sábado, 16 de março de 2024

Pe. Dehon em português (2)


Segundo Capítulo da Primeira Biografia do Pe. Dehon em Português

Era feliz

“Estava finalmente no meu meio: era feliz. O seminário era uma casa velha, estreita, alta, escura e triste. Não me importava, era feliz! Puseram-me no quinto ou sexto andar, já não me lembro bem, duma águas furtadas, debaixo do telhado, sobre a capela. O quarto pequeno e nu, o leito duro… que importância tinha! Era feliz” (Diário).

Das suas notas íntimas transparece o entusiasmo da sua dedicação, a seriedade do seu empenho, a delicada e assídua obra da Graça, a sua fidelidade atenta e constante. Já desde o primeiro ano de seminário aparece clara a orientação que Deus dava à sua espiritualidade: uma orientação que desde já revela as futuras inclinações, os grandes ideais e as realizações generosas. “Nosso Senhor tomou conta da minha vida interior e fixou nela as disposições que deviam ser a característica dominante da minha existência: a Devoção do S. Coração, a humildade, a conformidade com a sua vontade, a união com Ele e a vida de amor.” (Diário).

A confidência que o jovem seminarista nos faz: “Ardo no desejo de ser um santo sacerdote!” (Diário); é a mais expressiva que se podia esperar, e diz-nos todo o esforço para purificação, que o faz procurar e chorar as pequenas faltas da vida passada, o zelo e o desejo de expiação “pelos pobres pecadores atormentados pela sua ignorância e pelas suas culpas” (Diário), a oração rica de sentimentos suaves, cheia de doçura e de paz; doçura e paz que se mantêm pelo dia fora. E realiza todos os seus trabalhos “sem deixar de sentir a presença de Deus, sem sair da sua vida de recolhimento!” (Diário). Às vezes surgem impressões mais vivas, mais ardentes, que abalam profundamente a sua alma e criam desejos imensos. É a violência do amor. Então o coração vibra fortemente, o espírito inflama-se, e a fascinação de Deus é irresistível. Não pode deixar de chorar, consolado, ao sentir esta inefável ação divina. “A alma faz tudo por amor, na ânsia de agradar a Deus e fazer amá-lo. Tudo oferece a Deus, desprezando o mundo; obedece docilmente ao seu diretor e aos seus superiores, tem grandes desejos de mortificação; quer cumprir em todas as coisas a vontade de Deus; pratica com perfeição a caridade para com o próximo… Descrevendo estas graças divinas, descrevi, se não é ilusão, o que a inesgotável misericórdia de Deus operou a pouco e pouco na minha alma e com faltas devidas às minhas resistências e imperfeições.” (Diário).

É seminarista fervoroso. Deus já recompensou largamente as suas corajosas renúncias. Mas o estímulo, tão vivo e tão doce, não cessa. Desperta sempre mais clara e intensa a inclinação para a vida religiosa. Quanto mais, na vida religiosa, se ama a Deus, tanto mais fácil é o caminho da santidade! O jovem seminarista fica impressionado pelas palavras de S. Belarmino: - Além dos mártires, há bem poucos santos canonizados que não tivessem estado em conventos”. Uma visita às salas do Cardeal Vigário dá-lhe a mesma impressão: retratos de Cardeais canonizados, mas quase todos de conventos. “Eu amo a coerência, diz então, e por isso quero entrar numa religião, não para ser canonizado, mas para fazer-me santo e para melhor amar e servir a Deus”. (Diário).

Desde então tem sempre nos lábios a mesma oração, a que será também o seu mote, o seu programa: “Domine quid facere?” (Senhor o que queres que eu faça?). Responde, ó Senhor… e eu o farei.

***

Entretanto manifesta-se a primeira prova tangível da vontade de Deus que o chama. É o convite oficial: a S. Tonsura, as Ordens Sacras, o Subdiaconado, o Diaconado. Que alvoroço de comoção depois de tão grande e atormentada espera!

“Desejava tanto realizar a minha separação do mundo, entregar-me todo ao Senhor… Recebendo a Tonsura, deixei cair muitas lágrimas, juntamente com os meus cabelos, na bandeja do Sr. Bispo. Por tanto tempo tinha esperado e lutado para realizar a minha Vocação! Entrava assim na Terra Prometida” (Diário).

Será talvez necessário dizer que a sua união cada dia mais íntima, o seu amor mais fervoroso, a sua generosidade sem reserva? Havia no íntimo do seu coração – verdade seja – uma constante e profunda tristeza: era a dor de ver que “Jesus não era amado” (Diário). E lembrava-se do que dizia o santo Cura de Ars, “Deus fez as aves para cantar, e elas cantam; fez os homens para o amarem e eles não o amam…”

Mas a tristeza das almas que amam, é a mais suave doçura, a mais tranquila e tocante comoção que pode apoderar.se do nosso espírito; sofre-se com Aquele e por aquele que amamos. E como é doce sofrer por amor!

No exercício diário da Via Sacra, o fervoroso Seminarista confirma os seus sentimentos, primeira manifestação de uma chama de Amor e de Reparação que será a luz e o estímulo dos dias futuros.

Na cela de oração e de estudo, há um Crucifixo que é o seu confidente e companheiro: “O S. Coração de Jesus, fonte de alegria, jardim fechado, lugar de refúgio, porto de salvação, fortaleza inexpugnável” (Diário). O que queremos mais?

“Dia de felicidade, de alegria pura. Início da verdadeira liberdade: servir a Deus é reinar!” (Diário). Assim foi o dia 21 de dezembro de 1867, quando foi ordenado subdiácono; assim foram todos os dias daquele ano a que Pe. Dehon chamará “um dos melhores da sua vida. Parece-me que Nosso Senhor me tinha mandado fazer, naquele ano, o meu Noviciado de vida religiosa e que era Ele o próprio Mestre. Julgo que posso hoje compreender o motivo. Naquela época, na Alsácia, começava aquela Comunidade (as Escravas do S. Coração) que se devia unir a nós e ter para connosco uma missão toda maternal.

“As nossas primeiras Madres tonaram o véu em 21 de novembro de 1867. Também elas faziam o Noviciado. O Senhor se comprazia, sem dúvida, na sua bondade, em preparar ao mesmo tempo as duas Obras. As luzes que Deus me dava em todas as minhas meditações daquele ano eram assim, conformes com a nossa Vocação de Sacerdotes Oblatos do S. Coração de Jesus. Os meus apontamentos espirituais de então podiam servir para orientar um Diretório Espiritual da Obra” (Diário).

O pensamento em que mais se insiste é o da união: a união com Nosso Senhor, a união que é “o início da vida do Céu”; união ao S. Coração de Jesus, para se viver sempre em paz, na santa alegria que enche a alma e se espalha à nossa roda. Pe. Dehon fala-nos da sua “alegria cada dia mais forte pela vida íntima de amor a Nosso Senhor” (Diário). Uma expressão do Pe. Libermann: “Viver e morrer numa solidão profunda, desconhecido pelos homens, amado, abençoado e consolado somente por Deus” exprime bem a sua verdadeira vontade. A sua vida interior é-lhe muito favorável: “para conformar-me com a vontade de Deus, unir-me-ei ao Coração de Jesus, seguindo docemente, com paciência e amor a Providência de Deus e a inspiração do Espírito Santo” (Diário).

E do Espírito santo estava ele cheio naquele dia em que tomava esta resolução: 6 de junho de 1868, o dia do seu Diaconado.

Sempre mais visível é o fio que o guia, assim como todas as luxes com que Deus o favorece no decorrer do ano. É assim que ele se exprime: “O Senhor estimulava-me cada vez mais, de dia para dia, a unir-me ao S. Coração” (Diário).

(Continua)


 Ver também:

Pe. Dehon em português (1)



 

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