida, livre de semitismos duros, uma língua que se expressa com inteira naturalidade.

- A formação cultural de Paulo se centrou no contacto profundo com a versão grega da Bíblia hebraica.

- O impacto que teve em Paulo a cultura grega comum: conceitos de âmbito político. O seu mundo é urbano, cita autores, conceitos de política, do comércio, de literatura, recursos retóricos.

Tarso permitia a Paulo viver entre três mundos: o judaísmo do ponto de vista religioso; o helenismo dos pontos de vista da língua e da cultura, e o império romano nas perspetivas política e jurídica. Há autores que defendem que Paulo não só nasceu em Tarso, mas também passou ali a sua infância e juventude. Outros dizem que teria frequentado em Jerusalém o ensino rabínico de Gamaliel. Paulo recebeu uma educação poliglota, longa, diversificada, com estadias em centros de cultura diferentes o que lhe proporcionou uma visão do mundo estruturada a partir da sua matriz judaica, mas ao mesmo tempo aberta a esse Mediterrâneo Oriental e ocidental onde circulava.

 

5ª. Estado civil

Há quem fale dele como celibatário, viúvo ou separado.

 

6ª. Cronologia

Conversão entre os anos 35 e 37.

Evasão de Damasco – entre 37-39.

Incidente em Antioquia – entre 43-44.

Primeira viagem missionária – 45-48.

Assembleia Jerusalém – 48-49.

Segunda viagem missionária com longa estadia em Corinto – 49-52.

Terceira viagem missionária e estadia em Éfeso – 53-55.

Cativeiro em Cesareia – 57-60.

Cativeiro romano – 60-64.

Morte – 64-68.

 

7ª. Escritor

Paulo foi o primeiro escritor cristão. Com Paulo o cristianismo ganhou a amplidão que o próprio prometera (Mt 28,19-20), tornando-se cosmopolita, transfronteiriço e escrito. Paulo estava apto não só para protagonizar a passagem da oralidade à escrita, mas também para realizar uma das operações teológicas mais criativas e complexas de sempre: a tradução cultural da mensagem cristã.  Possuímos de Paulo várias cartas, e há um consenso em considera-las os primeiros escritos cristãos que chegaram até nós. Em década e meia de atividade epistolar intensa e de reflexão, o seu pensamento evolui, as motivações aprofundam-se, alteram-se os destinatários e as situações que enfrenta. Mas a evolução do seu pensamento liga-se também ao amadurecimento da forma literária em que se exprime. Se os primeiros escritos de Paulo são cartas simples, sem especial elaboração, o apóstolo passa a conhecer os recursos da oficina literária e a manejá-los, tornando-se um verdadeiro escritor. Não sabemos exatamente quantas cartas Paulo terá escrito. À parte aquelas que se terão perdido (1Cor 5,9 e 2Cor 2,4) no cânone são-lhe atribuídas 13 pois aos Hebreus seria a 14ª, mas distintas das demais. A sua ordenação segue dois critérios: aparecem primeiro as cartas dirigidas a comunidades e só depois as destinadas a particulares. Depois por ordem decrescente de tamanho (exceto de Gálatas e Efésios que deveriam alterar a ordem pois a 2º é mais extensa.

 

8ª. Escritos

Cronologia de alguns escritos:

- Primeira aos tessalonicenses escrita em Corinto 50/51.

- Primeira aos coríntios, escrita a partir de Éfeso 53/54.

- Aos Filipenses escrita em Éfeso 54/55.

- A Filémon, em Éfeso 54/55.

- Segunda aos Coríntios, escrita em Filipos 55/56.

- Aos gálatas, em Filipos 56/57.

- Aos Romanos, em Corinto 57/58.

 

9ª. Estilo

As suas cartas não diferem da pregação oral que Paulo faz às igrejas. Isto transparece num conjunto de fórmulas esparsas no epistolário: não quero que ignoreis… quero que saibais. Anuncio-os um ministério. Os textos de Paulo são uma espécie de cartas abertas, escritas para serem lidas e relidas nas igrejas destinatárias., mas também noutras. As Cartas servem a Paulo para inaugurar ou manter um diálogo à distância com as comunidades cristãs, oferecendo-lhe a oportunidade de realizar algumas explicações teológicas centrais de todo o cristianismo.

 

10ª. Viagens

As viagens de Paulo são funcionais na medida em que os seus trajetos derivam de um objetivo preciso. Fosse a Antioquia, a Éfeso, à Macedónia Paulo era sempre conduzido pelo mesmo apelo. Cartografava as suas etapas a partir do projeto muito nítido de evangelização. Paulo viajava a partir de um sentido, de uma intencionalidade eclesial. Não era uma simples viagem. Começou a viagem caído por terra. Fala-se muito da queda do cavalo, mas em nenhum passo das suas cartas se diz que ia a cavalo.

 

11ª. Apóstolo dos gentios

O epíteto que a tradição cristã reserva a Paulo é o de apóstolo dos gentios, interpretando a sua atividade missionária em chave universalista. O seu contributo seria, portanto, o de ter transcendido os diversos particularismos e afirmado, com desassombro, a emergência do universal.

 

12ª. O que é um cristão para Paulo

É um sujeito crente em construção; é uma escolha de viver, em estado de processo, ao mesmo tempo a plenitude e o inacabamento, o tesouro e o barro, a esperança e a experiência. Um cristão para Paulo nunca é um assunto arrumado, resolvido de uma vez por todas; é aceitar habitar uma tensão, um fazer e refazer permanentes, sabendo que a nossa fé é frágil e incompleta. Deus, com efeito, não criou o homem: Ele cria-o e continuará a criá-lo. Neste sentido estamos sempre em estado de ser criados e de criar: toda a criação geme e sofre as dores de parto até ao presente (Rom 8,22). Não somos simplesmente testemunhas de um passado. Cada pessoa é chamada a ser, e é já, um documento do futuro.

(Cf. José Tolentino Mendonça, Metamorfose necessária – reler São Paulo, novembro 2022, Quetzal Editores)

 

Ver também:

De livro e espada na mão

 

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