terça-feira, 7 de outubro de 2025

Rosário - Oração e Pregação


Memória da Virgem Santa Maria do Rosário

O que deu ao Rosário a sua maior nitidez foi a sua estrutura, e não me refiro à repetição ou ao agrupamento das orações. Refiro-me à meditação orante sobre os mistérios da vida, morte e ressurreição de Cristo. Ao contemplar esses mistérios, somos catequizados por eles. O Rosário não é meramente rezado — ele ensina. Ele forma a mente na verdade e o coração no amor.

E é precisamente por isso que, historicamente, foi eficaz contra os cátaros (os albigenses). Os seus ensinamentos não eram apenas moral ou filosoficamente incorretos — negavam a Encarnação, os sacramentos e a bondade da própria criação. Aniquilavam o casamento e a procriação, e se uma criança nascesse, não poderia ser batizada. O Rosário proposto por São Domingos de Gusmão, mistério por mistério, desmantela esses erros não apenas por meio de argumentos, mas conduzindo a alma à claridade luminosa da revelação divina.

 

Examinemos cada conjunto de mistérios e como eles se opõem diretamente aos ensinamentos dos cátaros.

Os Mistérios Gozosos: Afirmando a Bondade da Criação e da Encarnação

Os cátaros acreditavam que o mundo material era maligno — uma prisão criada por um deus inferior ou espírito maligno. Os corpos humanos deveriam ser objeto de fuga, não de santificação. O casamento, o parto e até mesmo os sacramentos eram vistos como parte dessa ordem física corrupta.

Mas os Mistérios Gozosos declaram algo radicalmente diferente:

A Anunciação – Deus se faz homem. Ele assume a carne. Longe de fugir da criação, Deus entra nela. O anúncio do anjo Gabriel a Maria refuta o próprio cerne da cosmologia cátara.

A Visitação – Maria, grávida do Filho de Deus, traz a nova Arca para Isabel. João salta no ventre materno — uma criança ainda não nascida reagindo à presença do Senhor Encarnado. A vida no ventre materno é sagrada, não uma armadilha.

A Natividade – O Verbo se faz carne e habita entre nós. Cristo não nasce em grandeza celestial, mas em uma família humana real, com sofrimento e alegria humanos reais.

A Apresentação – Jesus é oferecido no Templo segundo a Lei. Ele entra nos rituais e estruturas da Antiga Aliança, afirmando a continuidade entre carne e fé.

A perda e o encontro no Templo – O Verbo encarnado aprende, fala, escuta. Deus encarnado está entre os mestres. O aprendizado e a razão humana não são armadilhas, mas caminhos para a verdade.

Cada mistério afirma a dignidade da matéria, do corpo, das relações humanas, da aliança e da própria ideia de que Deus se torna visível. Estes mistérios atingem o cerne do desprezo cátaro pelo mundo material.

Os Mistérios Dolorosos: Abraçando o Corpo e a Cruz

Os cátaros rejeitavam a crucificação como algo ilusório (já que acreditavam que Cristo não tinha um corpo real) ou moralmente repugnante. O Jesus deles não sofreu, não morreu e certamente não ressuscitou corporalmente.

Mas os Mistérios Dolorosos mostram um Deus que ama até a morte:

A Agonia no Jardim – Cristo sente o peso do sofrimento. Ele transpira sangue. Isso não é ilusão. O Deus Encarnado experimenta pavor e tristeza como qualquer ser humano.

A Flagelação – O corpo não é mau, mas aqui ele é ferido, açoitado, dilacerado para a nossa cura. O sofrimento físico de Cristo redime o reino físico.

A Coroação de Espinhos – Mesmo na humilhação, a Realeza de Cristo brilha. Os cátaros viam o sofrimento mundano como algo sem sentido; mas para os cristãos, ele se torna redentor.

O Carregamento da Cruz – O caminho para o Calvário não é de fuga, mas de abraço. A cruz não é evitada, mas aceita, santificada pelo amor.

A Crucificação – Cristo morre uma morte real em um corpo real. Há sangue, sede, agonia — e, em meio a tudo isso, perdão e misericórdia. A cruz é o ápice da Encarnação, não um erro divino.

Esses mistérios confrontam corajosamente o dualismo dos cátaros. Jesus não apenas parecia humano — Ele era humano. E Seu sofrimento não foi um acidente — foi o meio pelo qual Ele salvou o mundo.

Os Mistérios Gloriosos: Derrotando a Morte e Restaurando a Criação

Se os cátaros desprezavam o material, desprezavam igualmente a ressurreição do corpo. Para eles, a salvação significava a fuga do corpo, não a sua glorificação.

Mas os Mistérios Gloriosos revelam a verdade:

A Ressurreição – Jesus ressuscita corporalmente. O túmulo está vazio. Ele come com Seus discípulos. A ressurreição não é uma metáfora espiritual, mas uma vindicação de toda a humanidade de Cristo.

A Ascensão – O corpo humano de Cristo é levado ao céu. A matéria não é deixada para trás — ela é ressuscitada.

A Descida do Espírito Santo – O Espírito desce sobre apóstolos de carne e osso, fortalecendo a Igreja. A era da Igreja começa com línguas, fogo e proclamação em praça pública.

A Assunção de Maria – O primeiro discípulo é levado ao céu, em corpo e alma. Uma mulher, uma mãe, uma criatura de carne, é glorificada.

A Coroação de Maria – Não como deusa ou abstração, mas como Rainha do Céu — coroada, exaltada e ainda humana.

Este conjunto de mistérios silencia o medo cátaro do corpo e do mundo. Mostra que a redenção não vem pela rejeição da criação, mas pela sua recriação a partir de dentro. O corpo não é uma gaiola, mas um templo destinado à glória.

 

Conclusão: Um Catecismo Vivo em Contas

O Rosário é mais do que uma oração, torna-se uma proclamação ou pregação. Cada Ave-Maria é uma batida de coração que ecoa as verdades do Credo. Cada dezena é uma lição de Encarnação, Redenção e Glória.

Não é de se admirar que São Domingos tenha recorrido ao Rosário para pregar a um povo cujas mentes haviam sido obscurecidas pelo erro espiritual. Onde longos tratados teológicos falharam em tocar os corações, o Rosário permitiu que pessoas comuns vissem Cristo com os olhos da fé.

Vale a pena notar que a estrutura do Rosário espelha a estrutura dos Evangelhos. Não são apenas os ensinamentos de Cristo que são destacados, mas a Sua vida. Os mistérios não são doutrinas abstratas, mas momentos – momentos revelados que confrontam a falsidade ao revelar a realidade.

 

Atualização

Hoje, há também heresias que circulam entre nós: negação da Encarnação, rejeição da dignidade humana, confusão sobre o sofrimento e desdém pelo corpo. E, no entanto, o Rosário ainda funciona – não como magia, mas como meditação, formação e comunhão. Num mundo seduzido por falsas luzes, o Rosário permanece uma tocha de fogo. São Domingos sabia disso. Ele nos deu não apenas palavras para dizer, mas mistérios para viver. (Adaptado de autor não identificado)

 

À margem 1

Quando Santo Afonso de Ligório já estava velho, doente e em uma cadeira de rodas, um irmão leigo costumava levá-lo em sua cadeira de rodas pelo claustro de seu mosteiro à noite para que ele pudesse tomar um pouco de ar fresco. Conversando com o irmão, Santo Afonso perguntou-lhe:

- Já rezaste o seu terço hoje?

- Não me lembro – respondeu o irmão.

- Então, vamos rezá-lo agora – disse o Santo.

- Mas vossa Reverência já está tão cansado. Que diferença faz se não rezarmos o terço por um dia? –  protestou o irmão.

Santo Afonso respondeu:

- Se eu não rezasse o meu terço por um dia sequer, temeria pela minha salvação eterna.

 

À margem 2

A festa de Nossa Senhora do Rosário foi instituída por São Pio V em comemoração à vitória na Batalha de Lepanto, em 7 de outubro de 1571, contra os turcos que ameaçavam a Europa.

Em 1716, a festa foi estendida a toda a Igreja em agradecimento pela derrota do Crescente Muçulmano na Hungria.

Antes do Vaticano II, os hábitos de muitas Ordens religiosas tinham rosários pendurados em seus cíngulos, e os bons católicos costumavam carregar o rosário consigo o dia todo. Era considerado não apenas um item para contar as Ave-Marias, mas um objeto abençoado, o selo de uma ligação especial da pessoa com Nossa Senhora. Muitas vezes, a mera presença física do rosário repelia o Diabo e atraía graças especiais. Tornou-se o objeto religioso clássico para lutar contra o Diabo.

O Rosário é assim uma corrente de oração e de união. Através do Rosário nós estamos presos a Maria e Maria mantém-se unida a nós.

 

Ver também:

O terço de Fernando Pessoa

Cinquenta moedas de ouro

A vitória do Rosário

As contas do mês

Terços do Rosário

A melhor maneira de rezar

O Rosário em Portugal

Escada para o céu

O Rosário do Pe. António Vieira

O Pe. Dehon e o Rosário

 

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