Festa da Conversão de São Paulo, Apóstolo
1ª. O nome – Saulo ou Paulo
O autor das cartas apresenta-se sempre como
Paulo. Trata-se de um nome patronímico que encontramos em importantes famílias
romanas. O apóstolo nomeia-se assim dezanove vezes. Só Lucas lhe atribui o nome
semítico de Saulo, transcrição do hebraico Saul, um nome raro entre os judeus
da diáspora, mas frequente na Palestina e que evoca o rei assim chamado, um dos
mais ilustres da tribo de Benjamim. Possivelmente o apóstolo teria um duplo
nome, prática recorrente entre os judeus da diáspora. Neste caso é provável que
Paulo fosse o nome civil que teria usado sempre. Saulo, por seu lado, seria um
nome utilizado entre parentes e amigos ou a pura criação de uma correspondência
semítica do seu nome, a cargo de Lucas. Paulus (na verdade, uma contração de
Paululus) significa pequeno, mínimo. Sabemos que a sua constituição física foi,
em Corinto, motivo de crítica por parte dos adversários que diziam: as suas
cartas são graves e fortes, mas a sua figura física é fraca. Juntando os dois elementos tentou-se ligar
sem fundamento o nome à estatura de Paulo ou à sua modesta figura.
2ª. Perseguidor
Paulo não especifica porque perseguia os
discípulos de Jesus, mas é certamente por declararem como Messias um maldito
(Gal 3,13), um homem morto na cruz.
3ª. Idade
Paulo seria cerca de dez anos mais novo do
que Jesus.
4ª. Formação
Três indícios:
- Língua grega falada por Paulo é originária,
fluida, livre de semitismos duros, uma língua que se expressa com inteira
naturalidade.
- A formação cultural de Paulo se centrou no
contacto profundo com a versão grega da Bíblia hebraica.
- O impacto que teve em Paulo a cultura grega
comum: conceitos de âmbito político. O seu mundo é urbano, cita autores,
conceitos de política, do comércio, de literatura, recursos retóricos.
Tarso permitia a Paulo viver entre três
mundos: o judaísmo do ponto de vista religioso; o helenismo dos pontos de vista
da língua e da cultura, e o império romano nas perspetivas política e jurídica.
Há autores que defendem que Paulo não só nasceu em Tarso, mas também passou ali
a sua infância e juventude. Outros dizem que teria frequentado em Jerusalém o
ensino rabínico de Gamaliel. Paulo recebeu uma educação poliglota, longa,
diversificada, com estadias em centros de cultura diferentes o que lhe
proporcionou uma visão do mundo estruturada a partir da sua matriz judaica, mas
ao mesmo tempo aberta a esse Mediterrâneo Oriental e ocidental onde circulava.
5ª. Estado civil
Há quem fale dele como celibatário, viúvo ou separado.
6ª. Cronologia
Conversão entre os anos 35 e 37.
Evasão de Damasco – entre 37-39.
Incidente em Antioquia – entre 43-44.
Primeira viagem missionária – 45-48.
Assembleia Jerusalém – 48-49.
Segunda viagem missionária com longa estadia
em Corinto – 49-52.
Terceira viagem missionária e estadia em
Éfeso – 53-55.
Cativeiro em Cesareia – 57-60.
Cativeiro romano – 60-64.
Morte – 64-68.
7ª. Escritor
Paulo foi o primeiro escritor cristão. Com
Paulo o cristianismo ganhou a amplidão que o próprio prometera (Mt 28,19-20),
tornando-se cosmopolita, transfronteiriço e escrito. Paulo estava apto não só
para protagonizar a passagem da oralidade à escrita, mas também para realizar
uma das operações teológicas mais criativas e complexas de sempre: a tradução
cultural da mensagem cristã. Possuímos
de Paulo várias cartas, e há um consenso em considera-las os primeiros escritos
cristãos que chegaram até nós. Em década e meia de atividade epistolar intensa
e de reflexão, o seu pensamento evolui, as motivações aprofundam-se, alteram-se
os destinatários e as situações que enfrenta. Mas a evolução do seu pensamento
liga-se também ao amadurecimento da forma literária em que se exprime. Se os
primeiros escritos de Paulo são cartas simples, sem especial elaboração, o
apóstolo passa a conhecer os recursos da oficina literária e a manejá-los,
tornando-se um verdadeiro escritor. Não sabemos exatamente quantas cartas Paulo
terá escrito. À parte aquelas que se terão perdido (1Cor 5,9 e 2Cor 2,4) no
cânone são-lhe atribuídas 13 pois aos Hebreus seria a 14ª, mas distintas das
demais. A sua ordenação segue dois critérios: aparecem primeiro as cartas
dirigidas a comunidades e só depois as destinadas a particulares. Depois por
ordem decrescente de tamanho (exceto de Gálatas e Efésios que deveriam alterar
a ordem pois a 2º é mais extensa.
8ª. Escritos
Cronologia de alguns escritos:
- Primeira aos tessalonicenses escrita em
Corinto 50/51.
- Primeira aos coríntios, escrita a partir de
Éfeso 53/54.
- Aos Filipenses escrita em Éfeso 54/55.
- A Filémon, em Éfeso 54/55.
- Segunda aos Coríntios, escrita em Filipos
55/56.
- Aos gálatas, em Filipos 56/57.
- Aos Romanos, em Corinto 57/58.
9ª. Estilo
As suas cartas não diferem da pregação oral
que Paulo faz às igrejas. Isto transparece num conjunto de fórmulas esparsas no
epistolário: não quero que ignoreis… quero que saibais. Anuncio-os um
ministério. Os textos de Paulo são uma espécie de cartas abertas, escritas
para serem lidas e relidas nas igrejas destinatárias., mas também noutras. As Cartas
servem a Paulo para inaugurar ou manter um diálogo à distância com as
comunidades cristãs, oferecendo-lhe a oportunidade de realizar algumas
explicações teológicas centrais de todo o cristianismo.
10ª. Viagens
As viagens de Paulo são funcionais na medida
em que os seus trajetos derivam de um objetivo preciso. Fosse a Antioquia, a
Éfeso, à Macedónia Paulo era sempre conduzido pelo mesmo apelo. Cartografava as
suas etapas a partir do projeto muito nítido de evangelização. Paulo viajava a
partir de um sentido, de uma intencionalidade eclesial. Não era uma simples
viagem. Começou a viagem caído por terra. Fala-se muito da queda do cavalo, mas
em nenhum passo das suas cartas se diz que ia a cavalo.
11ª. Apóstolo dos gentios
O epíteto que a tradição cristã reserva a
Paulo é o de apóstolo dos gentios, interpretando a sua atividade missionária em
chave universalista. O seu contributo seria, portanto, o de ter transcendido os
diversos particularismos e afirmado, com desassombro, a emergência do
universal.
12ª. O que é um cristão para Paulo
É um sujeito crente em construção; é uma escolha de viver, em estado de processo, ao mesmo tempo a plenitude e o inacabamento, o tesouro e o barro, a esperança e a experiência. Um cristão para Paulo nunca é um assunto arrumado, resolvido de uma vez por todas; é aceitar habitar uma tensão, um fazer e refazer permanentes, sabendo que a nossa fé é frágil e incompleta. Deus, com efeito, não criou o homem: Ele cria-o e continuará a criá-lo. Neste sentido estamos sempre em estado de ser criados e de criar: toda a criação geme e sofre as dores de parto até ao presente (Rom 8,22). Não somos simplesmente testemunhas de um passado. Cada pessoa é chamada a ser, e é já, um documento do futuro.
(Cf. José Tolentino Mendonça, Metamorfose necessária – reler São Paulo, novembro 2022, Quetzal Editores)
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