O chamamento de Mateus foi pintado no século XVI por Caravaggio. Salientamos alguns pormenores desta pintura:
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Os personagens estão vestidos ao tempo do pintor, isto é, ao estilo da
atualidade.
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Estão sentados à mesa a contar o dinheiro dos impostos, isto é, Mateus não
estava só, nem estava de mãos vazias. A criança que tem a seu lado parece indiciar que tem de deixar a sua família, os seus filhos...
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Jesus e Pedro estão à porta, como se estivessem de passagem ou visita
inesperada.
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Uma luz vem da rua por detrás de Jesus e incide sobre Mateus… é o mistério ou o
futuro.
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Jesus aponta para Mateus, mas não com o dedo reto ou imperativo, mas ao estilo
do dedo criador de Adão…
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Pedro está ao lado de Jesus e faz o mesmo gesto… pois ele sabe que o chamamento
de Jesus é sempre uma criação… e identifica-se plenamente como seu Mestre.
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Mateus aponta para si mesmo como que a perguntar: Quem? Eu? Ele ficou
surpreendido com a abordagem/convite de Jesus.
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Mateus olha para Jesus e ao mesmo tempo para o dinheiro, isto é, está a
decidir-se, renunciar ou optar.
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Os outros personagens nem olham para Jesus, ou se levantam os olhos nada se
apercebem.
Conclusão: A vocação de Mateus foi uma provocação. Foi um encontro determinante, uma festa ou alegria e um escândalo para os demais.
Tudo isto podemos ver mais profundamente na Carta mensagem do Pe. José Ornelas Carvalho de 1 de Março de 2014.
“Para
muitos que visitam Roma, a sua peregrinação inclui uma pausa na igreja de São
Luís dos Franceses. Esta igreja é famosa por acolher três quadros de
Caravaggio. Na sua entrevista com Antonio Spadaro, o Papa Francisco faz uma
referência ao mais célebre dos três quadros: O chamamento de São Mateus.
Para
aqueles que não conhecem o quadro, Mateus e os seus colaboradores estão
sentados à mesa a contar dinheiro. À porta estão Pedro e Jesus. Atrás deles,
uma luz projeta-se sobre Mateus e sobre o que ele está a fazer. O olhar
surpreso de Mateus, tal como o dos dois jovens sentados à mesa com ele,
volta-se para Jesus. Jesus aponta na direção de Mateus e este, incrédulo,
aponta para o seu peito com uma pergunta óbvia a si mesmo: “Quem? Eu?”. Mateus
é atraído para dentro da luz. Será o seu futuro.
Costuma-se
dizer que os chamamentos são impertinentes, até violentos. Nada disto
transparece no quadro de Caravaggio.
Jesus
aponta para Mateus, mas olhando para a sua mão vê-se o dedo indicador, não em
linha reta e imperativa, mas curvado para baixo, ao modo do dedo do Criador na
criação de Adão, de Miguel Ângelo, na Capela Sistina. O dedo questiona Mateus.
Mateus
encontra-se perante um enigma, bem visível no seu rosto: “Sim, tu mesmo,
Mateus, sentado ao telónio coberto de
dinheiro sujo de impostos. Sim, tu! Vem, segue-me”. O texto do Evangelho não
refere qualquer hesitação: “E ele levantou-se e seguiu-O” (Mt 9, 9).
Nós,
que fizemos uma experiência idêntica, sabemos qual é a sensação de ser chamado.
O conceito de vocação ou chamamento não gerou interesse só entre religiosos,
mas também entre filósofos. Existe um vasto conjunto de literatura sobre a
fenomenologia da vocação: sobre o que acontece quando alguém é chamado. Estas
reflexões dirigem-se ao núcleo do que ocorre na existência humana, quando
confrontada com o chamamento. Não há uma voz clara – nada que indique donde vem
o chamamento. Quem chama permanece anónimo, indefinível. Não posso controlá-lo.
O chamamento não vem de mim mesmo. Vem de um outro lugar – talvez, de qualquer
coisa bela – e eu sei que é muito importante porque determina a minha vida. O
filósofo judeu Lévinas chamou-o: “uma provocação da parte de Deus1
Como
nas narrativas evangélicas, o chamamento impele a pessoa a abandonar a sua
“casa”, a sair do sofá. O filósofo francês Jean-Louis Chrétien diz que “ser
chamado” é ser “reclamado”. Há uma certa urgência ligada ao chamamento, um
sentimento “de ser preciso” tomar uma certa direção na vida. Olhando para os
inícios da vida vocacional de Leão Dehon, notamos que o seu chamamento lhe
causou grande inquietação: “Estava sempre tão preocupado com a minha vocação
religiosa…” (“J’étais toujours si préoccupé de ma vocation religieuse…”),
escreveu em 1875 (NHV XI, 152); falava do que percebia dos caminhos de Deus na
sua vida, (“les procès de Dieu dans ma vie”) (NQ XLIV 30), do seu “sofrimento”
(NHV XI,177). Muitos de nós, experimentámos este ardente desejo interior,
ouvimos o seu apelo e procurámos segui-lo para onde nos conduzia. A nossa
vocação tornou-se a nossa missão. O chamamento também nos fez procurar Aquele
que nos chamou, para nos fazer amigos d´Ele. Esta tem sido a nossa vida…”
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