quarta-feira, 31 de março de 2010

Beato Carlos Imperador d'Áustria


Faz 88 anos, a 1 de Abril, que faleceu no Monte (Ilha da Madeira) o Beato Carlos de Áustria.
A 21 de Novembro de 1916 tinha sido coroado Imperador da Áustria e no mês seguinte coroado também Rei da Hungria.
A 3 de Abril de 1919 foi deposto e exilado.
Chegou deportado à Madeira a 19 de Novembro de 1921.

Certidão de óbito

“… Faleceu hoje pelas 12 horas e 18 minutos de ‘dupla pneumonia gripal’ Sua Majestade Imperial e Real Carlos I d’Áustria e IV da Hungria, de 34 anos, casado, natural de Persenbeug (Áustria) filho do Arquiduque Otto e da Arquiduquesa Maria Josefa e residente acidentalmente na Quinta do Monte (Ilha da Madeira), freguesia de Nossa Senhora do Monte, Concelho do Funchal.

Funchal, 1 de Abril de 1922

Os médicos assistentes
Carlos Leite Monteiro
Nuno Queriol de Vasconcelos Porto
Carlos José Machado dos Santos

O seu cadáver foi logo embalsamado pelos médicos assistentes.”


(Foi vestido com a farda de Marechal. Velaram o cadáver a Imperatriz viúva e pessoas da comitiva real. O seu funeral realizou-se na terça-feira seguinte a 4 de Abril de 1922, pelas 16 horas. O seu jazigo encontra-se em capela própria na Igreja Paroquial do Monte).

A 3 de Outubro de 2004 foi proclamado BEATO Carlos de Áustria, pelo Papa João Paulo II, na Praça de São Pedro em Roma, na presença do seu filho primogénito Otto de Habsburgo, então com 92 anos, e outros familiares.
O dia escolhido para a sua memória litúrgico foi 21 de Outubro, pois nessa data contraiu matrimónio em 1911 com Zita de Bourbon, Princesa de Parma. Tiveram 8 filhos, tendo nascido a última filha 2 meses depois da morte do pai.
Foi apresentado pelo Papa como padroeiro dos esposos cristãos e inspirador da espiritualidade conjugal, pois no dia do seu casamento Carlos confidenciou à sua esposa: ‘Agora devemos conduzir-nos um ao outro para o céu.’ O processo de beatificação da Imperatriz Zita, falecida a 14 de Março de 1989, está a decorrer nas instâncias romanas.

Para assinalar esta data, transcrevemos um artigo publicado um ano depois do falecimento do Beato Carlos de Áustria: C. H., Imperador Carlos d’Áustria e rei da Hungria, in Almanaque da Madeira1924, 1º Ano de Publicação, Funchal 1923:
Imperador Carlos de Áustria
e Rei da Hungria

Prendeu-o a Providência com os mais belos dotes de corpo e os mais elevados primores do espírito, a ponto de na sua meninice os vienenses, atendendo à sua meiga beleza lhe chamarem o ANJO DE VIENA e na pujança da vida, o circunspecto yankee, que se chamou Teodoro Roosevelt, o apelidar O MAIS PERFEITO HOMEM PÚBLICO DA EUROPA ACTUAL – Er ist der interessentesl Manu deu Europa gegenewartig besitz.
E à inspirada poetiza austríaca, Enrica von Hendel-Massetti – Wir habendiesen edlen besen Kaiser – nicht verdient! Nós temos um nobre e óptimo imperador que não merecemos!
Poucas vezes se encontram conjugadas qualidades que habitualmente se excluem.
Ele possuía a maior bravura ao lado da mais insinuante e meiga doçura; a mais imponente majestade junta à mais cativante afabilidade, a maior fraqueza a par da mais discreta circunspecção.
Adoptava a arte de não dizer nem demais nem de menos.
Se alguém ousava arriscar uma pergunta menos discreta ele respondia com outra pergunta como muito bem observou Roosevelt. Tinha a ciência das perguntas.
Era o mais perfeito entre os homens do seu tempo, mas devia servir de vítima propiciatória pelos desvarios do seu povo. Ele assim o compreendeu e praticou no momento solene da Sua morte:
- Senhor! Seja feita a tua divina vontade! Nas tuas mãos entrego a minha vidam a da minha mulher e dos meus filhos. Aceita-a como holocausto pelos meus povos.
E tinha razão – A Hungria bolchevizada. A Boémia revolucionada renegando a Fé. A Áustria indisciplinada. A Croácia, a Styria e o Tirol separadas, e afinal todos os seus diversos estados nas mãos da judiaria e do maçonismo, bem precisavam de uma vítima propiciatória – Meu Deus seja feita a tua divina vontade. Nas tuas mãos encomendo o meu espírito. Ofereço a minha vida pelos meus povos.
Só foi imperador para defender os direitos do seu império, procurar a paz das suas nações, defender os fracos, amparar os pequenos, fazer justiça aos povos, representar a Arca da União dos Estados, dos partidos desde Liechtenstein até a Berkovina, desde a Galicia até a Dalmácia.
Nobre entre os mais nobres da terra, em suas veias corria o sangue azul das mais antigas casas da Europa; nas tradições da sua família as acções mais heróicas que a história regista.
O conjunto das vogais, devisa da Casa d’Áustria – A. E. I. O. U. – Austria est imperare Orbi Universo ou Austriae erit in orbe ultima povoa-lhe de esperanças o seu espírito embriagado no amor da pátria.
A coroa de Santo Estêvão que pusera na cabeça por ocasião da sua sagração na Igreja de Budapeste animava constantemente a sua fé no futuro dos seus povos com cuja lealdade contava em absoluto.
A sua bravura militar atingindo as raias de audaz temeridade comprovam tal asserção.
Por várias vezes se arriscou de tal maneira que chegou a ser envolvido pelo fogo inimigo e de uma das vezes, em Asiago, correu tal risco que o Estado Maior, vendo que os Italianos o tinham forcado, o mandou para a frente oriental.
A sua carreira militar foi uma odisseia de proezas.
Aos 16 anos, no dia 10 de Novembro de 1903, alistou-se no exército como alferes de Ulanos nº 1. Desde o começo da carreira militar procurou ser soldado de alma e coração. Dormia no Quartel, sujeitava-se a todos os serviços até os mais humildes como o da remonta, e em cada camarada granjeou um amigo. Nenhum género de serviços lhe foi alheio.
Em Setembro de 1905 foi promovido a tenente e transferido para o regimento de Dragões nº 7 na Boémia. Pela morte de seu pai, em Novembro de 1900, ficando herdeiro presuntivo das coroas austro-húngaras, em vista do casamento marganativo de seu tio Arquiduque Francisco Fernando, obteve licenciamento para estudar direito e economia política, na Universidade de Praga, sob a sábia direcção dos afamados professores Drs. Ulbrich, Pfaff, Braf e Otto. Não havia aluno mais atento nem mais diligente.
Em Maio de 1907, foi obrigado a suspender os estudos para tomar parte nas grandes manobras da sua divisão, indo incorporar-se o seu regimento.
Acabados os estudos de jurisprudência, por indicação do imperador Francisco José, foi mandado por seu tio o arquiduque Francisco Fernando estudar arte militar sob a direcção dos generais von Diett e Barãi Zeidler, conservando-se entretanto ao serviço do 7º Regimento de Dragões.
Nomeado generalíssimo o arquiduque Francisco Fernando, chamou o sobrinho, a dar as suas provas das manobras imperiais, encontrando invulgar clareza de vista no comando dos corpos que lhe eram confiados, merecendo repetidos elogios tanto na corte como nas reuniões do Estado Maior a sua elevadíssima competência para comandar não só unidades como corpos do exército.
Desde então o seu tio e instrutor, o generalíssimo Francisco Fernando conservou-o no comando superior dos corpos.
Foi sempre modelo de pontualidade militar – Soldado de alma e coração.
Procurava conhecer todos os seus camaradas e chamá-los pelos seus nomes, granjeando assim a simpatia de todos, que o chamavam com doce ternura – ‘Baesi’ – Tio.
Em 31 de Maio de 1911, casou com essa violeta de Parma, que se chama Imperatriz Zita, que à Áustria veio para ser – A Imperatriz da bondade e Princeza da Caridade. ‘Zita! Kaiserin der Gule. Furstin der Barmherzigkeit’
Se o casamento lhe trouxe um período de repouso foi para depois mais activamente se entregar aos trabalhos. Passados apenas três meses teve de acompanhar o seu regimento à Kolomea, Galicia.
Até aí entretanto o acompanhou a esposa dedicada.
Aí fizeram marchas através de Truban, Littan, Tesben, Biala, Jasla, Zamor, Elayvord, Canot, Stryi, etc. voltando a Kolomea. No 1º de Novembro de 1912, foi promovido a Major para o regimento de Infantaria nº 39.
A catástrofe de Serajevo a 28 de Junho de 1914, veio feri-lo no mais íntimo do coração roubando-lhe um amigo tão paternal e o mais leal dos conselheiros.
O desaparecimento do arquiduque Francisco Fernando fê-lo generalíssimo, lugar de tremenda responsabilidade para tão tenra idade.
Com a guerra começaram as suas proezas: pela vitória de Presburgo obteve a cruz do mérito militar e pela defesa de Lemberg, seu baptismo de fogo, a gran-cruz de Santo Estêvão.
Fez nesse inverno a campanha dos Karpatos e aí o foi entrevistar o infatigável investigador americano Roosevelt, que dele escreveu. O herdeiro do trono tem um perfeito e atraente charme, que eu nunca encontrei em homens públicos. Possui além disso, o que em bem poucos se encontra, o magnetismo pessoal. Um homem pode ter talento, génio, habilidade, opulência, mas se não possui o raro dom do magnetismo pessoal ser-lhe-á muito difícil conquistar a alta popularidade.
… …
Todas as classes do povo o veneram porque o seu magnetismo pessoal se transmite até aos que se não acham em contacto com ele. É o homem público mais acabado que a Europa actual possui.
Ao magnetismo pessoal que Rossevelt admirava no Imperador Carlos, chamaríamos nós o encanto empolgante e atractivo irresistível da virtude.
Como representante do velho imperador devem correr todas as linhas a observar o estado das tropas e agradecer-lhes em nome da Áustria o sacrifício pela Pátria.
Informava-se dos heróis, e quando encontrava um, embora fosse um obscuro soldado, abraçava-o, porque ele representava incarnado o verdadeiro amor da pátria.
A estas saudações e agradecimentos atribuem os historiadores da guerra, em grande parte, as vitórias de Jamosca, Lunanowa, Dumaiec, Biala, etc.
As saudações aos soldados em língua polaca e o agradecimento em nome do velho imperador fez rebentar as lágrimas aos batalhadores mais rudes e proromper em aclamações a todo o exército.
A 12 de Maio de 1916 foi comandar o exército do sul como Marechal de Campo e Vice-Almirante. A sua chegada levantou o moral das tropas tendo como real companheiro de armas o herdeiro do trono.
Ali se deram as brilhantes acções de Laverme, Valbona, Toravo, Astico, que lhe mereceram a condecoração da coroa de Ferro de 1ª classe, assim como a ordem de Mérito Militar concedida pelo Imperador Guilherme da Alemanha.
Numa chuvosa tarde de Junho o arquiduque Eugénio entra no Quartel General do arquiduque Carlos portador duma ordem dos dois imperadores para que ele parta imediatamente para a frente nordeste – Galicia.
A despedida dói enternecedora e falou aos oficiais e soldados como se os abraçasse a todos, rememorando as bravuras que fizeram pela Pátria e entregando-os à guarda do Omnipotente Deus dos Exércitos.
Era necessário mobilizar a cavalaria húngara contra as esmagadoras massas de russos que caiam sobre Lemberg. Indispensável se tornava o prestigioso magnetismo do Arquiduque Carlos para animar a coragem daqueles bravos soldados. Assim o entenderam os imperadores: Assim sucedeu!
Na tarde de 31 de Novembro de 1916, entregou o Imperador Francisco José a Deus a sua alma amargurada, deixando ao estremecido sobrinho Carlos não só coroas e ceptros mas espadas desembainhadas, tintas de sangue! Funesta herança.
Os diversos povos da grande nação choraram ao lado do moço Imperador a perda irreparável do velho monarca, o decano dos governantes da Europa. E com o coração amargurado e a alma alanceada pela perda do ente querido e pela desolação do seu país o jovem imperador tomou posse da herança fatal.
Alguns meses antes da sua morte o velho imperador tinha dito: o meu sucessor é realmente um excelente príncipe: o meu povo pode depositar nela toda a confiança.
A proclamação do imperador Carlos aos seus povos, é um modelo de sentimento pela morte do falecido Imperador, de dedicação pelos seus povos, e de confiança no futuro da Pátria.
Lamenta que a guerra esteja longe do seu termo, suspira por uma paz honrosa e suplica do Céu as graças e as bênçãos sobre si, sua casa, seus amados povos e que o Omnipotente o ajude a conservar intacta a herança que seus antepassados lhe legaram.
Ao aceitar o pesado encargo de reinar, Carlos 2º encontrava um país não só extenuado por uma já longa guerra em que entrara com toda a energia despendendo todos os recursos, mas ainda desapontado nas suas aspirações, impondo-se por isso a necessidade da Paz.
Daí essa série de passos tendentes a uma paz honrosa.
A Imperatriz Zita era o anjo da Paz. Bethmann Hollweg queixa-se em 1917, disso a Czernin.
Lamunnech faz-se o instrumento do Imperador na propaganda pacifista.
São aceites por este os 14 pontos de Wilson.
Quando o armistício da Itália são fracassadas todas as suas tentativas de paz apesar de o imperador ter encarregado dessa importante missão seu cunhado o Príncipe Xisto.
Era porém já tarde; após o esfacelamento do campo germânico desaparece a monarquia dualista: São proclamadas as repúblicas de Viena, Praga, Lagabria, Budapeste e o imperador Carlos retira-se para a Suíça, seguindo de perto o desenrolar dos acontecimentos, apesar das instâncias do Arquiduque José para que volte à Áustria. Não quer mais derramamento de sangue. Prefere que os homens lhe façam justiça.
Assim sucedia. Após a hecatombe judaico-maçónica de Bella Kunn na Hungria, passado o delírio bolchevista, aquele povo honesto e bom restaurou as instituições tradicionais e chamou o seu rei.
Foi um triunfo a entrada do Imperador Carlos 2º - agora rei Carlos 8º - em toda a Hungria. Mas, muitas vezes desfazem os homens o que Deus fez! E com uma violência única na história é arrebatado um rei ao seu povo, que por ele chora, por ele suspira, e quando dele se vê privado põe luto oficialmente à sua saída! E, suprema irrisão! Quando se proclama, justamente, que os pequenos povos são livres para escolherem a forma de governo e os governantes que lhes aprouver.
Da sua viagem tormentosa de Budapeste à Madeira, a caminho do exílio, dos respeitos de que foi alvo a bordo do cruzador Cardiff, das demonstrações de carinho e afecto nesta terra hospitaleira, nem falarei: está ainda na mente de todos.
E ainda com os olhos amarados de lágrimas e alma alanceada de saudade que traço estas linhas consagradas à memória do ente mais extraordinariamente infortunado com quem tenho tratado na minha já longa existência!
Heroísmo na virtude, majestade na desgraça, grandeza no infortúnio e a coroar todas estas prerrogativas uma fé inalterável e uma paz de consciência contínua esperando na Divina Providência a execução dos seus insondáveis decretos.
Após cinco meses de exílio, adoçado pelo mais dedicado afecto de uma população inteira, foi receber a recompensa de suas excelsas virtudes esse herói que parecia um santo a quem o mundo inteiro pranteou e os próprios adversários políticos prestaram o mais solene preito de admiração pelas suas elevadas qualidade de espírito e de carácter.
Digna de seu heróico marido é a não menos heróica imperatriz Zita, que em terras de Espanha, na dedicada povoação de Lequitio, sofre as agruras do exílio, com toda a resignação cristã e dedicação maternal.

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