TERCEIRO DISCURSO
ACERCA DO PATRIOTISMO CRISTÃO[1]
Senhores,
É meu propósito dar diante de vós aos
nossos alunos, de uma forma mais solene, uma daquelas lições que constituem o
fundo do nosso ensino quotidiano.
Não tememos fazê-lo publicamente. A
verdade, a beleza e o bem são feitos para a luz. Temos consciência de
cultivá-las. É para nós uma honra mostrá-lo.
Esta lição tem por tema: O patriotismo
recebe da fé o seu mais belo brilho e o seu maior poder.
I
O que é a pátria?
Para o comum dos homens, a pátria é o
solo que a charrua rasga e que dá ao ceifeiro o grão de que se alimenta; a
pátria é a casa que abriga a família, os bosques que adornam o horizonte, o rio
que risca a planície, as aldeias semeadas pelos montes vizinhos.
A pátria é muito mais; ela estende-se
até às fronteiras e encerra no seu seio grandes cidades, ricos estabelecimentos
industriais, sábias escolas e brilhantes academias. A pátria tem a sua história
e as suas gloriosas recordações. Todos os homens amam a pátria: ela dá a
felicidade, o prazer, a riqueza.
Nescio
qua natale solum dulcedine cunctos
Ducit, et immemores non sinit esse sui
Ovídio
Para o cristão, é mais do que isso.
Para ele o campo traz a bênção de DEUS:
o laço da família provém de um sacramento; o lar é um santuário de orações; o
templo aí está para unir os cidadãos na caridade. Para o cristão, o solo da
pátria foi regado pelo sangue de mártires; contém os monumentos das obras dos
seus pais; a sua raça tem junto de DEUS embaixadores que são os seus santos, e
a sua história dos feitos bélicos são as lutas da pátria por seu DEUS.
Não, a fé nunca extingue o amor da
pátria; ela ilumina-a e fortifica-a, como cultiva e faz crescer tudo o que é
nobre e bom na natureza.
O homem religioso ama a sua pátria em DEUS. Se ela não tem a
verdadeira fé de que ela tem consciência de desfrutar, esforçar-se-á por
levá-la pela sua palavra, pelas suas obras, pelas suas orações e pelas suas
lágrimas; estará pronto a dar o seu sangue por ela.
Escutai São Paulo: “É verdade o que vou
dizer em Cristo; não minto, pois é a minha consciência que, pelo Espírito
Santo, disto me dá testemunho: tenho uma grande tristeza e uma dor contínua no
meu coração. Desejaria ser amaldiçoado, ser eu próprio separado de Cristo, pelo
bem dos meus irmãos, os da minha raça, segundo a carne. Eles são israelitas, a
quem pertencem a adoção filial, a glória, as alianças, a lei, o culto, as
promessas; a eles pertencem os patriarcas e é deles que descende CRISTO,
segundo a carne, Deus que está acima de todas as coisas, bendito seja Ele pelos
séculos”.[2]
São Paulo dá-nos ao mesmo tempo uma
lição e um exemplo de patriotismo.
A pátria, diz ele, é uma grande
família, são os meus irmãos, os meus pais segundo a carne; a pátria judaica
para ele, é mais do que isto, é o povo escolhido de DEUS, o povo dos
patriarcas, o povo da aliança, da arca santa, dos milagres divinos, das
profecias, da promessa e do Redentor, é o povo de DEUS e de CRISTO.
Eu ouvi o Nubien quase inculto a
dizer-me: A pátria, é o Nilo com as palmeiras das suas margens.
O Romano orgulha-se do seu sangue, que
é também um dom de Deus, e da sua fé, que lhe trouxeram os apóstolos; a sua
pátria, é, com as suas colinas ricas de tradições, e as ruínas da sua arte
antiga que não desdenha, a cátedra e o sepulcro de Pedro, as catacumbas, as
basílicas e todos os tesouros sagrados da religião.
A Polónia não separa do amor das suas
planícies e do orgulho da sua raça, a lembrança de Miécislas seu primeiro rei
cristão, de Jagellon, do bispo Estanislau, seu glorioso mártir, de Sobieski, o
herói de que Deus se serviu para deter a invasão muçulmana.
Para a Irlanda, a pátria, não são
somente as suas húmidas pradarias e as suas montanhas basálticas, é o grande
Patrício, seu apóstolo; são os seus velhos mosteiros que fizeram dela a Ilha
dos Santos; são os antepassados que lutaram contra a subjugação nacional; é o
ardente orador O’Connell que alcançou pela força da sua eloquência a lei da
emancipação.
[1]
Discurso pronunciado na distribuição de prémios no Instituto São João, a 2 de agosto
de 1879, V. “Semana Religiosa da Diocese de Soissons e Laon”, 6ª Ano, 1878, pp.
487-489, Instituto São João de São Quintino. Foi igualmente publicado na edição
especial: Acerca do Patriotismo cristão, São Quintino, Imprensa do Conservador
de Aisne, s.d. (1879), pp. 32.
[2] Ep. Rom IX, I
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