sexta-feira, 29 de agosto de 2014

Crónica da guerra (1)



O Pe. Dehon viveu no centro do cenário da I Guerra Mundial. Como é seu costume, nunca deixou de registar, quase diariamente, as suas vivências pessoais bem como o que se passava à sua volta.

Diário de agosto de 1914
No dia 2 foi ordenada a mobilização geral. São os dias maus de 1870 que regressam. A guerra de então chegava depois do Concílio, esta chega depois do Congresso Lourdes. Quais são os desígnios da Providência? A minha Congregação é dizimada: trinta e cinco dos meus franceses e outro tanto dos alemães são mobilizados.
Depois do Concílio, Deus permitiu a guerra para evitar um cisma. Não é este o mesmo caso?
Nossa Senhora de Lourdes vai tirar proveito da guerra para renovar a Europa e a França.
Os oficiais franceses são geralmente religiosos, isso deve-se aos colégios jesuítas e outros colégios da igreja. Nesta guerra existem dois fatores sobrenaturais que o mundo ignora: Nossa Senhora de Lourdes e a Companhia de Jesus.
Primeiras proezas das armas: resistência de Liège e tomada Mulhouse. Tomada de várias passagens em Vosges.
A Rússia promete autonomia à Polônia, é um grande fato histórico. É um grande reino católico que se erguerá.
Este é um momento de ansiedade para mim. Medo pela família, pelo país, pela Congregação. Tenho muitos dos meus filhos espirituais na guerra! Faltam os recursos. Os benfeitores reservam-se. É preciso uma confiança cega na Providência.
No dia 21 envio os meus jovens italianos para Bolonha. O noviciado está deveras prejudicado, há angústias por todos os lados.
Pio X morreu. Ele era nosso amigo, nosso benfeitor. Ele deu-nos a aprovação. Era um santo. Rezo por ele e invoco-o. Como era bom, simples e familiar, quando ia vê-lo! Ele não permitirá que São Pedro me receba mal lá no céu.

A guerra: angústias
Bruxelas está ocupada. As minhas angústias aumentam. O que acontecerá às minhas casas de Lovaina e de Ixelles?
O Pe. Wernz também morreu. Eu conhecia-o bem. Tenho no céu uma legião de amigos. Possam eles alcançar a minha conversão!
No dia 25 aos combates aproximam-se de nós. O perigo começa. Ofereço a minha vida pelo reino do Coração de Jesus, pela minha obra, pela Igreja: que Nosso Senhor me perdoe todas as minhas tão numerosas faltas. Eu amo-o assim mesmo e acima de tudo.
Dias de angústia. Ofereço a Deus todas as reparações de Nosso Senhor e dos santos. Os nossos sofrimentos quotidianos juntam-se aos méritos infinitos do Salvador.
Dia 27. Ouvimos os canhões durante todo o dia. A cidade está desorganizada: sem comboios, sem correio. É o pânico. Os Ingleses acompanham-nos com a sua compostura e confiança. A região vizinha está devastada. Caudry, Catry, Estrées, etc. etc, tudo está queimado e bombardeado. A população fugiu perturbada. O Pároco de Maissemy traz-nos o seu cibório cheio hóstias sagradas.

A ocupação
Dia 28. Santo Agostinho. Ouve-se o ruído dos canhões. Depois os tiros crepitam, sentimos o pó. Fiat!
Todas as nossas casas estão muito afetadas. Luxemburgo, Louvaina, Bruxelas, Mons, Quévy, por todo o lado a invasão e a guerra. Esta é precisamente a nossa missão reparadora.
Eu leio a vida de Mary Brotel, uma vítima e alma reparadora. Inspiro-me nos seus sentimentos.
É o aniversário da morte da Irmã Maria de Jesus, vítima de amor e de reparação. Conto bastante com suas orações. Trago o relicário de Santo André usado pelo Padre André, ele protege-me.
À noite a cidade é invadida, após dois dias de violentos combates. Deixemos que Nosso Senhor cumpra os Seus desígnios sobre as nações...
Dia 29. A ocupação da cidade é bastante tranquila. Os canhões rugem ao longe, a batalha continua a alguns quilómetros daqui.
Estes canhões que retumbam como a tempestade são assustadores, eles provocam terror. Quantas vidas são ceifadas nestes dias! Ofereço sem cessar as expiações e os méritos de Nosso Senhor e dos santos pelos que morrem e pelos que morreram. Repito os três nomes abençoados de Jesus, Maria, José.
A batalha situa-se agora a leste de São Quintino, no lado de La Fère. Os canhões retumbam mais fortes ainda que nos dias anteriores.
Invoco São João Batista cuja decapitação comemoramos. É um grande protetor da Igreja. Ele nos ajudará.
Há horas terríveis quando o tiroteio é tão violento que o sistema nervoso fica todo abalado. Foi-nos ordenado alojamento para os soldados inimigos, no entanto não vieram. O Coração de Jesus protege realmente a sua casa.
Dia 30. Domingo cinzento. Ninguém se atreve a sair das suas casas, os sinos calam-se. Há pouca gente nas igrejas. E, no entanto, é preciso rezar muito, orar sem cessar. Para a cristandade é um período tão grave!
Durante todo o dia os canhões rugem ainda, pelo menos até às 3 horas. Este é o 4º dia de batalha. Muitos feridos chegam à cidade.
Dia 31. Hoje será aberto o Conclave. Nós não sabemos nada sobre as coisas do exterior.
Dia de relativa calma: movimentos de tropas. Não se ouve a artilharia.
A batalha foi muito violenta durante quatro dias, especialmente no sábado. Hoje removem-se os mortos e os feridos, que são muitos. À noite temos de alojar três médicos oficiais alemães. Eles são católicos e bem-educados.
À noite os soldados aparecem para roubar, mas nossos oficiais metem-nos em ordem.


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