terça-feira, 15 de janeiro de 2013

Santo Amaro


Uma noite, devia ser às abas da alvorada, estava S. Bento na sua cela, ouviu o jovem Plácido que se levantava no quartinho ao lado. – Onde irá ele, tão madrugador? – disse de si para consigo. Mas continuou em oração e deixou que o sol se levantasse…

Desce ele a montanha com um cântaro ao ombro. Milagre é que ainda o não o tenha quebrado porque vai saltitando num alor de juventude incontida.

Lá vai ele na esteira do cântaro que, antes de encher, faz uns ensaios de natação boiante…

São Bento na sua cela tem um pressentimento que se volve em certezas: Plácido caiu à água. Manda vir Amaro e diz-lhe que voe à lagoa e leve salvamento ao noviço. Vem Amaro de escantilhão por ali abaixo, dá-se conta que a corrente vai arrastando o cântaro e o aguadeiro e, sem tirte nem guarte, cego para o perigo, avança por cima da água e caminha a pé enxuto, a espaços deslisando em patinagem …

Agarra Plácido pela cabeleira e vem-no trazendo para as ervas ridentes… Ali virou-o de boca para baixo e fê-lo deitar toda a água que tinha engolido.

Só depois disto é que ajuizou do que acabava de fazer e sentiu um frémito de terror: olhava para o pego fundo e reconhecia que não sabia nadar. Apalpava-se e estava enxuto. Mais. Com Plácido tinha trazido o cântaro ou ele viera nadando atrás deles e balançava-se ali, na margem. Ambos silenciosos, Plácido e Amaro sobem agora a ladeira, rumo à cela de S. Bento. Chegam e ali se arma uma discussão. Amaro atribuía, e com toda a justiça o milagre a S. Bento. Este atribuía-o à obediência de Amaro.

Neste ponto os sábios têm metido a sua colherada, mas pouco têm adiantado porque sendo Amaro e Bento ambos santos de altar julgam que é roubar a este o que dão aquele e não sentenciam, deixando o veredicto em suspenso, suponho que até ao juízo final.

(João Maia, São Plácido, in Mensageiro, Janeiro 1981)

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