Horologium Fidei é o
título do livro que o Infante D. Henrique escreveu, ou melhor, mandou escrever.
O
Infante D. Henrique era um homem preocupado com os problemas religiosos e a
quem agradava um livro de teologia, a ponto de pedir ao franciscano Fr. André
do Prado que escrevesse um comentário ao símbolo dos apóstolos – Horologium
Fidei.
Assim
nasceu o único livro que o Infante mandou escrever, escrever e não propriamente
copiar ou traduzir. Parece ser datado cerca de1450.
Trata-se
de um códice de 89 folhas, a duas colunas, em gótico de quatrocentos, com
letras iniciais a vermelho, azul e violeta, e cós nomes dos interlocutores
algumas vezes por extenso, outras vezes abreviados, mas geralmente omitidos.
Neste último caso, fica o respetivo espaço em branco, pronto a ser preenchido
pelo Magister ou pelo segundo dialogante, Dominus Henricus.
Não
estranhemos o título: Relógio da Fé. Julgamos que, para Fr. André do Prado, tal
obra destinava-se a ensinar aos homens
as verdades da fé, como o relógio indica as horas certas do dia.
Através
deste diálogo literário, como género literário…
Está em
latim pois era a língua comum dos escritos teológicos…
Dividido
e comentado em 12 capítulos, o Credo apresenta-se como o próprio relógio da fé.
O primeiro capítulo, sobre a unidade substancial da Trindade e a natureza da
fé, ocupa um terço da obra. Os restantes ocupam-se da divindade de Cristo, da
conceção imaculada (comenta a cláusula “Que foi concebido do Espírito Santo,
nascido da Virgem Maria”, dependendo sobretudo da exegese bíblica, de Agostinho
e de fontes diversas), da encarnação e padecimento de Cristo, da sua
ressurreição, do juízo final, dos dons do Espírito Santo, da unidade da Igreja,
da graça, da ressurreição dos mortos e, por fim, da bem-aventurança eterna.
Após a
dedicatória, Fr. André do Prado começa a falar em linguagem mais simples e pede
ao Infante que abra a série de perguntas em torno ao Credo: “Tende pois a
bondade, ó melhor dos príncipes, de querer pôr mãos à obra acerca do assunto
que temos em vista.”
O
Infante não hesita. Chama-lhe bom mestre e faz sete perguntas:
- Que é
o símbolo?- Quantos símbolos há?
- Que é um artigo da fé?
- Onde e quando foram feitos os símbolos?
- Quem os fez?
- Por
que motivo os fizeram?
- A quem
pertence fazê-los?
… E a
obra vai caminhando lentamente, num diálogo impessoal e escolástico de
perguntas e respostas, ricas de substâncias e pobres de retórica.
Vários
eram os símbolos, explicava Fr. André do Prado, mas só três foram adotados
oficialmente pela Igreja: O símbolo dos Apóstolos, o de Niceia e o chamado de
Santo Atanásio.
Porque
dos Apóstolos? Porque foram eles que o compuseram, antes de se dispersarem pelo
mundo, responde Mestre André.
É este o
símbolo que o frade menor explica no Horologium Fidei.
De vez
em quando D. Henrique pede exemplos e comparações – que Mestre André lhe mostre
qualquer coisa que dê uma ideia da coeternidade, em Deus, do Filho e do Pai. O
frade recorre mais uma vez a Santo Agostinho: neste mundo, o pai enquanto pai,
tem a idade do filho, pois só começou a ser pai quando gerou o filho! E tanto a
luz como a chama têm a mesma idade!
Não é
obra para se ler dum fôlego. Trata-se dum livro de estudo, com amplas
exposições da teologia trinitária, um autêntico tratado de cristologia e belas
páginas sobre a providência divina. No entanto, não chega a ser propriamente
uma suma de teologia, pois há verdades católicas que faltam no Credo.
Temos
neste códice a confirmação do pensamento religioso do Infante de Sagres e um
documento contra qualquer tese que tenda a transformá-lo num homem movido
unicamente por razões de ordem económica. A laicização do Infante D. Henrique é
um pecado contra a verdade histórica.
(Cf. Mário Martins, O Livro que o Infante D.
Henrique mandou escrever, in Brotéria vol LXXI, Agosto-Setembro de 1960, nº 2-3,
páginas 195-206)
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