Faz hoje 90 anos que partiu para a eternidade o Beato Carlos, Imperador da Áustria.
Nesta efeméride partilho um artigo publicado em 1952, portanto há 60 anos e apenas 30 depois dessas ocorrências...
O Imperador–Rei
Carlos da Áustria
e o Coração de
Jesus
Foi
extraordinária a devoção deste monarca, vítima da maçonaria e súbditos
traidores, falecido no seu exílio da Madeira no dia 1 de Abril de 1922, aos 35
anos, com fama de santo.
Por
ocasião da Primeira Comunhão do seu primogénito Otão, consagrou solenemente
toda a sua família ao Coração de Jesus. Desterrado da Pátria em Prangins, na Suíça,
considerava dia de festa especial cada primeira sexta-feira do mês. Eis como
descreve um desses dias o capelão do Imperador Mons. Seydl:
“De
manhã cedo olho pela janela. Era Outono. O lago de Genebra estende-se na minha
frente, severo, ele tão azul, tão risonho durante o verão. O Monte Branco está
invisível; a costa da Sabóia está oculta por uma ligeira bruma. Ao longe
estende-se a província da Chablais, que S. Francisco de Sales, este simpático
santo, evangelizou; este santo fundou a Ordem da Visitação, a que pertenceu
Santa Margarida Maria Alacoque, mensageira oficial do culto do Sagrado Coração
de Jesus. Hoje é a primeira sexta-feira do mês. Tenho que apressar-me para ir à
capela dar a comunhão às pessoas que não podem estar presentes à missa, mais
tarde. Meu Deus, como é simples esta capela imperial! Onde estão os ornamentos
de arquitectura, as pinturas das capelas imperiais de antigamente, em Hofburg,
de Viena? Mas o essencial ali está: sobre o altar, o sacrário encimado pela
cruz; no sacrário, Deus; em frente do altar a lâmpada acesa, sentinela fiel
revelando a presença do Divino Jesus. Dois minúsculos altares laterais
suportam, um a imagem do Sagrado Coração de Jesus, o outro a imagem da
Santíssima Virgem. Em frente do Sagrado Coração de Jesus arde uma pequena
lâmpada vermelha em memória da consagração da família imperial ao Sagrado
Coração de Jesus, realizada já em Warthols. Às 8 horas vai começar a missa.
Suas Majestades chegam e comungam antes do Santo Sacrifício, como fazem todos
os dias. Maravilhoso e salutar exemplo para os filhos!...
Os
arquiduques Otão e Roberto ajudam à Missa, enquanto que o soberano com o terço
entre os dedos mergulha em meditação. Que motivos edificantes para todos a Fé e
a piedade deste augusto monarca?
À
tarde, às 6 horas e 45, há na capela bênção solene do Santíssimo Sacramento.
Todos assistem: os soberanos, rodeados dos seus filhos, o séquito e o pessoal
da casa. Às 9 horas e 30 da noite, volto uma vez mais à capela. Começo a rezar
o Pai Nosso. Subitamente abre-se a porta. Suas Majestades entram e ajoelham ao
pé do Sacrário e mergulham na oração. Breve se levantam com o rosto todo
iluminado pela fé que os anima, pois que crêem e esperam apesar dos golpes da
sorte.”
A
extraordinária devoção deste rei-mártir ao Coração de Jesus deu-lhe força para
suportar heroicamente ao lado de uma santa que era a Imperatriz Zita, todos os
revezes da sorte, as calúnias, as traições, a perda da fortuna, o exílio, dores
físicas e morais, a morte no vigor dos anos, precedida de dolorosíssima doença.
Andava-lhe
sempre nos lábios a jaculatória: “Sagrado Coração de Jesus, tenho confiança em
Vós.”
Via
em tudo a disposição da Providência, a Vontade Santíssima de Deus. Esta frase
repetida na doença, em horas de maior aflição, explica toda a sua vida: “Quando
se conhece a vontade de Deus, tudo está bem.”
A
heróica imperatriz conservou e transmitiu-nos religiosamente esta confidência
de seu marido, em vésperas de morrer: “Quero agora manifestar-te claramente o
meu pensamento: Todos os meus esforços tendem sempre a conhecer exactamente a
vontade de Deus em todas as coisas e a conformar-me o melhor possível com essa
vontade suprema.”
Eis
o que nos conta por sua vez a condessa Mensdorf, sua desvelada enfermeira: “o
imperador (no meio de uma crise cardíaca) começou a dizer: é na verdade uma
grande coisa ter uma confiança ilimitada no Sagrado Coração de Jesus; senão o
meu estado era insuportável.
Pronunciou
estas palavras de uma forma tão amável e tão piedosa, que as lágrimas
saltaram-me dos olhos. Dei o pretexto de ir buscar a imagem do Sagrado Coração para
desaparecer por detrás do guarda-vento e dar livre curso às minhas lágrimas.”
O
imperador-rei que em vida ouvia missa e comungava, quanto possível,
diariamente, ao lado da esposa, teve ainda a assistir-lhe e confortá-lo na
morte o Coração de Jesus, presente na Eucaristia. O augusto exilado tinha já
recebido a Extrema-Unção que pedira muito a tempo, pois, como católico fervoroso,
quis recebê-la em plena consciência, rogando à esposa que lhe lesse e
comentasse as orações litúrgicas, para colher mais fruto do Sacramento.
Confessara-se
alguns dias antes; não obstante quis fazê-lo novamente, declarando a sorrir,
depois da confissão: “Fiz uma confissão geral de toda a minha vida!”. Depois,
com voz forte e solene, acrescentou: Perdoo a todos os meus inimigos, a todos
os que me ofenderam e a todos os que trabalharam contra mim”.
Ao
ser ungido, o monarca, apertando o crucifixo entre as mãos, segue com atenção e
piedade, as orações da Igreja. Cena emocionante! Otão, o filho mais velho, para
exemplo, assiste comovido, ajoelhado aos pés da cama.
Despontava
triste sobre a Madeira o dia 1 de Abril de 1922. Às primeiras horas o imperador
Carlos recebera a Sagrada Comunhão, como de costume, com a fé e piedade que
eram timbre da sua alma.
O
Santíssimo ficara em exposição sobre uma pequena mesa, no quarto do doente. Às
9 horas, este entra em agonia. Sentada na borda da cama, evolvendo com o braço
o corpo do moribundo, cuja cabeça repousa no seu ombro, a imperatriz Zita,
mulher admirável, heróica e dedicada, ajuda a morrer o seu real esposo.
-
“Pensa somente, diz-lhe, que Nosso Senhor está aqui presente e que te cinge com
seus braços; abandona-te completamente a Ele” – Sim, suspira o moribundo, nos
braços do Salvador, contigo e os nossos filhos queridos”. São onze horas e
meia.
Vai
comungar novamente, agora por Viático.
Recita
com voz firme o acto de contrição. Depois acrescenta: “Meu doce Salvador,
protegei os meus filhos. Velai por eles e pelas suas almas; antes morram que
cometam um pecado mortal!”. Acentuando cada palavra, conclui desta maneira:
“Meu Salvador, seja feita a vossa vontade, Assim seja”.
Jesus
Sacramentado continua ali em adoração dando força ao moribundo e à torturada
imperatriz, nunca tão nobre e sublime como nesta hora.
Ao
pé do leito, de joelhos, a face inundada de lágrimas, assiste Otão, o filho
mais velho, o herdeiro do trono.
A
imperatriz sugere jaculatórias que o moribundo repete com voz cada vez mais
fraca: “Sagrado Coração de Jesus, eu tenho confiança em Vós! Meu Jesus
misericórdia!, Meu Deus, faça-se a vossa vontade!”
Ao
imperador Carlos resta apenas um sopro de vida. Faz um ligeiro movimento de
cabeça; reúne pela última vez todas as suas forças, olha para o Coração de
Jesus ali presente no Sacramento do amor e, acatando submisso, como sempre, a
divina vontade, diz baixinho: “Jesus!... Maria!... José!...” e exala o último
suspiro. Eram 12 horas e 25 minutos. O céu abria-se para receber a alma nobre e
pura de quem na terra tanto sofrera.
Assim
morrem os santos, os devotos do Coração de Jesus. E o imperador-rei Carlos da
Áustria-Hungria era um santo.
“Rei-Santo”
era o título que lhe davam os habitantes da Madeira.
Na
sua morte ouviram-se e escreveram-se frases como estas: “Carlos era na verdade
um santo! Viveu como um santo, e como um santo morreu!”.
A
condessa Mensdorf, enfermeira do imperador nos últimos dias da doença,
exclamava: “Estou certa de uma coisa; temos mais um santo no céu. Era bom
demais para este mundo e Deus quis chamá-lo para si!”.
Um
dos médicos assistentes era descrente. A morte do imperador exilado
impressionou-o tanto que fez esta confissão: “em face da morte deste santo,
é-se obrigado a recuperar a fé perdida!”
Os
dois escultores chamados para tirar a máscara do defunto, tão impressionados
ficaram ao ver a expressão doce e cheia de paz do soberano, que, de
livre-pensadores que eram, tornaram-se fervorosos católicos.
Um
deles assim se exprimia: “Nós estávamos sobre a colina, naquela casa, bem perto
de um Ser de que tínhamos até então negado a existência. Aquelas horas que
passámos a trabalhar junto do soberano defunto, revolveram-nos a alma”.
“Rei
Santo e Mártir”! Como tal foi tido em vida e homenageado na morte pelo povo da
Madeira o imperador Carlos de Áustria. Trinta mil pessoas, o terço da população
da ilha, acorreram aos funerais a que presidiu o próprio Sr. Bispo D. António
Pereira Ribeiro. Trinta mil portugueses choravam ao ver passar o féretro do
“rei apostólico da Hungria” e atrás dele a desolada imperatriz envolta nos
crepes da viuvez. Choravam e sentiam-se pequeninos ante as “figuras bíblicas”
desses monarcas destronados, como os apelidara Mons. Schioppa, Núncio
apostólico em Budapeste.
Choravam
e perguntavam-se: onde encontraram força para tão rude Calvário este imperador
defunto e esta heróica imperatriz viúva?
Na
sua fé viva, na sua ardente e entranhada devoção ao Coração de Jesus, que os
levava a repetir, com paz e tranquilidade sobrenaturais: “É a vontade de Deus”.
Os
despojos mortais do último soberano da antiga monarquia austro-húngara
mereceram bem ir repousar no templo sagrado, em Nossa Senhora do Monte, sob o
altar da Virgem.
Uma
placa de mármore a fechar a base do túmulo diz-nos, em letras de oiro, que o
imperador Carlos I, tendo nascido a 17 de Agosto de 1887, “morreu na Madeira,
adorando o Santíssimo Sacramento, ali presente, e dizendo: “seja feita a vossa
vontade!”
A
imperatriz Zita de Habsburgo forçada a sair da Madeira por causa da saúde e
educação de seus sete filhos, deixou os despojos do marido santo entregues ao
venerando Prelado do Funchal e à piedade da população da ilha. Ia continuar a
sua vida dolorosa.
Tendo
educado cristãmente os filhos, depois de peregrinar com humildade e pobreza a
Roma, no passado Ano Santo de 1950, foi bater às portas da Abadia beneditina de
Santa Cecília, nas vizinhanças de Solesmes (Sarthe), com o fim de passar ali,
no isolamento e oração o resto de seus dias. Três das suas irmãs, as princesas
Adelaide, Francisca e Maria Antónia, precederam-na como monjas na mesma Abadia.
Belo
remate de uma vida, toda amor, sacrifício, imolação, com o Coração de Jesus e
pelo Coração de Jesus!
Como
a imprensa tornou do domínio público, está já em feliz andamento o Processo
informativo sobre a fala de santidade do Servo de Deus, o Imperador Carlos de
Áustria, em ordem à sua beatificação.
É
Juiz Ordinário o Em.mo Cardeal Initzer, Arcebispo de Viena. Para o que se
refere à Madeira o Sr. Bispo do Funchal nomeou já o Tribunal respectivo.
Apressemos,
com nossas orações, a hora da glorificação do “Rei santo”.
J.
M. N. in Mensageiro do Coração de Jesus, nº 825, Braga, Maio de 1952, Página
226 ss.
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