Ó França, nossa pátria, quem és tu para nós? A terra
dos nossos antepassados, Francos ou Galo-romanos; a terra que eles escolheram,
a terra aonde os conduzia a Providência.
Tu és o solo que nos alimentou, o lugar
onde encontrámos o abrigo e o vestuário; o campo das lutas e das vitórias dos
nossos avós. Tu tens muitos mais encantos de que os de uma pátria comum. Se não
fosses o meu país de nascença, tu serias o meu país de adoção.
Visitei os três continentes do velho
mundo. Percorri a Europa de Constantinopla a Dublin, vi o Bósforo e o Corno do
Ouro, os grandes rios da Alemanha, as costas e as florestas da Noruega, os
canais da Holanda, as cidades industriais da Inglaterra, as paisagens da
Escócia, a Espanha e as suas igrejas, a Itália, o seu belo céu, as suas ruínas
e os seus museus, e proclamo que tu permaneces para mim o mais belo dos reinos
depois do céu.
Não tens tu as grandes alturas dos
Alpes e dos Pirenéus, o Oceano a oeste e o mediterrâneo a sul, as ricas
culturas e as grandes indústrias da Flandres, as pradarias e as praias da
Normandia, a Bretanha de especto severo, de costumes primitivos, a Touraine e
os seus monumentos, a Borgonha e a sua Costa de Ouro, a Provença e as suas
baías sempre perfumadas onde reina uma eterna primavera?
Amo tudo isto em ti. Tudo isto encanta
os meus olhos; mas elevo-me mais alto, abro a história e descubro uma aliança
indissolúvel entre este solo e os homens da nossa raça que o desbravaram,
defenderam, cultivaram, enriqueceram, adornaram, marcaram com o seu selo e por
assim dizer animaram com a sua vida.
Comovo-me à vista de tantos perigos
incorridos e saúdo os teus defensores gloriosos, os gauleses visigóticos,
Clóvis e Carlos Magno, Luís IX, Carlos V, Bayard, Duguesclin, Joana d’Arc,
Francisco I, Luís XIV e seu incomparável cortejo.
Admiro a tua riqueza e saúdo os grandes
monges que te desbravaram, as abadias que foram as primeiras a protegeram os
trabalhadores, e os grandes ministros da paz, Suger, Sully, Colbert.
Elevo-me mais e vejo-te brilhar na
primeira fileira de todas as glórias do espírito, em todos os ramos da arte e
em todos os géneros da literatura. Encontro em ti como que dois génios e como
que um duplo povo. O curso da tua história tem dois zénites, um no século XIII
e outro no século XVII. Confesso mesmo que o primeiro faz vibrar em mim a fibra
patriótica mais do que o segundo. Foi o génio franco em toda a sua pureza que
produziu as nossas gigantescas catedrais, esse tipo de arquitetura da grandeza
e da poesia, Chartres, Reims, Amiens, Beauvais, São Quintino e Notre Dame de
Paris; as grandes abadias filhas de Citeaux e de Cluny; e estas fileiras de
anjos e de santos, estátuas tão graves e tão piedosas que ornam os seus
pórticos; e os relicários dos mártires, obras de arte de ourivesaria, e as
miniaturas dos missais e das legendas.
É mesmo o espírito francês que produz a
prosa alegre e fina de Villehardouin e de Joinville, e a poesia cavalheiresca e
generosa do Romance de Roncevaux e das epopeias do tempo.
A glória do século XVII não é tão genuinamente
nacional. Será um despertar da raça galo-romana e um predomínio deste primitivo
elemento da população? Será o resultado do estudo, a influência dos Médicis e
como uma conquista intelectual da França por parte da Itália? É sempre Roma e a
Grécia quem trazem a sua parte de honra ao grande século francês. Eu disse a
sua parte, porque não são simples copistas, mas também gloriosos criadores como
Corneille e La Fontaine, Bossuet, Racine, Boilleau, Milière, Claude Perrault,
Lesueur, Le Poussin Mansarad e Le Nôtre.´
Sim, ó França, amo a tua bela natureza, as tuas artes,
o teu génio e a tua glória. São dons de DEUS, que possuo e que defenderei tanto
quanto for preciso.
Mas o meu olhar eleva-se mais alto ainda. Tu tens
outros atrativos que me cativam muito mais. Tu és uma nação batizada; tu és uma
nação de elite entre as nações cristãs. Vi de perto povos que não receberam
este dom de DEUS: e vi reinar aí, ao lado de algum florescimento da razão e
mesmo da arte, a escravidão, o roubo e a corrupção.
Tu, ó França, foste das primeiras entre as nações que
responderam à vocação de CRISTO, daquelas que Ele cumulou de benefícios,
daquelas a quem deu a civilização, a justiça, a paz e a honra, pedindo-lhes em
troca, e para seu próprio benefício, que recebessem a lei evangélica, a
aceitassem, a abraçassem, a fizessem entrar nas suas leis, nos seus costumes, a
defendessem se necessário e assegurar a sua liberdade.
E entre todas as nações amadas por CRISTO e abençoadas
em CRISTO, não tens sido tu a mais amada e particularmente abençoada?
O sangue dos mártires é como o batismo de uma terra.
Não foste tu regada pelo sangue de Dinis de Paris, de Pothin de Lião, de
Symphorien d’Autun, de Quintino e de tantos outros?
Amo numa nação a sabedoria dos bispos, a ciência dos
doutores, a santidade das virgens. Não és tu a pátria de Hilário e de Irineu,
de Martinho e de Remi, de Genoveva e de Joana d’Arc, de Francisco de Sales e de
Vicente de Paulo?
Três grandes provas afrouxaram no curso dos séculos a
marcha triunfal da Igreja: o arianismo, que negava a divindade de JESUS CRISTO
e que atingia metade da cristandade; o maometismo, que impunha pela espada a
superstição e o fanatismo e que avançou até às portas de Roma; por fim o
protestantismo, que, descendo do Norte, ameaçou invadir toda a Europa cristã.
Sinto-me inclinado a amar a cavalheiresca nação que eu
vi ser, nestas lutas supremas, a primeira a combater pelo reino de CRISTO.
Abro a história: à cabeça dos defensores da Igreja,
encontro a França. Com Clóvis, trava as populações arianas. Com Carlos Martelo,
rechaça o maometismo em
Poitiers. Não satisfeita por o expulsar do seu solo, vai
feri-lo no coração. As cruzadas nascem nos campos de Vazelay e de Clermont.
Elas são tão francesas pelo seu espírito como pelo seu carácter, que em todo o
oriente o nome de Francos ficou para designar todos os filhos da Europa.
Veio por fim o protestantismo. Ele foi logo aceite
pelas cortes decadentes do norte, e, humanamente falando, pode-se perguntar em
que se teria tornado a Igreja, se a França também tivesse caído. Mas CRISTO
vivia no coração dos Franceses. A nação não consentiu afastar-se, e o povo mais
amante só aceitou o mais amável dos reis depois de ele ter abjurado a heresia.
Mas, neste relance aos séculos, esquecia um ponto
capital. CRISTO deu à sua Igreja um chefe visível que O representa, um chefe
que nos dá a verdade sem erro, com a assistência divina, e que nos dirige no
caminho da salvação. Todos os filhos da Igreja têm a peito a independência do
seu chefe espiritual. Esta independência foi ameaçada no século VIII pelos reis
lombardos. A França voou em socorro do chefe da Igreja, e Pepino e Carlos Magno
asseguraram a sua legítima liberdade. Desde então a França velou por esta
liberdade sagrada e defende-a sempre com as suas armas, com o seu sangue, com o
seu ouro e com a sua palavra.
Eu passo por cima das fraquezas e das apostasias momentâneas;
poderia ferir suscetibilidades sombrias e isso seria pouco oportuno numa festa
escolar.
Devo dizer todavia que a França moderna prende o meu afeto
e seduz-me ainda pela vitalidade inextinguível da sua fé e do seu proselitismo,
e pelo despertar sempre espontâneo do seu coração e da sua caridade.
Duvida do futuro da França quem duvida do Coração do
seu DEUS.
Quanto mim, espero n’Aquele que disse a uma grande
culpada: “Muito te foi perdoado, porque muito amaste”; e não duvido que CRISTO
ame sempre – ainda que tenha devido bastante para demonstrá-lo – a nação que,
cada dia, lhe prova ainda o seu amor; a nação que, mais que qualquer outra, é
talentosa em alimentar e vestir CRISTO na pessoa dos seus pobres; a nação que
luta contra si mesma desde há cinquenta anos para dar a todas as suas crianças
o ensino cristão (nesta luta, ontem ainda, estes dez justos não eram dois
milhões?); a nação enfim que mantém uma fecundidade maravilhosa de apostolado,
e que envia neste preciso momento os seus padres para o meio das regiões
inóspitas da África central como uma semente destinada a morrer bem cedo para
produzir um gérmen novo.
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