III
Outros
pássaros completarão seguidamente a lição, mas antes de ir mais longe,
afastemos primeiro as sombras ou o fundo negro do quadro; as partes a realçar
sobressairão melhor.
A
Providência gosta destes contrastes, ela coloca ao lado do modelo o contraste
que o põe em realce.
O
fundo negro são alguns grupos de
pássaros tão defeituosos como também educadores e viciosos em alguns aspetos.
Citarei
quatro espécies: as aves de rapina, as
aves nocturnas, a preguiçosa avestruz e o vaidoso pavão.
As
aves de rapina, como o abutre e o falcão têm um aspeto duro e
cruel; entregam-se à caça, mas somente alguns momentos a meio do dia.
Pois
bem, são desprezíveis tanto pela educação que dão às suas crias como pelos seus
hábitos. Têm quase sempre o costume desnaturado de atirar os seus filhos para
fora do ninho mais cedo que todos os outros pássaros, e quando eles ainda
precisam de cuidados e de ajuda para a sua subsistência. A natureza dos filhos
ressente-se da educação e dos exemplos que recebem. Quando são um pouco mais
crescidos, não param de se guerrear e de disputar uns aos outros o alimento e o
lugar no ninho, de maneira que muitas vezes o pai e a mãe intervêm e os matam,
batendo-lhes para acabar a luta. Não há aqui nada porventura que se assemelhe
às vossas famílias? Mas não encontraremos por aí famílias cuja vida lembra este
triste quadro?
As
aves noturnas, como o mocho, a coruja, a coruja das torres
caracterizam-se pelo seu gosto pela rapina. Vão roubar os ovos e as provisões
dos outros pássaros. Pássaros sacrílegos, entram nas igrejas rurais, para beber
o azeite da lâmpada do Santíssimo.
Pois
bem, estas aves amigas da rapina e do roubo são detestáveis educadoras. Põem os
seus ovos à vista nos buracos das muralhas ou sobre as traves. Não colocam nem
erva nem folhas para os receber, não se dão à maçada de fazer um ninho.
Reconheceis nas nossas famílias de vagabundos cujos filhos, privados de
qualquer educação, seguem os tristes exemplos dos seus pais?
A
avestruz é uma ave preguiçosa e
estúpida. É referida na Sagrada Escritura pela dureza para com os seus filhos.
De facto não lhes presta qualquer cuidado depois do seu nascimento. As suas
crias ficam abandonadas, privadas de qualquer educação e de quaisquer
benefícios da sociedade; deste modo ficam estúpidas como o seu pai e sua mãe.
Não
se encontrarão também entre os homens, famílias em que a preguiça e a apatia
provocam a estupidez e a grosseria?
O
pavão é o símbolo da vaidade e do
orgulho. A sua vida é mostrar-se. Julga-se o rei da capoeira e não poupa
bicadas. Pois bem, ele abandona muito cedo os seus filhos para se ocupar em
mostrar-se e eles imitando o que viram tornam-se cedo vaidosos e guerreiam. Não
haverá muitos pavões nas nossas cidades?
Mas
chegamos ao grupo gracioso dos modelos.
Aqui tudo é amável e é só escolher.
Distingo
cinco espécies: aqueles que são nobres e
valorosos, os que são ternos e bons, os que são ativos e previdentes, os que
são amáveis e amigos do homem, depois os artistas, os delicados, os místicos e
sentimentais.
A
águia é a rainha dos ares, é o
símbolo do poder. É nobre, grande, corajosa, infatigável. Pois bem, sabe ser boa para com os seus
aguiotos. Cuida deles, alimenta-os com dedicação. Estes são ternos e
sossegados. A águia condu-los à caça e ensina-lhes a caçar e não os obriga a
afastar-se senão quando são bastante fortes para dispensar qualquer ajuda.
Parece-vos que
este aspeto seja de menosprezar?
Vêm
agora os corifeus da ternura e da
bondade, a pomba e a perdiz. A
dedicação da pomba à sua ninhada é tão grande, tão constante, que a vemos
sofrer os maiores incómodos e as dores mais cruéis antes que a abandonar; há
uma ou outra, cujas patas gelam e caem, porque o seu ninho estava demasiado
perto da janela do seu aviário e que, apesar deste sofrimento, acompanha a sua
ninhada até que os seus filhos saiam da casca.
O
pai, enquanto a mãe está no choco, não se afasta dela, e quando ela pressionada
pela fome ela deixa os seus ovos para ir ao comedouro, o pai a quem chamou por
meio de um pequeno arrulho, toma o seu lugar e choca os ovos. Ele faz isso duas
vezes por dia e durante duas ou três horas de cada vez.
Entre
as perdizes, o pai partilha com a mãe o cuidado de ensinar os filhos.
Acompanham os dois, chamam-nos constantemente, encontram-lhes o alimento de que
precisam e ensinam-lhes a procurar esgravatando a terra.
Não
é raro vê-los acocorados, aquecendo juntos os seus filhotes cujas cabeças saem
de todos os lados com uns olhos muito vivos.
Vimo-los
acudir, batendo as asas sobre o cão que ameaça os seus filhos, que tanto amor
paternal inspira a coragem aos animais mais medrosos. Por vezes este amor
paternal inspira-lhes uma espécie de prudência e de meios apropriados para
salvar a sua ninhada. O pai foge pesadamente e arrastando a asa como para
atrair o inimigo, correndo bastante para não ser apanhado, mas não o suficiente
para desencorajar o predador, dando tempo para que a mãe leve os filhos para mais
longe sem que o caçador perceba o mínimo ruído.
Que
belos exemplos! Ah! se em todas as famílias o pai e a mãe tivessem o mesmo
cuidado com a vida temporal dos seus filhos e com a sua vida moral e
espiritual.
Mas
eis um outro modelo, maravilha de atividade
e de previdência, é o chapim,
hóspede gracioso das nossas florestas. O chapim está constantemente em ação,
sempre em movimento. É ele, entre os pássaros aquele que cria a família mais
numerosa. Trabalha sem descanso de manhã à noite.
Todas
as comidas lhe agradam, sementes, ervas, insectos. Constrói um ninho muito
grande para a sua pequena estatura. Guarnece-o abundantemente com ervas miúdas,
musgos, algodão, lã, penas, penugem, tudo o que encontra. Tem uma coragem
intrépida, e uma atividade incansável. E, o que é raro entre os pássaros, não
se preocupa somente com a necessidade presente, mas conhece a época e tem
sempre na proximidade do seu ninho esconderijos cheios de provisões; é um
pequeno capitalista. Utilizará a “caixa de previdência” quando esta for
instituída entre os pássaros.
Há
um grupo particularmente amável, o
dos amigos dos homens: Vede a andorinha.
Ela não se diverte senão connosco. Faz o seu ninho nas nossas janelas, e nunca
nos bosques. Procura de preferência a casa do pobre como para lhe pregar com
insistência a confiança na Providência. Como é ativa e abnegada também ela para
com os seus filhos! Constrói bem cedo o seu ninho com um duro cimento que traz
por debaixo da asa. Não precisa mais do que oito dias e, coisa digna de registo
e única, a andorinha é ajudada para isso por muitos companheiros. É a sociedade
de socorro mútuo entre os pássaros.
Uma
outra amiga do homem, é a pastorinha,
pássaro que acompanha as nossas ovelhas e os nossos cordeiros, a alegria, a
distração dos humildes pastores e, por vezes, a mais-valia do rebanho, porque
avisa com os seus gritos a proximidade do lobo e da ave de rapina. Faz o seu
ninho nas fendas e dá aos seus filhos o exemplo desta dedicação ao homem.
Que
delicioso símbolo dos piedosos visitadores que levam consolação aos pequenos e
aos pobres.
Seguem-se
agora os artistas, os cantores piedosos
ou profanos. Apresento-vos a toutinegra
sempre alegre, viva, atenta e ligeira. É a mais amável hóspede dos nossos
bosques. Como dá aos seus filhotes o exemplo de dedicação ao homem! Não parece
possuir um coração humano? Nas nossas gaiolas a sua voz afetuosa, os seus
pequenos pios e o seu bater de asas exprimem a diligência e o reconhecimento.
Os seus filhos são excelentes alunos. Se estão em condições de ouvir o rouxinol aperfeiçoam o seu canto e
competem com o seu mestre.
O
melro também é um dos nossos alegres
amigos. Ele canta para nos distrair. Tem o sentimento paternal muito
desenvolvido e se alguém tenta atacar-lhe a ninhada, vai direito aos olhos do
agressor para o cegar às bicadas.
O
amável pintassilgo é um pai de
família exemplar. É de uma assiduidade irrepreensível no cumprimento dos seus
deveres de chefe de família. Ajuda a mãe a construir o ninho. Bom trabalhador,
leva regularmente o alimento ao lar quer durante o choco, quer durante a
educação dos filhos.
A
pega, também ela alegre tagarela,
não é uma madrasta. Constrói um ninho sólido com madeira e argamassa, esconde-o
num emaranhado que é uma verdadeira construção de ramagens e reveste-o com uma
camada macia e quente. Está sempre de olho aberto à volta da sua ninhada e
defende-a se for preciso, contra a gralha,
o falcão e até a águia. Educa os seus filhotes com
solicitude e presta-lhes por muito tempo os seus cuidados. Que belos exemplos
de trabalho e de dedicação nos quis dar o Criador.
Vêm
agora os pássaros mais delicados. O pássaro-mosca é a joia da criação. É
gracioso, rápido, elegante. A esmeralda, o rubi e o topázio brilham nas suas
asas. Vive sobre as flores, alimenta-se do seu néctar e só habita nos climas em
que as flores não cessam de se renovar; o seu corpo é pequenino como o de uma
abelha. Pendura o seu pequeno ninho numa folha de laranjeira. Este ninho é
rijamente tecido com fio de algodão e de penugem macia; é delicado e polido
como a pele de uma luva. A progenitora para alimentar os seus filhos, dá-lhes a
sugar a sua língua toda adoçada com o suco tirado das flores. Nunca se os pôde
criar em cativeiro, uma vez que não se encontra nada tão delicioso para os
alimentar. O colibri não é menos
gracioso. Um missionário da América chegou a criar alguns alimentando-os com
uma papa feita de biscoitos e de vinho de Espanha. Eles ouviam a sua voz e
vinham imediatamente pousar sobre o seu dedo para receber a sua saborosa
refeição.
A
ave-do-paraíso apresenta-se vestida
de seda, de veludo e de luminosidades. Alimenta os seus filhos com plantas
aromáticas e orvalhos. Procuremos delicadamente nós também os alimentos
espirituais das nossas crianças, velando para que tudo o que oiçam ou leiam
seja puro, elevado e apto para fazer delas homens de fé e homens de bem.
Eis
finalmente aqueles que se podem chamar
místicos e sentimentais. A cotovia
é um pássaro eminentemente francês. Os antigos Romanos tinham-na por originária
da Gália. Ela é fina, viva, espiritual, divertida. É alegre e naturalmente
religiosa; o seu canto foi sempre visto como uma oração. É generosa e dedicada.
Se se colocar uma jovem cotovia junto de uma ninhada cativa, ela aproxima-se
com afeto desses órfãos, põe-se a cuidar deles, aquece-os com as suas asas,
alimenta-os e esquece-se de si mesma por amor deles.
O
pisco tem de verdade o instinto de
dedicação. Ele afeiçoa-se ao homem a ponto de parecer possuir uma alma
sensível. Para nos agradar aprende a cantar, a falar, a dar às suas frases uma
entoação penetrante. Vemo-los reconhecer passado um ano a pessoa que os criou.
Alguns, obrigados a deixar o seu criador, deixaram-se morrer de pena.
Numa
ninhada de órfãos, viu-se os mais velhos, que já sabiam comer sozinhos,
alimentar o mais novo que ainda não sabia.
O
pelicano é, sabeis com certeza, o
símbolo do sacrifício. Priva-se dos seus alimentos e retira-os do saco de
reserva que possui debaixo do bico, para alimentar os seus filhotes, o que leva
a dizer que os alimenta com o seu sangue. A sua dedicação chega até ao
sacrifício e ao heroísmo.
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