Quarta-feira de cinzas
O
homem foi pó e há-de ser pó, logo é pó, pois tudo o que vive não é o que é, é o
que foi e o que há-de ser.
Olhemos
para trás: que é o que fomos? Pó.
Olhemos
para diante: que é o que havemos de ser? Pó.
Fomos
pó e havemos de ser pó? Pois isso é o que somos.
O
memento dos mortos: lembre-se o pó caído que há-de ser pó levantado.
O
pó que foi homem, há-de tornar a ser homem.
Este
foi o memento dos vivos; acabo com o memento dos mortos.
Aos
vivos disse: lembre-se o pó levantado que há-de ser pó caído.
Aos
mortos digo: lembre-se o pó caído que há-de ser pó levantado… Lembra-te pó que
és homem, e que em homem te hás-de tornar.
Se
dissemos aos vivos: lembra-te homem que és pó, porque foste pó, e hás-de tornar
a ser pó — brademos com a mesma verdade aos mortos que já são pó: lembra-te pó
que és homem porque foste homem, e hás-de tornar a ser homem.
A
mim não me faz medo o pó que hei-de ser; faz medo o que há-de ser o pó.
Eu
não temo na morte a morte, temo a imortalidade; eu não temo hoje o dia de
cinza, temo hoje o dia de Páscoa, porque sei que hei-de ressuscitar, porque sei
que hei-de viver para sempre, porque sei que me espera uma eternidade, ou no
céu, ou no inferno.
(SERMÃO DE
QUARTA-FEIRA DE CINZA - Igreja de S. António dos Portugueses, Roma. Ano de 1670
- Pe. António Vieira)
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