quarta-feira, 23 de julho de 2014

Lições dos Pássaros (III)

III
            Outros pássaros completarão seguidamente a lição, mas antes de ir mais longe, afastemos primeiro as sombras ou o fundo negro do quadro; as partes a realçar sobressairão melhor.
            A Providência gosta destes contrastes, ela coloca ao lado do modelo o contraste que o põe em realce.
            O fundo negro são alguns grupos de pássaros tão defeituosos como também educadores e viciosos em alguns aspetos.
            Citarei quatro espécies: as aves de rapina, as aves nocturnas, a preguiçosa avestruz e o vaidoso pavão.
            As aves de rapina, como o abutre e o falcão têm um aspeto duro e cruel; entregam-se à caça, mas somente alguns momentos a meio do dia.
            Pois bem, são desprezíveis tanto pela educação que dão às suas crias como pelos seus hábitos. Têm quase sempre o costume desnaturado de atirar os seus filhos para fora do ninho mais cedo que todos os outros pássaros, e quando eles ainda precisam de cuidados e de ajuda para a sua subsistência. A natureza dos filhos ressente-se da educação e dos exemplos que recebem. Quando são um pouco mais crescidos, não param de se guerrear e de disputar uns aos outros o alimento e o lugar no ninho, de maneira que muitas vezes o pai e a mãe intervêm e os matam, batendo-lhes para acabar a luta. Não há aqui nada porventura que se assemelhe às vossas famílias? Mas não encontraremos por aí famílias cuja vida lembra este triste quadro?
            As aves noturnas, como o mocho, a coruja, a coruja das torres caracterizam-se pelo seu gosto pela rapina. Vão roubar os ovos e as provisões dos outros pássaros. Pássaros sacrílegos, entram nas igrejas rurais, para beber o azeite da lâmpada do Santíssimo.
            Pois bem, estas aves amigas da rapina e do roubo são detestáveis educadoras. Põem os seus ovos à vista nos buracos das muralhas ou sobre as traves. Não colocam nem erva nem folhas para os receber, não se dão à maçada de fazer um ninho. Reconheceis nas nossas famílias de vagabundos cujos filhos, privados de qualquer educação, seguem os tristes exemplos dos seus pais?
            A avestruz é uma ave preguiçosa e estúpida. É referida na Sagrada Escritura pela dureza para com os seus filhos. De facto não lhes presta qualquer cuidado depois do seu nascimento. As suas crias ficam abandonadas, privadas de qualquer educação e de quaisquer benefícios da sociedade; deste modo ficam estúpidas como o seu pai e sua mãe.
            Não se encontrarão também entre os homens, famílias em que a preguiça e a apatia provocam a estupidez e a grosseria?
            O pavão é o símbolo da vaidade e do orgulho. A sua vida é mostrar-se. Julga-se o rei da capoeira e não poupa bicadas. Pois bem, ele abandona muito cedo os seus filhos para se ocupar em mostrar-se e eles imitando o que viram tornam-se cedo vaidosos e guerreiam. Não haverá muitos pavões nas nossas cidades?
            Mas chegamos ao grupo gracioso dos modelos. Aqui tudo é amável e é só escolher.
            Distingo cinco espécies: aqueles que são nobres e valorosos, os que são ternos e bons, os que são ativos e previdentes, os que são amáveis e amigos do homem, depois os artistas, os delicados, os místicos e sentimentais.
            A águia é a rainha dos ares, é o símbolo do poder. É nobre, grande, corajosa, infatigável. Pois bem, sabe ser boa para com os seus aguiotos. Cuida deles, alimenta-os com dedicação. Estes são ternos e sossegados. A águia condu-los à caça e ensina-lhes a caçar e não os obriga a afastar-se senão quando são bastante fortes para dispensar qualquer ajuda.
Parece-vos que este aspeto seja de menosprezar?
            Vêm agora os corifeus da ternura e da bondade, a pomba e a perdiz. A dedicação da pomba à sua ninhada é tão grande, tão constante, que a vemos sofrer os maiores incómodos e as dores mais cruéis antes que a abandonar; há uma ou outra, cujas patas gelam e caem, porque o seu ninho estava demasiado perto da janela do seu aviário e que, apesar deste sofrimento, acompanha a sua ninhada até que os seus filhos saiam da casca.
            O pai, enquanto a mãe está no choco, não se afasta dela, e quando ela pressionada pela fome ela deixa os seus ovos para ir ao comedouro, o pai a quem chamou por meio de um pequeno arrulho, toma o seu lugar e choca os ovos. Ele faz isso duas vezes por dia e durante duas ou três horas de cada vez.
            Entre as perdizes, o pai partilha com a mãe o cuidado de ensinar os filhos. Acompanham os dois, chamam-nos constantemente, encontram-lhes o alimento de que precisam e ensinam-lhes a procurar esgravatando a terra.
            Não é raro vê-los acocorados, aquecendo juntos os seus filhotes cujas cabeças saem de todos os lados com uns olhos muito vivos.
            Vimo-los acudir, batendo as asas sobre o cão que ameaça os seus filhos, que tanto amor paternal inspira a coragem aos animais mais medrosos. Por vezes este amor paternal inspira-lhes uma espécie de prudência e de meios apropriados para salvar a sua ninhada. O pai foge pesadamente e arrastando a asa como para atrair o inimigo, correndo bastante para não ser apanhado, mas não o suficiente para desencorajar o predador, dando tempo para que a mãe leve os filhos para mais longe sem que o caçador perceba o mínimo ruído.
            Que belos exemplos! Ah! se em todas as famílias o pai e a mãe tivessem o mesmo cuidado com a vida temporal dos seus filhos e com a sua vida moral e espiritual.
            Mas eis um outro modelo, maravilha de atividade e de previdência, é o chapim, hóspede gracioso das nossas florestas. O chapim está constantemente em ação, sempre em movimento. É ele, entre os pássaros aquele que cria a família mais numerosa. Trabalha sem descanso de manhã à noite.
            Todas as comidas lhe agradam, sementes, ervas, insectos. Constrói um ninho muito grande para a sua pequena estatura. Guarnece-o abundantemente com ervas miúdas, musgos, algodão, lã, penas, penugem, tudo o que encontra. Tem uma coragem intrépida, e uma atividade incansável. E, o que é raro entre os pássaros, não se preocupa somente com a necessidade presente, mas conhece a época e tem sempre na proximidade do seu ninho esconderijos cheios de provisões; é um pequeno capitalista. Utilizará a “caixa de previdência” quando esta for instituída entre os pássaros.
            Há um grupo particularmente amável, o dos amigos dos homens: Vede a andorinha. Ela não se diverte senão connosco. Faz o seu ninho nas nossas janelas, e nunca nos bosques. Procura de preferência a casa do pobre como para lhe pregar com insistência a confiança na Providência. Como é ativa e abnegada também ela para com os seus filhos! Constrói bem cedo o seu ninho com um duro cimento que traz por debaixo da asa. Não precisa mais do que oito dias e, coisa digna de registo e única, a andorinha é ajudada para isso por muitos companheiros. É a sociedade de socorro mútuo entre os pássaros.
            Uma outra amiga do homem, é a pastorinha, pássaro que acompanha as nossas ovelhas e os nossos cordeiros, a alegria, a distração dos humildes pastores e, por vezes, a mais-valia do rebanho, porque avisa com os seus gritos a proximidade do lobo e da ave de rapina. Faz o seu ninho nas fendas e dá aos seus filhos o exemplo desta dedicação ao homem.
            Que delicioso símbolo dos piedosos visitadores que levam consolação aos pequenos e aos pobres.
            Seguem-se agora os artistas, os cantores piedosos ou profanos. Apresento-vos a toutinegra sempre alegre, viva, atenta e ligeira. É a mais amável hóspede dos nossos bosques. Como dá aos seus filhotes o exemplo de dedicação ao homem! Não parece possuir um coração humano? Nas nossas gaiolas a sua voz afetuosa, os seus pequenos pios e o seu bater de asas exprimem a diligência e o reconhecimento. Os seus filhos são excelentes alunos. Se estão em condições de ouvir o rouxinol aperfeiçoam o seu canto e competem com o seu mestre.
            O melro também é um dos nossos alegres amigos. Ele canta para nos distrair. Tem o sentimento paternal muito desenvolvido e se alguém tenta atacar-lhe a ninhada, vai direito aos olhos do agressor para o cegar às bicadas.
            O amável pintassilgo é um pai de família exemplar. É de uma assiduidade irrepreensível no cumprimento dos seus deveres de chefe de família. Ajuda a mãe a construir o ninho. Bom trabalhador, leva regularmente o alimento ao lar quer durante o choco, quer durante a educação dos filhos.
            A pega, também ela alegre tagarela, não é uma madrasta. Constrói um ninho sólido com madeira e argamassa, esconde-o num emaranhado que é uma verdadeira construção de ramagens e reveste-o com uma camada macia e quente. Está sempre de olho aberto à volta da sua ninhada e defende-a se for preciso, contra a gralha, o falcão e até a águia. Educa os seus filhotes com solicitude e presta-lhes por muito tempo os seus cuidados. Que belos exemplos de trabalho e de dedicação nos quis dar o Criador.
            Vêm agora os pássaros mais delicados. O pássaro-mosca é a joia da criação. É gracioso, rápido, elegante. A esmeralda, o rubi e o topázio brilham nas suas asas. Vive sobre as flores, alimenta-se do seu néctar e só habita nos climas em que as flores não cessam de se renovar; o seu corpo é pequenino como o de uma abelha. Pendura o seu pequeno ninho numa folha de laranjeira. Este ninho é rijamente tecido com fio de algodão e de penugem macia; é delicado e polido como a pele de uma luva. A progenitora para alimentar os seus filhos, dá-lhes a sugar a sua língua toda adoçada com o suco tirado das flores. Nunca se os pôde criar em cativeiro, uma vez que não se encontra nada tão delicioso para os alimentar. O colibri não é menos gracioso. Um missionário da América chegou a criar alguns alimentando-os com uma papa feita de biscoitos e de vinho de Espanha. Eles ouviam a sua voz e vinham imediatamente pousar sobre o seu dedo para receber a sua saborosa refeição.
            A ave-do-paraíso apresenta-se vestida de seda, de veludo e de luminosidades. Alimenta os seus filhos com plantas aromáticas e orvalhos. Procuremos delicadamente nós também os alimentos espirituais das nossas crianças, velando para que tudo o que oiçam ou leiam seja puro, elevado e apto para fazer delas homens de fé e homens de bem.
            Eis finalmente aqueles que se podem chamar místicos e sentimentais. A cotovia é um pássaro eminentemente francês. Os antigos Romanos tinham-na por originária da Gália. Ela é fina, viva, espiritual, divertida. É alegre e naturalmente religiosa; o seu canto foi sempre visto como uma oração. É generosa e dedicada. Se se colocar uma jovem cotovia junto de uma ninhada cativa, ela aproxima-se com afeto desses órfãos, põe-se a cuidar deles, aquece-os com as suas asas, alimenta-os e esquece-se de si mesma por amor deles.
            O pisco tem de verdade o instinto de dedicação. Ele afeiçoa-se ao homem a ponto de parecer possuir uma alma sensível. Para nos agradar aprende a cantar, a falar, a dar às suas frases uma entoação penetrante. Vemo-los reconhecer passado um ano a pessoa que os criou. Alguns, obrigados a deixar o seu criador, deixaram-se morrer de pena.
            Numa ninhada de órfãos, viu-se os mais velhos, que já sabiam comer sozinhos, alimentar o mais novo que ainda não sabia.
            O pelicano é, sabeis com certeza, o símbolo do sacrifício. Priva-se dos seus alimentos e retira-os do saco de reserva que possui debaixo do bico, para alimentar os seus filhotes, o que leva a dizer que os alimenta com o seu sangue. A sua dedicação chega até ao sacrifício e ao heroísmo.

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