quarta-feira, 25 de junho de 2014

Para conhecer um profeta

4ª Feira - XII Semana Comum


Naquele tempo, disse Jesus aos seus discípulos: Acautelai-vos dos falsos profetas, que andam vestidos de ovelhas, mas por dentro são lobos ferozes. Pelos frutos os conhecereis.


Por onde se hão de conhecer os profetas?
Por três coisas: pelos olhos, pelo coração e pelos sucessos.
1º Pelos olhos
Conhecem-se os verdadeiros profetas pelos olhos, porque o ver é o fundamento de profetizar. Os profetas na Escritura chamam-se videntes: os que veem. Só os que veem são profetas. Assim como a mais nobre profecia sobrenatural consiste na visão, assim a mais certa profecia natural consiste na vista. Só quem viu pode profetizar naturalmente com certeza. E a razão é muito clara. A profecia humana consiste no verdadeiro discurso, o discurso verdadeiro não se pode fazer sem todas as notícias; e todas as notícias só as pode ter quem viu com os olhos. Os discursos de quem não viu são discursos; os ditames de quem viu são profecias.
2º Pelo coração
O outro sinal da profecia é o coração, porque, conforme cada um tem o coração, assim profetiza. Os antigos, quando queriam prognosticar o futuro, sacrificavam os animais, consultavam-lhes as entranhas, e, conforme o que viam nelas, assim prognosticavam. Não consultavam a cabeça que é o assento do entendimento, senão as entranhas, que é o lugar do amor, porque não prognostica melhor quem melhor entende, senão quem mais ama. E este costume era geral em toda a Europa antes da vinda de Cristo, e os portugueses tinham uma grande singularidade nele entre os outros gentios. Os outros consultavam as entranhas dos animais: os portugueses consultavam as entranhas dos homens. Assim o diz Estrabo no livro terceiro: Era costume dos antigos portugueses - diz Estrabo - consultar as entranhas dos homens que sacrificavam, e delas conjeturar e adivinhar os futuros. - A superstição era falsa, mas a alegoria era muito verdadeira. Não há lume de profecia mais certo no mundo que consultar as entranhas dos homens. E de que homens? De todos? Não. Dos sacrificados. As entranhas dos sacrificados eram as que consultavam os antigos: primeiro faziam o sacrifício, então consultavam as entranhas. Se quereis profetizar os futuros, consultar as entranhas dos homens sacrificados: consultem-se as entranhas dos que se sacrificaram e dos que se sacrificam, e o que elas disserem isso se tenha por profecia. Porém, consultar entranhas de quem não se sacrificou, nem se sacrifica, nem se há de sacrificar, é não querer profecias verdadeiras: é querer cegar o presente e não acertar o futuro.
3º Pelos sucessos
O último sinal de conhecer profetas são os sucessos. Quando duvidardes de algum se é profeta ou não, observareis esta regra: se o que ele disser antes suceder depois, tende-o por verdadeiro profeta; mas, se o que ele não suceder, tende-o por profeta falso. - Não pode haver sinal nem mais fácil nem mais certo. Sabeis a quais haveis de ter por profetas? Sabeis de quais haveis de cuidar que acertarão com os futuros? Aqueles de quem tiverdes experiência que tudo, ou quase tudo o que disseram antes, veio a suceder depois. Há muitos mui prezados de profetas que, depois de acontecerem os maus sucessos, então profetizam pelo arrependimento o que fora melhor ter profetizado antes pelo discurso. Este foi um dos tormentos da Paixão de Cristo. Ataram a Cristo um pano pelos olhos, davam-lhe com as mãos sacrílegas na sagrada cabeça, e diziam por escárnio que profetizasse quem lhe dera: Adivinha quem foi que te bateu? Profetizar depois de levar na cabeça é profecia de quem tem os olhos tapados: é escárnio da Paixão de Cristo. Não haveis de profetizar quem vos deu, senão quem vos pode dar, porque é melhor reparar os golpes que curá-los, e, se o sucesso mostrar que a profecia foi certa, a quem a disser tende-o por profeta.

(Sermão da Terceira Dominga do Advento, de Padre António Vieira. Tu quis es? Quid dicis de te ipso?)

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