Ano
A – III domingo da quaresma
Extratos
do diário de uma samaritana convertida, da cidade de Sicar.
Fui
buscar água à fonte de Jacob, como sempre, à hora menos frequentada, mais precisamente
ao meio dia. Era mais fácil para mim suportar o calor implacável do que o olhar de desprezo
das outras mulheres.
Ao
aproximar-me vi a figura de um homem sentado à beira do poço. Achei estranho,
mas nem sequer levantei os olhos, pois já bastava a má fama que eu tinha, dispensando
assim a censura pública de falar com um desconhecido.
Foi
ele que me dirigiu a palavra:
-
Dá-me de beber.
A
sua voz, mais clara do que a água daquela fonte, e mais profunda do que aquele
poço, fez-me estremecer.
Ele
pediu-me água, mas não era a água fresca e pura daquele poço para a sua boca
seca, mas a água turva da minha vida dissipada, do meu cansaço, dos meus erros,
da minha loucura e das minhas aventuras.
Era
arrebatador aquele estrangeiro.
Ele
seduziu-me, não como eu estava habituada a ser por tantos homens.
A
minha alma ficou para sempre unida à sua alma.
Nunca
ninguém me tinha falado assim, nunca ninguém me tinha olhado assim. Todo o
resto ficou para trás, só ele me cativou verdadeiramente.
Voltei
a vê-lo dois anos depois desse primeiro encontro: foi no Gólgota, e estava
cravado numa cruz. Segui-o até ali juntamente com outras mulheres.
Nessa
Sexta-feira ele voltou a manifestar a sua sede, desta vez não só a mim, mas a
toda a humanidade:
-
Tenho sede – disse com a voz sufocada pelo sofrimento, mas sempre pura e profunda.
A
minha experiência anterior fez-me compreender que ele, com essa expressão, queria
dizer: entregai-me toda a água podre da vossa vida…
Dizendo
do alto da cruz que tinha sede, voltou a pedir-me que o amasse e que me
deixasse purificar outra vez.
Ele
olhou para mim e senti-me de novo à beira do poço de Jacob, em Sicar, e mais
uma vez deixei-me inundar da sua água viva.
Mais
tarde compreendi donde lhe vinha essa água que me prometera em Sicar: Do seu
coração trespassado saiu sangue e água…
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