sexta-feira, 1 de abril de 2022

Crónica de um santo (20)


Crónica de um santo na Madeira

Epílogo

Na homilia da beatificação de Carlos da Áustria, a 03 de outubro de 2004, o Papa São João Paulo II referiu: “A tarefa decisiva do cristão consiste em buscar, reconhecer e seguir a vontade de Deus em tudo. O homem de Estado e cristão Carlos da Áustria enfrentava este desafio quotidianamente. Aos seus olhos, a guerra manifestava-se como "algo horrível". Durante os tumultos da primeira guerra mundial, ele procurou promover a iniciativa de paz do meu predecessor Bento XV.

Desde o início, o Imperador Carlos concebeu o cargo que ocupava como um serviço sagrado aos seus povos. A sua principal preocupação consistia em seguir a vocação do cristão à santidade também na sua ação política. Por este motivo, o seu pensamento estava orientado para a assistência social. Que ele constitua um exemplo para todos nós, sobretudo para aqueles que hoje ocupam lugares de responsabilidade política na Europa.”

De facto, o Beato Carlos da Áustria morreu como viveu, no fiel cumprimento da vontade de Deus – Sempre me esforcei por reconhecer e fazer a vontade de Deus, tão bem quanto possível…

Para ele, tudo foi dom de Deus, tanto as alegrias como as adversidades, repetindo com frequência: Encontramo-nos nas mãos da Divina Providência. Tudo o que nos acontece está bem. Apenas confiemos.

O Imperador Carlos procurou a vontade de Deus em tudo quanto fez. Esta era a regra mais importante da sua vida e das suas ações.

No seu leito de morte, disse à Imperatriz Zita: Zangar-se? Lamentar-se? Quando se conhece a vontade de Deus, tudo está bem.

Maior milagre não pode haver.

Milagre não é Deus fazer a nossa vontade, mas sim nós fazermos sempre a vontade de Deus.

Ser santo é isto mesmo, é conformar a nossa vida à vontade de Deus.

01 de abril de 1922 – sábado

Às nove horas, como habitualmente, o Pe. Paul Zsamboki trouxe ao enfermo Carlos da Áustria a Sagrada Comunhão; depois, expôs o Santíssimo Sacramento num ostensório, à vista do moribundo. “Vem sentar-te ao pé de mim e ajuda-me! – pediu o Imperador a Zita. E ela permaneceu sentada à beira da cama, durante quatro horas, apoiando o marido com a mão esquerda; ele poisava-lhe a cabeça no ombro.

O Imperador entrou em agonia e ordenou que chamassem Otto, “para ver como é que um cristão regressa aos braços do seu Criador”.

A pulsação abrandou. Carlos estava lúcido e reuniu as últimas forças que lhe restavam para dizer: “Amo-te muito. Amo muito os meus filhos. O que vamos nós fazer com os pequeninos? Vamos para casa…”

O seu rosto começou a perder cor. Restava-lhe apenas oferecer a morte. Um derradeiro pensamento para os seus: “Bom Salvador, protegei os nossos queridos filhos Otto, Adelaide, Roberto, Félix, Carlos Luís, Rodolfo, Carlota e o pequenino…” Em seguida, deixou cair a cabeça sobre o ombro de Zita; minutos depois murmurou: “Jesus, vem, vem!

A Imperatriz não conseguiu conter um grito de dor: “Carlos, que vai ser de mim sozinha?” Depois conteve-se e rezou em voz alta: “Senhor, faça-se a vossa vontade.” O Imperador arquejou e voltou a dizer: “Meu Jesus, quando quiseres.” E após um momento de silêncio: “Jesus.” E calou-se para sempre.

Morreu às 12H18, conforme a certidão de óbito. Tinha 34 anos e meio.

Nesse dia, a Imperatriz envergava um vestido encarnado. Foi a última vez que se vestiu de cor.

Minutos depois da morte do Imperador, Zita dirigiu-se a Otto: “O teu pai dorme o seu sono eterno. A partir deste momento, és tu o Imperador e Rei.” E esboçou uma pequena vénia diante do filho de nove anos.

Pio XI (papa havia dois meses) e Afonso XIII de Espanha foram avisados por telegrama da morte do Imperador. O bispo do Funchal foi rezar diante dos restos mortais de Carlos, propôs que a inumação tivesse lugar na igreja do Monte. O Governador Civil Coronel Nobre da Veiga foi ao Monte apresentar condolências.

À noite foi embalsamado o cadáver do Imperador, pelos médicos assistentes, através de injeções. O coração do Imperador foi extraído do corpo para ser posteriormente encerrado num cofre de prata.

 

02 de abril de 1922 – domingo

A condessa Kerssenbrock encarregou-se do defunto, a quem vestiu o uniforme de marechal, não faltando a insígnia do Tosão de Ouro no dólman.

O povo do lugar acorreu em massa e, por horas, passara, ao lado de seu esquife na capela preparada em casa, tocando aí terços e objetos de piedade em sinal de devoção. Eles não choravam um último Imperador, mas o bom Carlos, que na tribulação do exílio, tanto soubera edificá-los com o seu comportamento humano e cristão.

 

03 de abril de 1922 – segunda-feira

 

04 de abril de 1922 – terça-feira

O artista Henrique Franco tirou o molde da máscara do Imperador Carlos com o intuito de fazer um busto do mesmo, a pedido da Imperatriz Zita.

 

05 de abril de 1922 – quarta-feira

O Henrique Franco foi à Quinta do Monte para executar a máscara mortuária do Imperador Carlos pelo molde que lhe havia tirado no dia anterior.

As autoridades da ilha decretaram um dia de luto. Neste dia 5 de abril as bandeiras estiveram a meia haste no Funchal, as lojas fechadas e o Comboio do Monte fez viagens eventuais para a freguesia.

O funeral, a cargo da Agência Gama, realizou-se pelas 16H00 para a igreja do Monte, assistindo largos milhares de madeirenses, presididas pelo Bispo do Funchal, ficando provisoriamente o ataúde na Capela do Santíssimo Sacramento para depois ser transladado para a Capela do Imaculado Coração de Maria, após as respetivas obras de adaptação.

O esquife foi transportado numa carreta da Câmara Municipal do Funchal, empurrada por homens, de acordo com o costume local atravessando a rua das Tílias até à igreja paroquial.  O conde Josef Karolyi levava uma almofada com as decorações do Imperador e atrás seguiam Zita e Otto, depois a arquiduquesa Maria Teresa com Adelaide e Roberto, a condessa Mensdorff, a condessa Kerssenbrock e as restantes crianças. Os criados levavam coroas de flores. No final do cortejo seguiam as individualidades locais, bem como os cônsules de Espanha, de França e de Inglaterra.

Dos fortes do Funchal foram lançados cento e um tiros de canhão.

Sobre o catafalco estava o estandarte imperial e duas coroas de flores: uma com as cores da Áustria, outra com as cores da Hungria. Uma outra coroa encomendada de Viena pelo general Arz “em nome dos oficiais, sub-oficiais e soldados do exército imperial e real.


 

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