quinta-feira, 14 de março de 2024

Pe. Dehon em português (1)


A primeira biografia do Pe. Dehon em Português foi publicada no Funchal em 1950 pelo Colégio Missionário, precisamente 25 anos depois da sua morte. Foi escrita pelo Pe. José Girardi e impressa pelo Eco do Funchal com 42 páginas, com 10 capítulos e seis fotografias.

FICHA TÉCNICA

Autor – P. José Girardi, SCJ

Título – PADRE L. JOÃO DEHON

Edição – Colégio Missionário S. Coração, Funchal, Caminho do Monte, 9 – Telef 1346 Madeira

Editora – Composto e impresso nas oficinas do ECO DO FUNCHAL, Travessa do Freitas 10-12, Funchal, Madeira

Imprimatur – Cónego Manuel F. Camacho, Vigário Geral, Funchal, 08-12-1949

Declaração – Nada do que se escreveu nestas páginas seja tomado como juízo antecipado à decisão da Igreja.

 

O ECCE VENIO

“Fui batizado no dia 24 de março de 1843 na humilde igreja de La Capelle pelo digno e venerando Padre Hércart, que havia de ser, por mais doze anos, o nosso Pároco, e que me preparou para a Primeira Comunhão. Em 24 de março era a festa duma criança mártir: S. Simeão, mas era, sobretudo, a véspera da Anunciação. E, senti-me feliz, mais tarde, por poder juntar à recordação do meu Batismo a do Ecce Venio de Nosso Senhor. Esta recordação inspirou-me uma grande confiança. O Ecce Venio do S. Coração de Jesus protegeu e abençoou a minha entrada na vida cristã. Há de, sem dúvida, ser agradável ao Senhor, que eu tome este facto como uma graça especial da Sua Providência em vista da minha atual vocação de Sacerdote- Hóstia do Coração de Jesus” (Pe. Dehon, Diário).

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Leão Gustavo Dehon nasceu a 14 de março de 1843 em La Capelle, nos confins da França Setentrional. Seu pai, um gentil-homem reto e de bom coração, ainda que afastado das práticas religiosas, admirava e respeitava muito a vida cristã. Uma luz iluminará, a pouco e pouco, a sua alma, ao +asso que o filho se for aproximando do alto fim para o qual Deus o destinara: - O Sacerdócio. Pelo contrário, a mãe tinha uma fé pura, simples, intensa, cheia duma grande devoção ao S. Coração de Jesus. O Pe. Dehon vê nela um dos maiores dons de Deus e o instrumento de mil graças. “A bela alma de minha mãe, diz ele com satisfação, passou um pouco para a minha” (Diário). A união destes dois corações será sempre caracterizada por uma singular nobreza e uma intimidade profunda: “Quando eu, já Sacerdote, três ou quatro vezes por ano, a encontrava – escreve o Pe. Dehon, – ela pedia-me sempre que lhe falasse sobre a vida interior. Queria estar ao corrente do que em mim se passava, e por fim acabou por fazer a sua Profissão de Vítima do S. Coração de Jesus” (Diário).

No seu primeiro encontro com Jesus na Eucaristia, sentiu “uma forte impressão de Graça… Creio firmemente que Nosso Senhor começou a amar-me naquele dia” (Diário).

Depois, rapaz já de doze anos, deixa pela primeira vez a casa paterna e entra no Colégio de Hazebrouk. É a vida com as suas primeiras lutas, as suas dúvidas, as suas fraquezas e as suas vitórias. Ao passo que os seus estudos decorrem com o maior êxito, mais se abre a sua alma onde ecoa a voz de Deus. O Artista trabalha pacientemente, preparando a sua grande Obra de Arte, formada de bem pouco e até de nada.

A noite de Natal de 1855, passada em oração na capela de Hazebrouk, é o ponto de partida, um novo despertar de fé e de sede eucarística: um convite à Vocação para o Sacerdócio que desabrocha ainda incerta, mas já vivendo no seu pequeno coração: “Nosso Senhor fez-me gostar do espírito de oração, do espírito de pureza, que me lembra a sua vontade para com as crianças da Palestina”.

A leitura da vida dos santos comove-o. Acentua-se sempre mais na sua vontade: “Ser religioso e missionário”.

Não podemos pensar, sem um vivo comprazimento, neste rapaz que desde o início, como ele mesmo nos diz, quer dar-se sem medida e trabalhar ardorosamente; luta, resiste, e não obstante as crises internas e tentações, não desanima e reforça-se na Vocação que o atrai por uma necessidade íntima de união com Jesus e por um zelo ardente pela salvação das almas. Agora já não é o menino dos dias sempre serenos, sempre cheios de sol e de céu azul, sem nuvens nem tempestades, mas sim um rapaz, normal e, por isso, mais agradável, muito mais próximo de nós e das nossas hesitações, do bem e do mal, próprios de cada um; um rapaz, porém, nada comum pela energia com a qual encara as dificuldades, especialmente as mais duras de resolver, as que só a imolação do nosso coração, as nossas lágrimas e o nosso sangue podem vencer.

O pai fica entusiasmado com o brilhante resultado dos seus estudos. Sonha para o filho um lugar de destaque na vida. Custa sempre muito deitar abaixo o sonho dum pai, ainda que esse sonho seja desfeito por uma vontade superior: a vontade de Deus. Começam então a passar.se cenas bem dolorosas todas as vezes que Leão volta a casa dos pais, coroado de novos sucessos.

Mas a voz de Deus não cessa de chamá-lo: “A minha vocação mantinha-se, escreve o Pe. Dehon, e eu dou sempre e sempre mil graças a Deus. Não hesito. Quero ser de Deus!” (Diário).

Em Paris, desde o ano 1859 até o ano de 1864, ainda mais seguro se torna a virtude, em contraste com o meio mundano, e ao trabalho intelectual junta-se a atividade social entre os pobres da metrópole. A S. Comunhão diária é o farol que ilumina estes anos delicados e perigosos.

Em 1864, volta a La Capelle. É formado em Direito e advogado, aos 21 anos. A grande alegria da família tem a ensombrá-la sempre a mesma nuvem: pai e filho não concordam com o futuro. Uma viagem pelo Oriente daria bom resultado, na opinião do pai, para o distrair daquela ideia fixa; mas nos planos de Deus a visita aos lugares santos seroa uma confirmação: “Q minha fé e a minha Vocação deviam encontrar nesta viagem tanta força!” (Diário).

No regresso, de passagem por Roma foi escolhido também o lugar onde devia fazer os seus estudos sagrados. Pio IX tinha-lhe aconselhado o seminário de Santa Clara, e Leão Dehon teve ali o primeiro encontro com o seu futuro diretor Pe. Freyd, “um homem de Deus, um santo, como dizia Pio IX” (Diário).

Veio a calma! Quanto alívio e quanta consolação exprimem estas simples palavras: “eu já estava em paz”! (Diário). A paz conquistada com tenacidade e irredutível vontade do bem, a paz que contém em si o segredo de tanta força contra todos os ataques.

E o último ataque esperava-o no regresso, o último e o mais tremendo. Até sua mãe com a qual tinha todo o direito de contar, abandonava-o. “Ela era piedosa, queria.me piedoso, mas o Sacerdócio assustava-a. Julgava que eu não pertenceria mais à família, e que ela me perderia para sempre. Tive de endurecer o coração para poder resistir a todos os assaltos.” (Diário).

O Ecce Venio não era só uma fórmula vã. Leão Dehon há de doravante sentir isto mesmo, cada vez mais. E com toda a alma repete e repetirá: “como Tu, ó Senhor, segundo a santa vontade do Pai, aqui estou: pronto! Já vou!”. 

(continua)

 


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