No dia de Santa Cecília, padroeira da música... recupero uma história antiga:
Naquele tempo apareceu no palácio um peregrino. Foi
logo bem acolhido. Puseram-lhe mesa, cama e roupa lavada. Agradecido,
prontificou-se para cantar, pois era a única coisa com que podia recompensar tamanha
hospitalidade. Todos se maravilharam. O peregrino cantava mesmo bem. O rei
ficou extasiado e contratou o homem para lá ficar com o ofício de deliciar os
seus cortesãos com o seu canto. Quem o ouvia não se furtava a elogiá-lo. O
cantor agradecia, mas com humildade sempre advertia:
- Apesar dos vossos elogios, devo confessar que o
meu mestre canta muito melhor do que eu.
- Mas quem é o teu mestre? Diz-nos onde mora e
faremos que venho cantar para nós.
Desculpou-se então dizendo que o seu mestre era um eremita
que vivia nas montanhas e que nunca trocaria esse lugar por um palácio. Não
valeria a pena insistir.
A curiosidade era tanta que tinha de ser satisfeita.
Se o aprendiz cantava assim tão bem, como não seria o seu mestre! Só havia uma
solução: já que ele não vinha ao palácio, então o palácio iria até ele. Dito e
feito.
Guiados pelo peregrino, puseram-se a caminho. Depois
de muito andar encontraram um homem, abrigado numa gruta, mal vestido e sem
nenhum conforto exterior.
- Por ordem do rei, canta para nós.
O eremita permaneceu calado. Parecia surdo a tais
ordens.
- Se cantares para nós, transformaremos este covil
em mosteiro real e assim viverás reconfortado o resto dos teus dias.
Não houve maneira de abrir a boca de tal cantor.
Desanimados deixaram o local. Ainda não iam longe quando começaram a ouvir uma
voz celestial. Todos reconheceram aquela canção e voltaram atrás. Era o eremita
que, ajoelhado, fazia a sua oração da tarde cantando. O aprendiz tinha razão, o
mestre cantava muito melhor. Não havia comparação. A sua melodia ia mais longe,
as suas palavras brotavam do coração, a sua voz envolvia todo o ser.
- Como é que este pobre eremita, num lugar tão
miserável, canta tão bem, muito melhor do que tu?
- É simples, respondeu o aprendiz. É que eu canto
para vós, mas o meu mestre canta para Deus...
Quem diz cantar, pode também dizer falar, escrever,
pintar, sonhar...
E nós, cantamos para quem?
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