Crónica de um santo na Madeira
Epílogo
Na
homilia da beatificação de Carlos da Áustria, a 03 de outubro de 2004, o Papa
São João Paulo II referiu: “A tarefa decisiva do cristão consiste em buscar,
reconhecer e seguir a vontade de Deus em tudo. O homem de Estado e cristão
Carlos da Áustria enfrentava este desafio quotidianamente. Aos seus olhos, a
guerra manifestava-se como "algo horrível". Durante os tumultos da
primeira guerra mundial, ele procurou promover a iniciativa de paz do meu
predecessor Bento XV.
Desde
o início, o Imperador Carlos concebeu o cargo que ocupava como um serviço
sagrado aos seus povos. A sua principal preocupação consistia em seguir a
vocação do cristão à santidade também na sua ação política. Por este motivo, o
seu pensamento estava orientado para a assistência social. Que ele constitua um
exemplo para todos nós, sobretudo para aqueles que hoje ocupam lugares de
responsabilidade política na Europa.”
De
facto, o Beato Carlos da Áustria morreu como viveu, no fiel cumprimento da
vontade de Deus – Sempre me esforcei por reconhecer e fazer a vontade de
Deus, tão bem quanto possível…
Para
ele, tudo foi dom de Deus, tanto as alegrias como as adversidades, repetindo
com frequência: Encontramo-nos nas mãos da Divina Providência. Tudo o que
nos acontece está bem. Apenas confiemos.
O
Imperador Carlos procurou a vontade de Deus em tudo quanto fez. Esta era a
regra mais importante da sua vida e das suas ações.
No
seu leito de morte, disse à Imperatriz Zita: Zangar-se? Lamentar-se? Quando
se conhece a vontade de Deus, tudo está bem.
Maior
milagre não pode haver.
Milagre
não é Deus fazer a nossa vontade, mas sim nós fazermos sempre a vontade de
Deus.
Ser santo é isto mesmo, é conformar a nossa vida à vontade de Deus.
01
de abril de 1922 – sábado
Às
nove horas, como habitualmente, o Pe. Paul Zsamboki trouxe ao enfermo Carlos da
Áustria a Sagrada Comunhão; depois, expôs o Santíssimo Sacramento num ostensório, à
vista do moribundo. “Vem sentar-te ao pé de mim e ajuda-me! – pediu o
Imperador a Zita. E ela permaneceu sentada à beira da cama, durante quatro
horas, apoiando o marido com a mão esquerda; ele poisava-lhe a cabeça no ombro.
O
Imperador entrou em agonia e ordenou que chamassem Otto, “para ver como é
que um cristão regressa aos braços do seu Criador”.
A
pulsação abrandou. Carlos estava lúcido e reuniu as últimas forças que lhe
restavam para dizer: “Amo-te muito. Amo muito os meus filhos. O que vamos
nós fazer com os pequeninos? Vamos para casa…”
O
seu rosto começou a perder cor. Restava-lhe apenas oferecer a morte. Um
derradeiro pensamento para os seus: “Bom Salvador, protegei os nossos
queridos filhos Otto, Adelaide, Roberto, Félix, Carlos Luís, Rodolfo, Carlota e
o pequenino…” Em seguida, deixou cair a cabeça sobre o ombro de Zita;
minutos depois murmurou: “Jesus, vem, vem!”
A
Imperatriz não conseguiu conter um grito de dor: “Carlos, que vai ser de mim
sozinha?” Depois conteve-se e rezou em voz alta: “Senhor, faça-se a
vossa vontade.” O Imperador arquejou e voltou a dizer: “Meu Jesus,
quando quiseres.” E após um momento de silêncio: “Jesus.” E calou-se
para sempre.
Morreu
às 12H18, conforme a certidão de óbito. Tinha 34 anos e meio.
Nesse
dia, a Imperatriz envergava um vestido encarnado. Foi a última vez que se
vestiu de cor.
Minutos
depois da morte do Imperador, Zita dirigiu-se a Otto: “O teu pai dorme o seu
sono eterno. A partir deste momento, és tu o Imperador e Rei.” E esboçou uma
pequena vénia diante do filho de nove anos.
Pio
XI (papa havia dois meses) e Afonso XIII de Espanha foram avisados por
telegrama da morte do Imperador. O bispo do Funchal foi rezar diante dos restos
mortais de Carlos, propôs que a inumação tivesse lugar na igreja do Monte. O
Governador Civil Coronel Nobre da Veiga foi ao Monte apresentar condolências.
À
noite foi embalsamado o cadáver do Imperador, pelos médicos assistentes,
através de injeções. O coração do Imperador foi extraído do corpo para ser
posteriormente encerrado num cofre de prata.
02
de abril de 1922 – domingo
A
condessa Kerssenbrock encarregou-se do defunto, a quem vestiu o uniforme de
marechal, não faltando a insígnia do Tosão de Ouro no dólman.
O
povo do lugar acorreu em massa e, por horas, passara, ao lado de seu esquife na
capela preparada em casa, tocando aí terços e objetos de piedade em sinal de
devoção. Eles não choravam um último Imperador, mas o bom Carlos, que na
tribulação do exílio, tanto soubera edificá-los com o seu comportamento humano
e cristão.
03
de abril de 1922 – segunda-feira
04
de abril de 1922 – terça-feira
O
artista Henrique Franco tirou o molde da máscara do Imperador Carlos com o
intuito de fazer um busto do mesmo, a pedido da Imperatriz Zita.
05
de abril de 1922 – quarta-feira
O
Henrique Franco foi à Quinta do Monte para executar a máscara mortuária do
Imperador Carlos pelo molde que lhe havia tirado no dia anterior.
As
autoridades da ilha decretaram um dia de luto. Neste dia 5 de abril as
bandeiras estiveram a meia haste no Funchal, as lojas fechadas e o Comboio do
Monte fez viagens eventuais para a freguesia.
O
funeral, a cargo da Agência Gama, realizou-se pelas 16H00 para a igreja do
Monte, assistindo largos milhares de madeirenses, presididas pelo Bispo do
Funchal, ficando provisoriamente o ataúde na Capela do Santíssimo Sacramento
para depois ser transladado para a Capela do Imaculado Coração de Maria, após
as respetivas obras de adaptação.
O
esquife foi transportado numa carreta da Câmara Municipal do Funchal, empurrada
por homens, de acordo com o costume local atravessando a rua das Tílias até à
igreja paroquial. O conde Josef Karolyi
levava uma almofada com as decorações do Imperador e atrás seguiam Zita e Otto,
depois a arquiduquesa Maria Teresa com Adelaide e Roberto, a condessa
Mensdorff, a condessa Kerssenbrock e as restantes crianças. Os criados levavam
coroas de flores. No final do cortejo seguiam as individualidades locais, bem
como os cônsules de Espanha, de França e de Inglaterra.
Dos
fortes do Funchal foram lançados cento e um tiros de canhão.
Sobre o catafalco estava o estandarte imperial e duas coroas de flores: uma com as cores da Áustria, outra com as cores da Hungria. Uma outra coroa encomendada de Viena pelo general Arz “em nome dos oficiais, sub-oficiais e soldados do exército imperial e real.”
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