Uma
noite, devia ser às abas da alvorada, estava S. Bento na sua cela, ouviu o
jovem Plácido que se levantava no quartinho ao lado. – Onde irá ele, tão
madrugador? – disse de si para consigo. Mas continuou em oração e deixou que o
sol se levantasse…
Desce
ele a montanha com um cântaro ao ombro. Milagre é que ainda o não o tenha
quebrado porque vai saltitando num alor de juventude incontida.
Lá
vai ele na esteira do cântaro que, antes de encher, faz uns ensaios de natação
boiante…
São
Bento na sua cela tem um pressentimento que se volve em certezas: Plácido caiu
à água. Manda vir Amaro e diz-lhe que voe à lagoa e leve salvamento ao noviço.
Vem Amaro de escantilhão por ali abaixo, dá-se conta que a corrente vai
arrastando o cântaro e o aguadeiro e, sem tirte nem guarte, cego para o perigo,
avança por cima da água e caminha a pé enxuto, a espaços deslisando em
patinagem …
Agarra
Plácido pela cabeleira e vem-no trazendo para as ervas ridentes… Ali virou-o de
boca para baixo e fê-lo deitar toda a água que tinha engolido.
Só
depois disto é que ajuizou do que acabava de fazer e sentiu um frémito de
terror: olhava para o pego fundo e reconhecia que não sabia nadar. Apalpava-se
e estava enxuto. Mais. Com Plácido tinha trazido o cântaro ou ele viera nadando
atrás deles e balançava-se ali, na margem. Ambos silenciosos, Plácido e Amaro
sobem agora a ladeira, rumo à cela de S. Bento. Chegam e ali se arma uma
discussão. Amaro atribuía, e com toda a justiça o milagre a S. Bento. Este
atribuía-o à obediência de Amaro.
Neste
ponto os sábios têm metido a sua colherada, mas pouco têm adiantado porque
sendo Amaro e Bento ambos santos de altar julgam que é roubar a este o que dão
aquele e não sentenciam, deixando o veredicto em suspenso, suponho que até ao
juízo final.
(João Maia, São Plácido, in Mensageiro, Janeiro
1981)
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