Os
últimos tempos do Pe. Colombo
Estive
com o Pe. Colombo em Aveiro, no primeiro ano do Seminário da Boavista, tive-o
como conselheiro provincial na primeira administração provincial, voltei agora
nestes últimos dois anos e meio a estar com ele na comunidade do
Porto-Boavista.
Encontrei-o
ainda rijo, mas já vergado pela doença à qual se tinha acostumado tentando
enganar a si próprio com um programa de vida regular que ainda era
suficientemente forte para uns trabalhos.
Quando
o mal atacou (um tumor maligno) em cheio o pulmão esquerdo tudo parecia indicar
estar próximo do fim. Mas com a ajuda de Deus (pela Santa Unção que lhe foi
administrada), pela perícia dos médicos e pelo carinho dos confrades, das
pessoas amigas e das Irmãs da Casa de Saúde da Boavista, conseguiu também desta
vez ultrapassar o obstáculo e viver mais dois anos e uns meses discretamente.
A
pergunta que muitas vezes me fazia, logo de manhã, era esta: “que trabalho há
para fazer?” O seu martírio era ver os outros trabalhar e ele não poder dar uma
ajuda conforme a necessidade. Ultimamente, deixávamos os trabalhinhos mais
leves para ele os fazer e se entreter como: colar os selos nas catas da
secretaria, preparar os envelopes dos aniversários dos Valentes e dos sócios
dos grupos missionários, etc… Ajudava na preparação da expedição da Folha dos
Valentes, menos nestes últimos dois meses em que já não sentia força nenhuma.
Durante
este último ano, à falta de forças, às doenças juntou-se-lhe também uma crise
espiritual de inapetência da oração, exemplos sérios por ninharias. Coisa muito
estranha num homem de decisões como ele. Só o seu espírito de obediência aos
Superiores é que o ajudava a superar os pontos críticos.
A
idade não perdoa a ninguém: começou a esquecer-se com uma certa facilidade. A
surdez afetava-o e isolava-o terrivelmente, daí a sua curiosidade em remexer
tudo aquilo que encontrava à mão para estar a par dos acontecimentos.
A
sua presença nas orações comunitárias de laudes, vésperas e Adoração era um
estímulo para toda a comunidade. Gostava de concelebrar na Missa paroquial do
sábado à tarde e na do domingo às onze horas. Através destas participações
saboreava o dia do Senhor. Os cumprimentos das pessoas que o conheciam, depois
da Eucaristia, deixavam-no bem-disposto. O chá da Teresinha, prima do Pe.
Carrara, que tratava da cozinha na residência paroquial da Boavista,
consolava-o.
No
início deste ano letivo tinha-me pedido que o levasse à Portelinha quando às
quintas-feiras lá fosse para o confesso dos alunos. Regozijava-se em saber que
o Seminário Padre Dehon e o Colégio Missionário estavam cheios de alunos.
Sentia
uma profunda mágoa quando se apercebia que algum religioso ou alguma comunidade
mostrava sinais de tibieza na vivência do nosso carisma e em particular da
pobreza. Ele, que tinha passado por tempos de privações, como foram os
primeiros tempos de todas as nossas casas e da Província, não conseguia aceitar
muitas comodidades que a nossa sociedade de hoje oferece.
Para
mim, que lhe fazia um pouco de enfermeiro, tinha uma estima muito grande.
Quando faltava em casa por mais de umas horas, parecia que lhe faltava algo…,
ficava ansioso. A nossa empregada D. Camila, lidava com ele com muita atenção e
carinho, como se fosse o seu pai.
Agora,
sentimos o vazio da sua ausência; penso, porém, que temos um grande amigo no
céu a pedir a Deus por toda a comunidade.
A
sua passagem pelos grupos missionários deixou uma ótima recordação. As zeladoras
perguntavam muitas vezes por ele e enviavam-lhe cumprimentos, beijinhos e
doces, que com muito gosto colocava ao dispor de toda a comunidade. Quando
recebia algum presente entregava-o ao Superior para que dispusesse como achasse
melhor, à boa maneira antiga.
Era
fidelíssimo ao Sacramento da Penitência. Cada quinze dias ia ao seu confessor,
nos Padres Dominicanos. Ultimamente, tinha mudado para o Superior dos Padres do
Espírito Santo, que estão mais pertinho…, mas o Senhor chamou-o a si no dia de
Páscoa. Quando soube da notícia ficou mal.
Ultimamente
dizia-me: “Que estou cá a fazer eu, só estou a atrapalhar a todos”. Mesmo na
urgência do Hospital de São João, aonde o acompanhei, num momento de lucidez
ainda voltou a manifestar esta sua preocupação: “Estou a fazer-te perder
tempo”. Estas foram as últimas palavras que eu ouvi da sua boca, porque depois
perdeu a voz e já não se conseguia saber se ainda compreendia ou não.
Na
última terça-feira fui visitá-lo, como fazia todos os dias, com o Pe. Carrara e
o Pe. João de Deus. Pedi ao Pe. Carrara que levasse o óleo dos enfermos para
lhe administrar outra vez o sacramento, o que se fez. Abria os olhos de vez em
quando…
Nos
dias seguintes sempre o encontrei mergulhado num sono profundo, mas sereno que
o levou até à morte.
O
Senhor chamou-o para dar-lhe o prémio da vida eterna, como prometeu aos
discípulos: “recebereis o cêntuplo aqui com algumas tribulações e… a vida
eterna”.
Convido
a todos a não esquecê-lo nas orações particulares e comunitárias. Muito lhe
devemos.
Pe.
António Colombi, SCJ
In
UNÂNIMES, nº 4, Junho de 1995, páginas 102-106
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