segunda-feira, 29 de junho de 2009

São Pedro e São Paulo

29 de Junho
Como proposta de reflexão, cito alguns textos do grande Pe. António Vieira.
A escrita tem quase 400 anos, mas a mensagem continua actual, bem como os santos apóstolos:

SÃO PAULO
Por que traz Paulo em uma mão o livro, noutra a espada? Por que Paulo entre todos os outros apóstolos foi o vaso de eleição escolhido particularmente por Cristo para preparador dos gentios – e quem tem por ofício a pregação e conversão dos gentios há de ter o livro em uma mão, e a espada na outra: o livro para os doutrinar, a espada para os defender. E se esta espada se tirar da mão de Paulo, e se meter na mão de Herodes, que sucederá? Nadará toda a Belém em sangue inocente, e isso é o que vemos…
Mas, por que não faça dúvida o nome de espada, troquemos a espada em cajado, que é instrumento próprio dos pastores – como ali somos – e respondei-me: Quem tem obrigação de apascentar as ovelhas? O pastor. E quem tem obrigação de defender as mesmas ovelhas dos lobos? O pastor também. Logo o mesmo pastor, que tem o cuidado de as apascentar, há de ter, também, o poder de as defender. Esse é o ofício do pastor, e esse o exercício do cajado. Lançar o cajado à ovelha para a encaminhar, e terçá-lo contra o lobo para a defender…
E porque algum político, mau gramático e pior cristão, não cuide que a obrigação do pastor é somente apascentar, como parece o que significa a derivação do nome, saiba que só quem apascenta e defende é pastor, e quem não defende, ainda que apascente, não…
Porque o que não defende as ovelhas não é pastor bom nem mau. Um lobo não se pode dizer que é bom homem, nem que é mau homem, porque não é homem. Da mesma maneira, o que não defende as ovelhas não se pode dizer que é bom pastor nem mau pastor, porque não é pastor…
(Sermão da Epifania 1662, de Pe. António Vieira).

SÃO PEDRO
Pedro com as chaves nas mãos: Tibi dabo claves regni caelorum; e Pedro com as mãos nas cadeias: Vinctus catenis duabus. Lá foi visto com a chave em uma mão e a cadeia na outra, porque assim devia ser; mas hoje o vemos com as chaves em ambas as mãos, e com ambas as mãos nas cadeias, porque havia de vir tempo em que assim fosse.
Pedro, com as chaves nas mãos, e Pedro com as mãos atadas. Eu bem sei que as chaves de Pedro também são cadeias, mas cadeias para atar e desatar, e não para ser atado.
Cristo, porém, na cruz, com a cabeça inclinada para baixo, e Pedro na cruz, às avessas, com a cabeça levantada para cima, porque a cabeça de Cristo e a de Pedro, recíproca e reflexamente se retratam e se vêem uma na outra, bem assim como a mesma cabeça, vista e multiplicada no espelho, parecem duas cabeças, e é uma só.
(Sermão das Cadeias de S. Pedro em Roma pregado na Igreja de S. Pedro. No qual sermão é obrigado, por estatuto, o pregador a tratar da Providência, ano de 1674, Pe. António Vieira)

Quem dizem que Eu sou?
Perguntou o Senhor, para que os senhores que mandam o Mundo se não desprezem de perguntar. Se pergunta a sabedoria divina, porque não perguntará a ignorância humana? Mas esse é o maior argumento de ser ignorância. Quem não pergunta, não quer saber; quem não quer saber, quer errar.
Não perguntou o Senhor o que era, senão o que se dizia: Quem dicunt? Antes de se fazerem as cousas, há-se de temer o que dirão; depois de feitas, há-se de examinar o que dizem. Uma cousa é o acerto, outra o aplauso. A boa opinião de que tanto depende o bom governo, não se forma do que é, senão do que se cuida; e tanto se devem observar as obras próprias, como respeitar os pensamentos e línguas alheias. A providência com que Deus permite a murmuração, é porque talvez de tão má raiz se colhe o fruto da emenda. E se eu de murmurado me posso fazer aplaudido, porque me não informarei do que se diz?
Grande é o ódio que os homens têm à idade em que nasceram. Não diziam que era um profeta como os antigos, senão um deles: Unus de prioribus. Pois assim como antigamente houve também profetas, não poderia também agora haver um? Cuidam que não. Por melhor milagre tinham ressuscitar um dos profetas passados, que nascer em seu tempo outro como eles. Tudo o moderno desprezam, só o antigo veneram e acreditam.
Não tinha S. Pedro bem acabado a confissão da sua fé quando o Senhor lha premiou com a certa esperança da maior dignidade. Ele disse a Cristo o que era, e Cristo disse-lhe a ele o que havia de ser. «E eu te digo, Pedro, que tu és Pedro, e sobre esta pedra hei-de fundar a minha Igreja». De tal maneira obra Deus com a sua e suma sabedoria, que parece se emenda com a experiência. Arruinou-se-lhe a primeiro edifício, porque o fundou em um homem de barro; para que lhe não arruíne o segundo, funda-o em um homem de pedra.
Primeiro lhe chamou homem de pedra e depois lhe entregou as chaves, porque as chaves do Reino só em homens de pedra estão seguras. Os homens de barro quebram, os de pau corrompem-se, os de vidro estalam, os de cera derretem-se; tão duro e tão constante há-de ser como uma pedra, quem houver de ter nas mãos as chaves do Reino.
Não sei o que mais devo venerar neles, se o que Cristo disse a S. Pedro, se o que S. Pedro disse a Cristo.
(Sermão de São Pedro, do Pe. António Vieira Pregado em Lisboa, em S. Julião, no ano de 1644, à venerável congregação dos sacerdotes).

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