domingo, 1 de abril de 2012

Noventa Anos



Faz hoje 90 anos que partiu para a eternidade o Beato Carlos, Imperador da Áustria.
Nesta efeméride partilho um artigo publicado em 1952, portanto há 60 anos e apenas 30 depois dessas ocorrências...

O Imperador–Rei Carlos da Áustria
e o Coração de Jesus

Foi extraordinária a devoção deste monarca, vítima da maçonaria e súbditos traidores, falecido no seu exílio da Madeira no dia 1 de Abril de 1922, aos 35 anos, com fama de santo.
Por ocasião da Primeira Comunhão do seu primogénito Otão, consagrou solenemente toda a sua família ao Coração de Jesus. Desterrado da Pátria em Prangins, na Suíça, considerava dia de festa especial cada primeira sexta-feira do mês. Eis como descreve um desses dias o capelão do Imperador Mons. Seydl:
“De manhã cedo olho pela janela. Era Outono. O lago de Genebra estende-se na minha frente, severo, ele tão azul, tão risonho durante o verão. O Monte Branco está invisível; a costa da Sabóia está oculta por uma ligeira bruma. Ao longe estende-se a província da Chablais, que S. Francisco de Sales, este simpático santo, evangelizou; este santo fundou a Ordem da Visitação, a que pertenceu Santa Margarida Maria Alacoque, mensageira oficial do culto do Sagrado Coração de Jesus. Hoje é a primeira sexta-feira do mês. Tenho que apressar-me para ir à capela dar a comunhão às pessoas que não podem estar presentes à missa, mais tarde. Meu Deus, como é simples esta capela imperial! Onde estão os ornamentos de arquitectura, as pinturas das capelas imperiais de antigamente, em Hofburg, de Viena? Mas o essencial ali está: sobre o altar, o sacrário encimado pela cruz; no sacrário, Deus; em frente do altar a lâmpada acesa, sentinela fiel revelando a presença do Divino Jesus. Dois minúsculos altares laterais suportam, um a imagem do Sagrado Coração de Jesus, o outro a imagem da Santíssima Virgem. Em frente do Sagrado Coração de Jesus arde uma pequena lâmpada vermelha em memória da consagração da família imperial ao Sagrado Coração de Jesus, realizada já em Warthols. Às 8 horas vai começar a missa. Suas Majestades chegam e comungam antes do Santo Sacrifício, como fazem todos os dias. Maravilhoso e salutar exemplo para os filhos!...
Os arquiduques Otão e Roberto ajudam à Missa, enquanto que o soberano com o terço entre os dedos mergulha em meditação. Que motivos edificantes para todos a Fé e a piedade deste augusto monarca?
À tarde, às 6 horas e 45, há na capela bênção solene do Santíssimo Sacramento. Todos assistem: os soberanos, rodeados dos seus filhos, o séquito e o pessoal da casa. Às 9 horas e 30 da noite, volto uma vez mais à capela. Começo a rezar o Pai Nosso. Subitamente abre-se a porta. Suas Majestades entram e ajoelham ao pé do Sacrário e mergulham na oração. Breve se levantam com o rosto todo iluminado pela fé que os anima, pois que crêem e esperam apesar dos golpes da sorte.”
A extraordinária devoção deste rei-mártir ao Coração de Jesus deu-lhe força para suportar heroicamente ao lado de uma santa que era a Imperatriz Zita, todos os revezes da sorte, as calúnias, as traições, a perda da fortuna, o exílio, dores físicas e morais, a morte no vigor dos anos, precedida de dolorosíssima doença.
Andava-lhe sempre nos lábios a jaculatória: “Sagrado Coração de Jesus, tenho confiança em Vós.”
Via em tudo a disposição da Providência, a Vontade Santíssima de Deus. Esta frase repetida na doença, em horas de maior aflição, explica toda a sua vida: “Quando se conhece a vontade de Deus, tudo está bem.”
A heróica imperatriz conservou e transmitiu-nos religiosamente esta confidência de seu marido, em vésperas de morrer: “Quero agora manifestar-te claramente o meu pensamento: Todos os meus esforços tendem sempre a conhecer exactamente a vontade de Deus em todas as coisas e a conformar-me o melhor possível com essa vontade suprema.”
Eis o que nos conta por sua vez a condessa Mensdorf, sua desvelada enfermeira: “o imperador (no meio de uma crise cardíaca) começou a dizer: é na verdade uma grande coisa ter uma confiança ilimitada no Sagrado Coração de Jesus; senão o meu estado era insuportável.
Pronunciou estas palavras de uma forma tão amável e tão piedosa, que as lágrimas saltaram-me dos olhos. Dei o pretexto de ir buscar a imagem do Sagrado Coração para desaparecer por detrás do guarda-vento e dar livre curso às minhas lágrimas.”
O imperador-rei que em vida ouvia missa e comungava, quanto possível, diariamente, ao lado da esposa, teve ainda a assistir-lhe e confortá-lo na morte o Coração de Jesus, presente na Eucaristia. O augusto exilado tinha já recebido a Extrema-Unção que pedira muito a tempo, pois, como católico fervoroso, quis recebê-la em plena consciência, rogando à esposa que lhe lesse e comentasse as orações litúrgicas, para colher mais fruto do Sacramento.
Confessara-se alguns dias antes; não obstante quis fazê-lo novamente, declarando a sorrir, depois da confissão: “Fiz uma confissão geral de toda a minha vida!”. Depois, com voz forte e solene, acrescentou: Perdoo a todos os meus inimigos, a todos os que me ofenderam e a todos os que trabalharam contra mim”.
Ao ser ungido, o monarca, apertando o crucifixo entre as mãos, segue com atenção e piedade, as orações da Igreja. Cena emocionante! Otão, o filho mais velho, para exemplo, assiste comovido, ajoelhado aos pés da cama.
Despontava triste sobre a Madeira o dia 1 de Abril de 1922. Às primeiras horas o imperador Carlos recebera a Sagrada Comunhão, como de costume, com a fé e piedade que eram timbre da sua alma.
O Santíssimo ficara em exposição sobre uma pequena mesa, no quarto do doente. Às 9 horas, este entra em agonia. Sentada na borda da cama, evolvendo com o braço o corpo do moribundo, cuja cabeça repousa no seu ombro, a imperatriz Zita, mulher admirável, heróica e dedicada, ajuda a morrer o seu real esposo.
- “Pensa somente, diz-lhe, que Nosso Senhor está aqui presente e que te cinge com seus braços; abandona-te completamente a Ele” – Sim, suspira o moribundo, nos braços do Salvador, contigo e os nossos filhos queridos”. São onze horas e meia.
Vai comungar novamente, agora por Viático.
Recita com voz firme o acto de contrição. Depois acrescenta: “Meu doce Salvador, protegei os meus filhos. Velai por eles e pelas suas almas; antes morram que cometam um pecado mortal!”. Acentuando cada palavra, conclui desta maneira: “Meu Salvador, seja feita a vossa vontade, Assim seja”.
Jesus Sacramentado continua ali em adoração dando força ao moribundo e à torturada imperatriz, nunca tão nobre e sublime como nesta hora.
Ao pé do leito, de joelhos, a face inundada de lágrimas, assiste Otão, o filho mais velho, o herdeiro do trono.
A imperatriz sugere jaculatórias que o moribundo repete com voz cada vez mais fraca: “Sagrado Coração de Jesus, eu tenho confiança em Vós! Meu Jesus misericórdia!, Meu Deus, faça-se a vossa vontade!”
Ao imperador Carlos resta apenas um sopro de vida. Faz um ligeiro movimento de cabeça; reúne pela última vez todas as suas forças, olha para o Coração de Jesus ali presente no Sacramento do amor e, acatando submisso, como sempre, a divina vontade, diz baixinho: “Jesus!... Maria!... José!...” e exala o último suspiro. Eram 12 horas e 25 minutos. O céu abria-se para receber a alma nobre e pura de quem na terra tanto sofrera.
Assim morrem os santos, os devotos do Coração de Jesus. E o imperador-rei Carlos da Áustria-Hungria era um santo.
“Rei-Santo” era o título que lhe davam os habitantes da Madeira.
Na sua morte ouviram-se e escreveram-se frases como estas: “Carlos era na verdade um santo! Viveu como um santo, e como um santo morreu!”.
A condessa Mensdorf, enfermeira do imperador nos últimos dias da doença, exclamava: “Estou certa de uma coisa; temos mais um santo no céu. Era bom demais para este mundo e Deus quis chamá-lo para si!”.
Um dos médicos assistentes era descrente. A morte do imperador exilado impressionou-o tanto que fez esta confissão: “em face da morte deste santo, é-se obrigado a recuperar a fé perdida!”
Os dois escultores chamados para tirar a máscara do defunto, tão impressionados ficaram ao ver a expressão doce e cheia de paz do soberano, que, de livre-pensadores que eram, tornaram-se fervorosos católicos.
Um deles assim se exprimia: “Nós estávamos sobre a colina, naquela casa, bem perto de um Ser de que tínhamos até então negado a existência. Aquelas horas que passámos a trabalhar junto do soberano defunto, revolveram-nos a alma”.
“Rei Santo e Mártir”! Como tal foi tido em vida e homenageado na morte pelo povo da Madeira o imperador Carlos de Áustria. Trinta mil pessoas, o terço da população da ilha, acorreram aos funerais a que presidiu o próprio Sr. Bispo D. António Pereira Ribeiro. Trinta mil portugueses choravam ao ver passar o féretro do “rei apostólico da Hungria” e atrás dele a desolada imperatriz envolta nos crepes da viuvez. Choravam e sentiam-se pequeninos ante as “figuras bíblicas” desses monarcas destronados, como os apelidara Mons. Schioppa, Núncio apostólico em Budapeste.
Choravam e perguntavam-se: onde encontraram força para tão rude Calvário este imperador defunto e esta heróica imperatriz viúva?
Na sua fé viva, na sua ardente e entranhada devoção ao Coração de Jesus, que os levava a repetir, com paz e tranquilidade sobrenaturais: “É a vontade de Deus”.
Os despojos mortais do último soberano da antiga monarquia austro-húngara mereceram bem ir repousar no templo sagrado, em Nossa Senhora do Monte, sob o altar da Virgem.
Uma placa de mármore a fechar a base do túmulo diz-nos, em letras de oiro, que o imperador Carlos I, tendo nascido a 17 de Agosto de 1887, “morreu na Madeira, adorando o Santíssimo Sacramento, ali presente, e dizendo: “seja feita a vossa vontade!”
A imperatriz Zita de Habsburgo forçada a sair da Madeira por causa da saúde e educação de seus sete filhos, deixou os despojos do marido santo entregues ao venerando Prelado do Funchal e à piedade da população da ilha. Ia continuar a sua vida dolorosa.
Tendo educado cristãmente os filhos, depois de peregrinar com humildade e pobreza a Roma, no passado Ano Santo de 1950, foi bater às portas da Abadia beneditina de Santa Cecília, nas vizinhanças de Solesmes (Sarthe), com o fim de passar ali, no isolamento e oração o resto de seus dias. Três das suas irmãs, as princesas Adelaide, Francisca e Maria Antónia, precederam-na como monjas na mesma Abadia.
Belo remate de uma vida, toda amor, sacrifício, imolação, com o Coração de Jesus e pelo Coração de Jesus!
Como a imprensa tornou do domínio público, está já em feliz andamento o Processo informativo sobre a fala de santidade do Servo de Deus, o Imperador Carlos de Áustria, em ordem à sua beatificação.
É Juiz Ordinário o Em.mo Cardeal Initzer, Arcebispo de Viena. Para o que se refere à Madeira o Sr. Bispo do Funchal nomeou já o Tribunal respectivo.
Apressemos, com nossas orações, a hora da glorificação do “Rei santo”.

J. M. N. in Mensageiro do Coração de Jesus, nº 825, Braga, Maio de 1952, Página 226 ss.

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