sexta-feira, 21 de setembro de 2012

Acerca do patriotismo (II)




Ó França, nossa pátria, quem és tu para nós? A terra dos nossos antepassados, Francos ou Galo-romanos; a terra que eles escolheram, a terra aonde os conduzia a Providência.
         Tu és o solo que nos alimentou, o lugar onde encontrámos o abrigo e o vestuário; o campo das lutas e das vitórias dos nossos avós. Tu tens muitos mais encantos de que os de uma pátria comum. Se não fosses o meu país de nascença, tu serias o meu país de adoção.
         Visitei os três continentes do velho mundo. Percorri a Europa de Constantinopla a Dublin, vi o Bósforo e o Corno do Ouro, os grandes rios da Alemanha, as costas e as florestas da Noruega, os canais da Holanda, as cidades industriais da Inglaterra, as paisagens da Escócia, a Espanha e as suas igrejas, a Itália, o seu belo céu, as suas ruínas e os seus museus, e proclamo que tu permaneces para mim o mais belo dos reinos depois do céu.
         Não tens tu as grandes alturas dos Alpes e dos Pirenéus, o Oceano a oeste e o mediterrâneo a sul, as ricas culturas e as grandes indústrias da Flandres, as pradarias e as praias da Normandia, a Bretanha de especto severo, de costumes primitivos, a Touraine e os seus monumentos, a Borgonha e a sua Costa de Ouro, a Provença e as suas baías sempre perfumadas onde reina uma eterna primavera?
         Amo tudo isto em ti. Tudo isto encanta os meus olhos; mas elevo-me mais alto, abro a história e descubro uma aliança indissolúvel entre este solo e os homens da nossa raça que o desbravaram, defenderam, cultivaram, enriqueceram, adornaram, marcaram com o seu selo e por assim dizer animaram com a sua vida.
         Comovo-me à vista de tantos perigos incorridos e saúdo os teus defensores gloriosos, os gauleses visigóticos, Clóvis e Carlos Magno, Luís IX, Carlos V, Bayard, Duguesclin, Joana d’Arc, Francisco I, Luís XIV e seu incomparável cortejo.
         Admiro a tua riqueza e saúdo os grandes monges que te desbravaram, as abadias que foram as primeiras a protegeram os trabalhadores, e os grandes ministros da paz, Suger, Sully, Colbert.
         Elevo-me mais e vejo-te brilhar na primeira fileira de todas as glórias do espírito, em todos os ramos da arte e em todos os géneros da literatura. Encontro em ti como que dois génios e como que um duplo povo. O curso da tua história tem dois zénites, um no século XIII e outro no século XVII. Confesso mesmo que o primeiro faz vibrar em mim a fibra patriótica mais do que o segundo. Foi o génio franco em toda a sua pureza que produziu as nossas gigantescas catedrais, esse tipo de arquitetura da grandeza e da poesia, Chartres, Reims, Amiens, Beauvais, São Quintino e Notre Dame de Paris; as grandes abadias filhas de Citeaux e de Cluny; e estas fileiras de anjos e de santos, estátuas tão graves e tão piedosas que ornam os seus pórticos; e os relicários dos mártires, obras de arte de ourivesaria, e as miniaturas dos missais e das legendas.
         É mesmo o espírito francês que produz a prosa alegre e fina de Villehardouin e de Joinville, e a poesia cavalheiresca e generosa do Romance de Roncevaux e das epopeias do tempo.
A glória do século XVII não é tão genuinamente nacional. Será um despertar da raça galo-romana e um predomínio deste primitivo elemento da população? Será o resultado do estudo, a influência dos Médicis e como uma conquista intelectual da França por parte da Itália? É sempre Roma e a Grécia quem trazem a sua parte de honra ao grande século francês. Eu disse a sua parte, porque não são simples copistas, mas também gloriosos criadores como Corneille e La Fontaine, Bossuet, Racine, Boilleau, Milière, Claude Perrault, Lesueur, Le Poussin Mansarad e Le Nôtre.´       
Sim, ó França, amo a tua bela natureza, as tuas artes, o teu génio e a tua glória. São dons de DEUS, que possuo e que defenderei tanto quanto for preciso.
Mas o meu olhar eleva-se mais alto ainda. Tu tens outros atrativos que me cativam muito mais. Tu és uma nação batizada; tu és uma nação de elite entre as nações cristãs. Vi de perto povos que não receberam este dom de DEUS: e vi reinar aí, ao lado de algum florescimento da razão e mesmo da arte, a escravidão, o roubo e a corrupção.
Tu, ó França, foste das primeiras entre as nações que responderam à vocação de CRISTO, daquelas que Ele cumulou de benefícios, daquelas a quem deu a civilização, a justiça, a paz e a honra, pedindo-lhes em troca, e para seu próprio benefício, que recebessem a lei evangélica, a aceitassem, a abraçassem, a fizessem entrar nas suas leis, nos seus costumes, a defendessem se necessário e assegurar a sua liberdade.
E entre todas as nações amadas por CRISTO e abençoadas em CRISTO, não tens sido tu a mais amada e particularmente abençoada?
O sangue dos mártires é como o batismo de uma terra. Não foste tu regada pelo sangue de Dinis de Paris, de Pothin de Lião, de Symphorien d’Autun, de Quintino e de tantos outros?
Amo numa nação a sabedoria dos bispos, a ciência dos doutores, a santidade das virgens. Não és tu a pátria de Hilário e de Irineu, de Martinho e de Remi, de Genoveva e de Joana d’Arc, de Francisco de Sales e de Vicente de Paulo?
Três grandes provas afrouxaram no curso dos séculos a marcha triunfal da Igreja: o arianismo, que negava a divindade de JESUS CRISTO e que atingia metade da cristandade; o maometismo, que impunha pela espada a superstição e o fanatismo e que avançou até às portas de Roma; por fim o protestantismo, que, descendo do Norte, ameaçou invadir toda a Europa cristã.
Sinto-me inclinado a amar a cavalheiresca nação que eu vi ser, nestas lutas supremas, a primeira a combater pelo reino de CRISTO.
Abro a história: à cabeça dos defensores da Igreja, encontro a França. Com Clóvis, trava as populações arianas. Com Carlos Martelo, rechaça o maometismo em Poitiers. Não satisfeita por o expulsar do seu solo, vai feri-lo no coração. As cruzadas nascem nos campos de Vazelay e de Clermont. Elas são tão francesas pelo seu espírito como pelo seu carácter, que em todo o oriente o nome de Francos ficou para designar todos os filhos da Europa.
Veio por fim o protestantismo. Ele foi logo aceite pelas cortes decadentes do norte, e, humanamente falando, pode-se perguntar em que se teria tornado a Igreja, se a França também tivesse caído. Mas CRISTO vivia no coração dos Franceses. A nação não consentiu afastar-se, e o povo mais amante só aceitou o mais amável dos reis depois de ele ter abjurado a heresia.
Mas, neste relance aos séculos, esquecia um ponto capital. CRISTO deu à sua Igreja um chefe visível que O representa, um chefe que nos dá a verdade sem erro, com a assistência divina, e que nos dirige no caminho da salvação. Todos os filhos da Igreja têm a peito a independência do seu chefe espiritual. Esta independência foi ameaçada no século VIII pelos reis lombardos. A França voou em socorro do chefe da Igreja, e Pepino e Carlos Magno asseguraram a sua legítima liberdade. Desde então a França velou por esta liberdade sagrada e defende-a sempre com as suas armas, com o seu sangue, com o seu ouro e com a sua palavra.
Eu passo por cima das fraquezas e das apostasias momentâneas; poderia ferir suscetibilidades sombrias e isso seria pouco oportuno numa festa escolar.
Devo dizer todavia que a França moderna prende o meu afeto e seduz-me ainda pela vitalidade inextinguível da sua fé e do seu proselitismo, e pelo despertar sempre espontâneo do seu coração e da sua caridade.
Duvida do futuro da França quem duvida do Coração do seu DEUS.
Quanto mim, espero n’Aquele que disse a uma grande culpada: “Muito te foi perdoado, porque muito amaste”; e não duvido que CRISTO ame sempre – ainda que tenha devido bastante para demonstrá-lo – a nação que, cada dia, lhe prova ainda o seu amor; a nação que, mais que qualquer outra, é talentosa em alimentar e vestir CRISTO na pessoa dos seus pobres; a nação que luta contra si mesma desde há cinquenta anos para dar a todas as suas crianças o ensino cristão (nesta luta, ontem ainda, estes dez justos não eram dois milhões?); a nação enfim que mantém uma fecundidade maravilhosa de apostolado, e que envia neste preciso momento os seus padres para o meio das regiões inóspitas da África central como uma semente destinada a morrer bem cedo para produzir um gérmen novo.

 

 

 

 

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