Naquele tempo, disse Jesus aos seus
discípulos: Acautelai-vos dos falsos profetas, que andam vestidos de ovelhas,
mas por dentro são lobos ferozes. Pelos frutos os conhecereis.
Por
onde se hão de conhecer os profetas?
Por
três coisas: pelos olhos, pelo coração e pelos sucessos.
1º
Pelos olhos
Conhecem-se
os verdadeiros profetas pelos olhos, porque o ver é o fundamento de profetizar.
Os profetas na Escritura chamam-se videntes: os que veem. Só os que
veem são profetas. Assim como a mais nobre profecia sobrenatural consiste na
visão, assim a mais certa profecia natural consiste na vista. Só quem viu pode
profetizar naturalmente com certeza. E a razão é muito clara. A profecia humana
consiste no verdadeiro discurso, o discurso verdadeiro não se pode fazer sem
todas as notícias; e todas as notícias só as pode ter quem viu com os olhos. Os
discursos de quem não viu são discursos; os ditames de quem viu são profecias.
2º
Pelo coração
O
outro sinal da profecia é o coração, porque, conforme cada um tem o coração,
assim profetiza. Os antigos, quando queriam prognosticar o futuro, sacrificavam
os animais, consultavam-lhes as entranhas, e, conforme o que viam nelas, assim
prognosticavam. Não consultavam a cabeça que é o assento do entendimento, senão
as entranhas, que é o lugar do amor, porque não prognostica melhor quem melhor
entende, senão quem mais ama. E este costume era geral em toda a Europa antes
da vinda de Cristo, e os portugueses tinham uma grande singularidade nele entre
os outros gentios. Os outros consultavam as entranhas dos animais: os
portugueses consultavam as entranhas dos homens. Assim o diz Estrabo no livro
terceiro: Era costume dos antigos portugueses - diz Estrabo - consultar as
entranhas dos homens que sacrificavam, e delas conjeturar e adivinhar os
futuros. - A superstição era falsa, mas a alegoria era muito verdadeira. Não há
lume de profecia mais certo no mundo que consultar as entranhas dos homens. E
de que homens? De todos? Não. Dos sacrificados. As entranhas dos sacrificados
eram as que consultavam os antigos: primeiro faziam o sacrifício, então
consultavam as entranhas. Se quereis profetizar os futuros, consultar as
entranhas dos homens sacrificados: consultem-se as entranhas dos que se
sacrificaram e dos que se sacrificam, e o que elas disserem isso se tenha por
profecia. Porém, consultar entranhas de quem não se sacrificou, nem se
sacrifica, nem se há de sacrificar, é não querer profecias verdadeiras: é
querer cegar o presente e não acertar o futuro.
3º
Pelos sucessos
O
último sinal de conhecer profetas são os sucessos. Quando duvidardes de algum
se é profeta ou não, observareis esta regra: se o que ele disser antes suceder
depois, tende-o por verdadeiro profeta; mas, se o que ele não suceder, tende-o
por profeta falso. - Não pode haver sinal nem mais fácil nem mais certo. Sabeis
a quais haveis de ter por profetas? Sabeis de quais haveis de cuidar que
acertarão com os futuros? Aqueles de quem tiverdes experiência que tudo, ou
quase tudo o que disseram antes, veio a suceder depois. Há muitos mui prezados
de profetas que, depois de acontecerem os maus sucessos, então profetizam pelo
arrependimento o que fora melhor ter profetizado antes pelo discurso. Este foi
um dos tormentos da Paixão de Cristo. Ataram a Cristo um pano pelos olhos,
davam-lhe com as mãos sacrílegas na sagrada cabeça, e diziam por escárnio que
profetizasse quem lhe dera: Adivinha quem foi que te bateu? Profetizar
depois de levar na cabeça é profecia de quem tem os olhos tapados: é escárnio
da Paixão de Cristo. Não haveis de profetizar quem vos deu, senão quem vos pode
dar, porque é melhor reparar os golpes que curá-los, e, se o sucesso mostrar
que a profecia foi certa, a quem a disser tende-o por profeta.
(Sermão
da Terceira Dominga do Advento, de Padre António Vieira. Tu quis es? Quid
dicis de te ipso?)
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