segunda-feira, 5 de novembro de 2012

O Relógio da Fé


Horologium Fidei é o título do livro que o Infante D. Henrique escreveu, ou melhor, mandou escrever.
O Infante D. Henrique era um homem preocupado com os problemas religiosos e a quem agradava um livro de teologia, a ponto de pedir ao franciscano Fr. André do Prado que escrevesse um comentário ao símbolo dos apóstolos – Horologium Fidei.
Assim nasceu o único livro que o Infante mandou escrever, escrever e não propriamente copiar ou traduzir. Parece ser datado cerca de1450.
Trata-se de um códice de 89 folhas, a duas colunas, em gótico de quatrocentos, com letras iniciais a vermelho, azul e violeta, e cós nomes dos interlocutores algumas vezes por extenso, outras vezes abreviados, mas geralmente omitidos. Neste último caso, fica o respetivo espaço em branco, pronto a ser preenchido pelo Magister ou pelo segundo dialogante, Dominus Henricus.
Não estranhemos o título: Relógio da Fé. Julgamos que, para Fr. André do Prado, tal obra destinava-se a ensinar aos homens as verdades da fé, como o relógio indica as horas certas do dia.
Através deste diálogo literário, como género literário…
Está em latim pois era a língua comum dos escritos teológicos…
Dividido e comentado em 12 capítulos, o Credo apresenta-se como o próprio relógio da fé. O primeiro capítulo, sobre a unidade substancial da Trindade e a natureza da fé, ocupa um terço da obra. Os restantes ocupam-se da divindade de Cristo, da conceção imaculada (comenta a cláusula “Que foi concebido do Espírito Santo, nascido da Virgem Maria”, dependendo sobretudo da exegese bíblica, de Agostinho e de fontes diversas), da encarnação e padecimento de Cristo, da sua ressurreição, do juízo final, dos dons do Espírito Santo, da unidade da Igreja, da graça, da ressurreição dos mortos e, por fim, da bem-aventurança eterna.
Após a dedicatória, Fr. André do Prado começa a falar em linguagem mais simples e pede ao Infante que abra a série de perguntas em torno ao Credo: “Tende pois a bondade, ó melhor dos príncipes, de querer pôr mãos à obra acerca do assunto que temos em vista.”
O Infante não hesita. Chama-lhe bom mestre e faz sete perguntas:
- Que é o símbolo?
- Quantos símbolos há?
- Que é um artigo da fé?
- Onde e quando foram feitos os símbolos?
- Quem os fez?
- Por que motivo os fizeram?
- A quem pertence fazê-los?
… E a obra vai caminhando lentamente, num diálogo impessoal e escolástico de perguntas e respostas, ricas de substâncias e pobres de retórica.
Vários eram os símbolos, explicava Fr. André do Prado, mas só três foram adotados oficialmente pela Igreja: O símbolo dos Apóstolos, o de Niceia e o chamado de Santo Atanásio.
Porque dos Apóstolos? Porque foram eles que o compuseram, antes de se dispersarem pelo mundo, responde Mestre André.
É este o símbolo que o frade menor explica no Horologium Fidei.
De vez em quando D. Henrique pede exemplos e comparações – que Mestre André lhe mostre qualquer coisa que dê uma ideia da coeternidade, em Deus, do Filho e do Pai. O frade recorre mais uma vez a Santo Agostinho: neste mundo, o pai enquanto pai, tem a idade do filho, pois só começou a ser pai quando gerou o filho! E tanto a luz como a chama têm a mesma idade!
Não é obra para se ler dum fôlego. Trata-se dum livro de estudo, com amplas exposições da teologia trinitária, um autêntico tratado de cristologia e belas páginas sobre a providência divina. No entanto, não chega a ser propriamente uma suma de teologia, pois há verdades católicas que faltam no Credo.
Temos neste códice a confirmação do pensamento religioso do Infante de Sagres e um documento contra qualquer tese que tenda a transformá-lo num homem movido unicamente por razões de ordem económica. A laicização do Infante D. Henrique é um pecado contra a verdade histórica.
(Cf. Mário Martins, O Livro que o Infante D. Henrique mandou escrever, in Brotéria vol LXXI, Agosto-Setembro de 1960, nº 2-3, páginas 195-206)
 

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