3ª feira – II semana do advento
Versão universitária da parábola da
Ovelha Perdida
Um dia, estava eu de
pé na porta da sala, esperando que os meus alunos entrassem para o nosso 1º dia
de aula. Foi aí que vi o Tom, pela
primeira vez. Não consegui evitar que meus olhos piscassem de
espanto. Ele tinha cabelos longos e muito louros que batiam uns 20 cm abaixo
dos ombros. Eu nunca vira um rapaz com cabelos tão longos.
Acho que a moda estava
apenas a começar nessa época. O
que importa não é o que está fora, mas o que vai por dentro da cabeça,
pensei, mas confesso que fiquei chocado. Logo classifiquei o Tom com um ‘E’ de ‘estranho’, muito
estranho! E ele acabou se revelando como o ‘ateu da turma’ no meu curso de
Teologia. Constantemente fazia objeções e questionava a possibilidade de
existência de um Deus-Pai que nos amasse incondicionalmente. Convivemos em relativa
paz durante o semestre, embora admito que às vezes ele era bastante incómodo.
No fim do curso, ele
aproximou-se e perguntou-me, num tom ligeiramente irónico:
- O senhor acredita mesmo que eu possa
encontrar Deus algum dia?
Resolvi usar uma
terapia de choque:
- Não, eu não acredito!- respondi.
- Ah! – Respondeu – pensei que era este
o produto que o senhor esteve tentando vender-nos nestes últimos meses.
Deixei que ele se
afastasse um pouco e disse bem alto:
- Eu não acredito que tu
consigas encontrar Deus, mas tenho a certeza absoluta de que Ele te encontrará
um dia.
Ele encolheu os ombros e foi embora da
minha sala e da minha vida. Algum tempo depois soube que se tinha formado e, em
seguida, recebi uma notícia triste: ele estava com um cancro terminal. E antes que eu fosse à sua
procura, ele veio ver-me.
Quando entrou na minha sala, percebi que o seu corpo tinha sido devastado pela doença e que os cabelos longos já não
existiam mais por causa da quimioterapia. Entretanto, os seus olhos
estavam brilhantes e a sua voz era firme, bem diferente daquele jovem que
conheci.
- Tom, tenho pensado em ti. Soube que estás
doente!- disse-lhe.
- Ah, é verdade, estou seriamente
doente. Tenho cancro nos pulmões. É uma questão de
semanas, agora.
- Queres falar comigo sobre isso?
- Claro, o que é que o senhor gostaria de saber?
- Como é ter vinte e
quatro anos e saber que se está morrendo?
- Acho que poderia ser pior.
- Como assim?
- Bem, eu poderia ter cinquenta anos e não ter
noção de valores ou ideais, ou ter sessenta anos e pensar que bebida, mulheres
e dinheiro são as coisas mais ‘importantes’ da vida...
Lembrei-me da
classificação que lhe atribuí: ‘E’
de ‘estranho’. Penso que quem
recebeu classificações desse tipo, é enviado de volta por Deus, para que eu
possa refazer o meu preconceito...
- Mas a razão pela qual eu realmente vim vê-lo foi a frase que o senhor me disse no último
dia de aula. (Ele se
lembrava!...) – E o Tom continuou: Eu perguntei-lhe se o senhor acreditava que eu
encontraria Deus algum dia e respondeu-me 'Não!', o que me surpreendeu. Em seguida, o senhor
disse, ‘mas Ele te encontrará’. Eu pensei um bocado a respeito daquela
frase, embora na época não estivesse muito interessado no assunto. Mas quando
os médicos removeram um nódulo da minha virilha e me disseram que se tratava de
um tumor maligno, comecei a pensar com mais seriedade sobre a ideia de procurar
Deus. E quando a doença se espalhou por outros órgãos, comecei realmente a dar
murros desesperados nas portas de bronze do paraíso. Mas Deus não apareceu. De facto,
nada aconteceu. O senhor já tentou fazer alguma coisa por um longo período, sem
sucesso? Eu fiquei cansado e desanimado.
Um dia, ao invés de continuar atirando apelos por cima do muro alto
atrás de onde Deus poderia estar ou não, eu desisti, simplesmente. Decidi que de facto não me estava importando
com Deus, com uma possível vida eterna ou qualquer coisa parecida. E
decidi utilizar o tempo que me restava fazendo alguma coisa mais proveitosa.
Pensei no senhor e nas suas aulas e lembrei-me de uma coisa que o senhor tinha
dito noutra ocasião: A tristeza
mais profunda é passar pela vida sem amar ou sem nunca ter dito às pessoas
queridas o quanto as amou.
Então resolvi começar pela
pessoa mais difícil: o meu pai. Ele estava a ler o jornal quando me
aproximei dele:
- Pai... – disse eu.
- Sim, o que é? – perguntou, sem baixar
o jornal
- Pai, eu gostaria de conversar consigo.
- Então fala.
- É um assunto muito importante!
O jornal desceu alguns
centímetros, vagarosamente.
- O que é?
- Pai, eu amo-o muito. Só queria que soubesse disso.
O jornal escorregou
para o chão e meu pai fez duas coisas que eu jamais tinha visto: Ele começou a chorar e abraçou-me com
força. E conversamos durante toda a noite, embora ele tivesse que
ir trabalhar na manhã seguinte.
- Foi tão bom poder sentar-me junto do meu pai, conversar, ver as suas
lágrimas, sentir o seu abraço, ouvi-lo dizer que também me amava! Foi uma
emoção indescritível! Foi mais fácil com a minha mãe e com o meu irmão mais
novo. Eles choraram também e nós nos abraçamos e falamos de coisas realmente boas uns para os outros. Falamos sobre
as coisas que tínhamos mantido em segredo por tantos anos, e que era tão bom
partilhar. Só lamentei uma coisa:
que eu tivesse desperdiçado tanto tempo, privando-me de momentos tão
especiais.
Naquela hora eu estava apenas começando a me abrir com as pessoas que
amava. Então, um dia, eu olhei, e
lá estava ELE. Ele não veio ao meu encontro quando Lhe implorei.
Acredito que estava agindo como um domador de animais que, segurando um
chicote, diz: ‘Vamos, pule! Eu lhe dou três dias... três semanas...’. Parece
que Deus não se deixa impressionar. Ele age a Seu modo e a seu tempo. Mas o que
importa é que Ele estava lá. Ele
me encontrou... O senhor estava certo. Ele me encontrou mesmo
depois de eu ter desistido de procurar por Ele.
- Tom – disse-lhe comovido, o que
estás a dizer é muito mais importante do que podes imaginar. Para mim, pelo
menos, estás dizendo que a maneira
certa de encontrar Deus, não é fazendo dEle um bem pessoal, uma solução
para os nossos problemas ou um consolo em tempos difíceis, mas sim se tornando disponível para o
verdadeiro Amor. O apóstolo João disse isto: ‘Deus é Amor e aquele
que vive no Amor, vive com Deus e Deus vive com Ele’. Posso pedir-te um favor?
Tu sabes que me deste bastante trabalho quando foste meu aluno (risos). Mas
agora podes compensar-me por isso. Podes
vir à minha aula de Teologia e contar aos meus alunos o que acabaste de me
contar? Se eu lhes contasse não seria a mesma coisa, não tocaria
tão fundo neles!
- Oooh!... eu preparei-me para vir vê-lo, mas não sei se estou
preparado para enfrentar os seus alunos.
- Então, pense nisto. Se te sentires preparado, telefona-me…
Alguns dias mais
tarde, Tom telefonou e disse que
falaria à minha turma. Ele queria fazer aquilo por Deus e por mim. Então
marcámos uma data... O dia chegou, mas ele não pôde vir. Tom tinha outro encontro, muito mais
importante do que aquele. E lá se foi... Antes de morrer, ainda
conversamos uma vez:
- Não vou ter condições de falar com a sua turma.
- Eu sei, Tom.
- O senhor falaria com eles por mim? O senhor falaria... com todo o
mundo por mim?
- Vou falar, Tom. Vou
falar com todo o mundo. Vou fazer o melhor que puder.
Portanto, a todos os
que leram esta declaração de amor tão sincera, obrigado por fazerem-no. E a ti,
Tom, onde quer que estejas, podes crer: eu falei de ti a todo mundo, do melhor modo que consegui. E
espero que as pessoas que tiveram conhecimento desta história, possam contá-la
aos seus amigos, para que mais gente possa conhecê-la...
Uma pergunta:
Tu também conheces algum jovem como o TOM?
(Cf. John Joseph Powel, SJ, 1925-2009, Professor de Teologia
e Psicologia na Universidade de Loyola, USA)
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