sexta-feira, 3 de janeiro de 2014

Natal (36)



Natal de Paul Claudel

Na fria manhã do dia 25 de dezembro de 1886, um jovem de 18 anos, que depressa iria tornar-se grande poeta e dramaturgo, dirigiu-se à catedral de Notre Dame de Paris. Tinha feito, quando garoto, a primeira comunhão, mas também tinha sido a última. O mundo para ele não era mais do que uma imensa engrenagem material sem coração e sem rumo… E os pobres seres humanos? Nascem sem terem pedido, disfrutam somente aqueles que podem, e todos sofrem…
Assim pensava o jovem Paul Claudel, aprendiz de escritor, enquanto caminhava triste para a catedral., numa húmida manhã de Natal. Buscava um tema para escrever, um motivo inspirador. Mas quem sabe o que procurava? Tinha lido há pouco as iluminações do poeta Rimbaud que lhe provocara um profundo sentimento, quase físico, da Presença Sobrenatural. Há pouco tempo também tinha morrido o seu avô, depois de longos meses com um doloroso cancro de estômago e desde então, a angústia e a obsessão da morte não o abandonavam.
Acompanhou a missa sem muito interesse. Pela tarde, ‘não tendo nada melhor para fazer’ segundo o que ele mesmo nos conta, voltou à catedral para assistir ao ofício das Vésperas. Estava de pé, entre a multidão, junto à segunda coluna do lado da sacristia. Tarde cinzenta de Natal em Paris. Tarde obscura do coração numa catedral toda iluminada. De repente, o coro dos meninos, vestidos de roquetes bancos, entoou o Magnificat, que ele não conhecia: o canto de Maria, mãe de Jesus, o canto dos pobres, o salmo dos humildes, o hino da Vida e da Misericórdia.
“Então produziu-se o acontecimento que domina toda a minha vida. Num instante, o meu coração foi tocado e acreditei. Tive de repente o sentimento penetrante da inocência, da terna infância de Deus.” Uma revelação inefável! E começou a chorar. E enquanto o coro dos meninos cantava  o Adeste fideles, continuou a chorar sem parar. E quanto mais chorava mais se consolava.
E nasceu assim, um novo discípulo do Deus Menino.
Isso é Natal: todas as penas do mundo transformam-se em lágrimas de consolo, em lágrimas de compaixão, até que as lágrimas transformem todo o mundo. Isto é o essencial e tudo o mais não passa de imagens e palavras. Quando as imagens são belas e as palavras inspiradas, convertem-se em chamas de luz e de calor, em poemas que iluminam a noite…
Era aquilo mesmo que o jovem poeta tinha pressentido, meses atrás, nos versos de Rimbaud. Mas agora revelava-se na sua forma cristã mais bela: os ritos, os cânticos, os relatos do Nascimento, Jesus, Maria, os anjos, os pastores, Belém… Deus fez-se carne de Menino, carne da nossa carne. Deus é carne humana. Natal é a infância eterna de Deus.
Isto é Natal: acolher e viver a eterna infância ou a bondade eterna de Deus em todas as circunstâncias da vida.

(adaptado de José Arregi)

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