Segundo Capítulo da Primeira Biografia do Pe. Dehon em Português
Era feliz
“Estava finalmente no meu meio: era feliz. O seminário era uma casa velha, estreita, alta, escura e triste. Não me importava, era feliz! Puseram-me no quinto ou sexto andar, já não me lembro bem, duma águas furtadas, debaixo do telhado, sobre a capela. O quarto pequeno e nu, o leito duro… que importância tinha! Era feliz” (Diário).
Das
suas notas íntimas transparece o entusiasmo da sua dedicação, a seriedade do
seu empenho, a delicada e assídua obra da Graça, a sua fidelidade atenta e
constante. Já desde o primeiro ano de seminário aparece clara a orientação que
Deus dava à sua espiritualidade: uma orientação que desde já revela as futuras
inclinações, os grandes ideais e as realizações generosas. “Nosso Senhor tomou
conta da minha vida interior e fixou nela as disposições que deviam ser a
característica dominante da minha existência: a Devoção do S. Coração, a
humildade, a conformidade com a sua vontade, a união com Ele e a vida de amor.”
(Diário).
A
confidência que o jovem seminarista nos faz: “Ardo no desejo de ser um santo
sacerdote!” (Diário); é a mais expressiva que se podia esperar, e diz-nos todo
o esforço para purificação, que o faz procurar e chorar as pequenas faltas da
vida passada, o zelo e o desejo de expiação “pelos pobres pecadores
atormentados pela sua ignorância e pelas suas culpas” (Diário), a oração rica
de sentimentos suaves, cheia de doçura e de paz; doçura e paz que se mantêm
pelo dia fora. E realiza todos os seus trabalhos “sem deixar de sentir a
presença de Deus, sem sair da sua vida de recolhimento!” (Diário). Às vezes
surgem impressões mais vivas, mais ardentes, que abalam profundamente a sua alma
e criam desejos imensos. É a violência do amor. Então o coração vibra
fortemente, o espírito inflama-se, e a fascinação de Deus é irresistível. Não
pode deixar de chorar, consolado, ao sentir esta inefável ação divina. “A alma
faz tudo por amor, na ânsia de agradar a Deus e fazer amá-lo. Tudo oferece a
Deus, desprezando o mundo; obedece docilmente ao seu diretor e aos seus
superiores, tem grandes desejos de mortificação; quer cumprir em todas as
coisas a vontade de Deus; pratica com perfeição a caridade para com o próximo…
Descrevendo estas graças divinas, descrevi, se não é ilusão, o que a
inesgotável misericórdia de Deus operou a pouco e pouco na minha alma e com
faltas devidas às minhas resistências e imperfeições.” (Diário).
É
seminarista fervoroso. Deus já recompensou largamente as suas corajosas
renúncias. Mas o estímulo, tão vivo e tão doce, não cessa. Desperta sempre mais
clara e intensa a inclinação para a vida religiosa. Quanto mais, na vida
religiosa, se ama a Deus, tanto mais fácil é o caminho da santidade! O jovem
seminarista fica impressionado pelas palavras de S. Belarmino: - Além dos
mártires, há bem poucos santos canonizados que não tivessem estado em
conventos”. Uma visita às salas do Cardeal Vigário dá-lhe a mesma impressão:
retratos de Cardeais canonizados, mas quase todos de conventos. “Eu amo a
coerência, diz então, e por isso quero entrar numa religião, não para ser
canonizado, mas para fazer-me santo e para melhor amar e servir a Deus”.
(Diário).
Desde
então tem sempre nos lábios a mesma oração, a que será também o seu mote, o seu
programa: “Domine quid facere?” (Senhor o que queres que eu faça?).
Responde, ó Senhor… e eu o farei.
***
Entretanto manifesta-se a primeira prova tangível da vontade de Deus que o chama. É o convite oficial: a S. Tonsura, as Ordens Sacras, o Subdiaconado, o Diaconado. Que alvoroço de comoção depois de tão grande e atormentada espera!
“Desejava
tanto realizar a minha separação do mundo, entregar-me todo ao Senhor…
Recebendo a Tonsura, deixei cair muitas lágrimas, juntamente com os meus
cabelos, na bandeja do Sr. Bispo. Por tanto tempo tinha esperado e lutado para
realizar a minha Vocação! Entrava assim na Terra Prometida” (Diário).
Será
talvez necessário dizer que a sua união cada dia mais íntima, o seu amor mais
fervoroso, a sua generosidade sem reserva? Havia no íntimo do seu coração –
verdade seja – uma constante e profunda tristeza: era a dor de ver que “Jesus
não era amado” (Diário). E lembrava-se do que dizia o santo Cura de Ars, “Deus fez
as aves para cantar, e elas cantam; fez os homens para o amarem e eles não o
amam…”
Mas
a tristeza das almas que amam, é a mais suave doçura, a mais tranquila e
tocante comoção que pode apoderar.se do nosso espírito; sofre-se com Aquele e
por aquele que amamos. E como é doce sofrer por amor!
No
exercício diário da Via Sacra, o fervoroso Seminarista confirma os seus
sentimentos, primeira manifestação de uma chama de Amor e de Reparação que será
a luz e o estímulo dos dias futuros.
Na
cela de oração e de estudo, há um Crucifixo que é o seu confidente e
companheiro: “O S. Coração de Jesus, fonte de alegria, jardim fechado, lugar de
refúgio, porto de salvação, fortaleza inexpugnável” (Diário). O que queremos
mais?
“Dia
de felicidade, de alegria pura. Início da verdadeira liberdade: servir a Deus é
reinar!” (Diário). Assim foi o dia 21 de dezembro de 1867, quando foi ordenado
subdiácono; assim foram todos os dias daquele ano a que Pe. Dehon chamará “um
dos melhores da sua vida. Parece-me que Nosso Senhor me tinha mandado fazer,
naquele ano, o meu Noviciado de vida religiosa e que era Ele o próprio Mestre.
Julgo que posso hoje compreender o motivo. Naquela época, na Alsácia, começava
aquela Comunidade (as Escravas do S. Coração) que se devia unir a nós e ter para
connosco uma missão toda maternal.
“As
nossas primeiras Madres tonaram o véu em 21 de novembro de 1867. Também elas
faziam o Noviciado. O Senhor se comprazia, sem dúvida, na sua bondade, em
preparar ao mesmo tempo as duas Obras. As luzes que Deus me dava em todas as
minhas meditações daquele ano eram assim, conformes com a nossa Vocação de
Sacerdotes Oblatos do S. Coração de Jesus. Os meus apontamentos espirituais de
então podiam servir para orientar um Diretório Espiritual da Obra” (Diário).
O
pensamento em que mais se insiste é o da união: a união com Nosso Senhor, a
união que é “o início da vida do Céu”; união ao S. Coração de Jesus, para se
viver sempre em paz, na santa alegria que enche a alma e se espalha à nossa
roda. Pe. Dehon fala-nos da sua “alegria cada dia mais forte pela vida íntima
de amor a Nosso Senhor” (Diário). Uma expressão do Pe. Libermann: “Viver e
morrer numa solidão profunda, desconhecido pelos homens, amado, abençoado e
consolado somente por Deus” exprime bem a sua verdadeira vontade. A sua vida
interior é-lhe muito favorável: “para conformar-me com a vontade de Deus,
unir-me-ei ao Coração de Jesus, seguindo docemente, com paciência e amor a
Providência de Deus e a inspiração do Espírito Santo” (Diário).
E
do Espírito santo estava ele cheio naquele dia em que tomava esta resolução: 6
de junho de 1868, o dia do seu Diaconado.
Sempre mais visível é o fio que o guia, assim como todas as luxes com que Deus o favorece no decorrer do ano. É assim que ele se exprime: “O Senhor estimulava-me cada vez mais, de dia para dia, a unir-me ao S. Coração” (Diário).
(Continua)
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